Filhos e Enteados
É este um momento de desclassificação. Não tanto do documento que se dá aos olhos do Mundo, apesar de ele se encartar no estatuto de "CONFIDENCIAL", mas decerto do Portugal que não soube, oficialmente, honrar como devia os seus filhos mais ilustres. Trata-se de uma carta escrita, na perspectiva da viagem do Presidente Craveiro Lopes a Inglaterra, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Cunha, por um um dos colaboradores directos e breve biógrafo do Marquês de Soveral, o diplomata Amadeu Ferreira de Almeida, pugnando por um gesto de reconhecimento da Nação para com um dos que mais lustro lhe deram aos olhos dessa Europa que a prosápia abrilina julga ter descoberto e feito descobrir-nos, ao menos na contemporaneidade.
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Permito-me destacar um excerto:
Como a sua memória ainda se nâo apagou em Londres onde ficou vivendo depois da República mantendo sempre a sua situaçâo, é possível que alguém fale dele a Vossa Excelencia durante a proxima viagem presidencial, por ter sido o mais solido elo que jamais uniu a Inglaterra e Portugal.
E' pois meu dever informar V. Excelencia -- por isto poder ser remediado por iniciativa de V. Excelencia -- do mau efeito que causou em Londres, e sobre tudo na côrte (que chegou ao ponto de o mandar trazer a Lisboa no Yacht Real), o abandono a que o votou, ha 30 anos, a Nação que tâo brilhantemente serviu, nâo repatriando (como hoje faria a qualquer ministro morto no estrangeiro) e deixando que ficasse sepultado, por favor duma familia estrangeira, numa cripta rasa do cemiterio de Père La Chaise em Paris, onde apenas uma placa solta de dois palmos, diz: Marquis de Soveral - e mais nada! e por isto destinada a desaparecer.
Em vista do que o Governo fez pelo Sr. Teixeira Gomes que lhe sucedeu (com quem servi dois ans como 1º Sec.) e que nunca logrou ter na côrte situaçâo alguma, porque ali via sempre soveral no 1º lugar, do que sâo testemunhas os Embaixadores Conde de Tovar e Dr. Joâo de Bianchi (Valparaiso) parece justo que o Marquês de Soveral fôsse tambem transladado para Lisboa, e mesmo para os Jeronimos, abrindo assim um honroso precedente e um incentivo para os Diplomatas Portugueses que o merecessem.
(...)
Pensarà V. Excelencia que a Inglaterra homenageou o Sr. T. Gomes na ultima semana da sua estada em Londres. Nada foi porem feito ao Sr. Gomes mas ao presidente eleito da República amiga, e sò por isso foi condecorado, trazido a Lisboa num destroyer e mesmo feito Dr. Honoris Causa de Cambridge, sem possuir curso algum superior! caso único na história universitária, mas que (em) Inglaterra nem por sombras poderiam supor!
Texto aqui deixado como libelo a uma forma de estado que insiste em promover os homens de partido - desde que seja o seu, está bom de ver -, e mandar para a "roda dos expostos" dos falecidos os que serviram o País com brilho, fora dele. É a diferença entre os Expoentes da Pátria e os filhos da (re)pública.