quinta-feira, 19 de abril de 2007

Desconsiderações Sobre a França

todo o atentado cometido contra a soberania em nome da Nação é sempre, em maior ou menor grau, um crime nacional, porque nunca está a Nação livre de culpa quando uns facciosos chegam a estar em condições de cometer o crime em seu nome.
Joseph de Maistre in Considerações Sobre a França

A conquista do Ar, de Roger La Fresnaye
Apoderei-me propositadamente desta imagem para ilustrar o que me vai na alma enquanto tocaio o triste espectáculo de uma eleição presidencial mais em França. A pintura foi concebida para comemorar os êxitos pioneiros da aviação francesa, porém a mesa vazia e o desconsolo da ilegitimidade tricolor a voar parecem-me mais do que apropriados para exprimir o atentado que é a prevaricação em preencher por papeluchos, o lugar que foi de São Luís, isto é, a patética tentativa de se apoderar do vazio.
E, no entanto, o mal não está nas pessoas. Os candidatos são melhores do que a V República habituou. Até aqui, tínhamos a arrogância como imagem de marca, De Gaulle à cabeça, olhando de alto do seu metro e noventa e sete, fingindo lutar contra a decadência ao trucidar os que estavam na mó de baixo, camuflando com "passos históricos" as cedências vergonhosas cuja rejeição prometida lhe tinham valido o Poder. Pompidou pouco contou, mas a sua afabilidade relativa não escondia a presunção da nata financeira donde foi extraído. Giscard tinha o olhar altaneiro e não tinha mais, salvo as perigosas ligações diamantíferas a circenses Napoleões africanos. Mitterand nunca a escondeu, por detrás do florentinismo com que enrolou família e País. Até alguém vindo dos meios católicos, como Delors, não conseguia evitar os tiques da auto-suficiência pesporrente com que amassava as tradições nacionais sob o rolo compressor burocrático.
Na última eleição tocou-se no fundo, com um burlão comum a vencer, depois de eliminado o Jospin de anedota, homem cujo drama reside em não ver a opinião que faz da sua estatura política corroborada por alguém mais, o que significa que a justiça não se sumiu de todo.
Perante isto, Sarkozy, que adoptou alguns dos tiques dos seus predecessores gaulistas parece uma esperança redentora, pois consegue fazer da antipatia peculiar aos litigantes dos sufrágios um sinal de decisão. Que é aquilo por que os franceses mais suspiram, massacrados pela regular criminalidade protestatária.
Madame Royal estava longe de ser, como a querem fazer os seus compatriotas e a extensão portuguesa deles, apenas uma carinha-laroca. Tinha, realmente, uma panóplia de propostas substantivas que, contudo, teve de meter na carteira, porque não agradavam à sua base de apoio. A descentralização era incompatível com o jacobinismo legiferante caro aos militantes socialistas gauleses. O ambientalismo é por eles tido como mero apêndice eleitoral, não cativa, para além do que os Verdes possam acrescentar a uma maioria. A reforma do Serviço Público é impensável no partido cuja maior base de apoio está, justamente, nos funcionários do Estado. E vamos ver até que ponto foi um erro afirmar firmeza no combate ao crime sem aceitar a descida da idade de responsabilidade penal, dado constatar-se a preponderância juvenil no recenseamento etário da criminalidade.
O Sr. Bayrou, creio-o, na verdade, bom homem, tanto quanto um político o pode ser. Mas, de cada vez que é inquirido sobre propostas concretas, só lhe saem frases ocas sobre "a necessidade de políticas novas", com o engasgo subsequente quando lhe pedem para precisar, bem como o aprofundamento em abstracto da União Europeia. Faz lembrar o actual Presidente da Comissão, com mais bonomia, não admirando que lhe teça os encómios que invariavelmente debita.
E Le Pen já não é o mesmo. À transigência em correr com as regras do Sistema este Réprobo, maior do que o que escreve, soma agora a rendição perante as inovações instiladas pela filha e presuntiva herdeira, tacitamente capitulando perante a convicção - e não já mera aceitação - republicana, eleiçoeira e abortista com que se pretendeu renovar no Campo Nacional. O seu corajoso combate ameaça diluir-se numa progressiva indiferenciação.
Perante isto, não se pode concluir por coisa diferente de que, apesar da melhoria no material humano, as contingências impostas pelo regime e pelo Arco Consensual continuarão a fazer das paragens que condenaram Maurras um péssimo exemplo para o Mundo. Pode-se seguir o espectáculo, mas como de baixa comédia que é.

6 comentários:

Anónimo disse...

El liberal Alain Madelin era la única esperanza de regeneración........

O Réprobo disse...

Caro Çamorano,
há uns anos tive alguma simpatia por Madelin, um antigo militante estudantil de "Occident", como a tive por Longuet. Mas depressa se deixaram enredar em negócios ínvios. Ao contrário destes, estava o problema nos homens, não só no ambiente em que são obrigados a mover-se.
Abraço

cristina ribeiro disse...

Dada a minha total ignorância(ainda maior do que noutros assuntos ,se possível é)relativamente ao que se passa por terras gaulesas,foi com muito interesse que li esta sua esclarecedora análise.
Agora quanto à sua conclusão,parece-me, Caro Amigo, que Portugal não detém o exclusivo da baixa comédia;até na velha e boa Grã-Bretanha a podemos encontrar.
Beijo

O Réprobo disse...

Ah, pois não, Ultramodesta Cristina! Já dizia Eça que éramos o francês traduzido em calão...
Beijo

Anónimo disse...

Con todos mis respetos hacia Doña Cristina Ribeiro.....Se pueden decir muchas cosas de la Gran Bretaña (aka Pérfida Albión)....¡Pero precisamente "Boa"!

O Réprobo disse...

O anti-britanismo do Caro Çamorano é proverbial. Quando, há tempos, um obscuro blogador se despediu das lides encontrou maneira de dizer que a antiga Rainha de Espanha, que tivera um momento infeliz para com Nuestros Hermanos, era "a inglesa".
Abraço & beijo a Quem de direito.