O Poder Simbólico
Desencantou-me Mão Amiga num bouquiniste de Bruxelas a versão em francês do livro do Padre Luis Gonzaga de Azevedo sobre as perseguições dos revolucionários republicanos aos religiosos, em particular aos Jesuítas, na sequência do triunfo em 5 de Outubro de 1910. Está lá tudo, citações de O Mundo, orgão afonsocostista, inventando tiros e explosivos lançados de estabelecimentos clericais, prontamente desmascarados pela imprensa estrangeira, a brasileira em primeira linha, a campanha de insultos a fazer lembrar o estilo de Streicher contra os Judeus, a prisão, com as humilhações acéfalas do tratamento assemelhado ao dos criminosos comuns, com os "sábios da República" a tirarem as medidas cranianas ao gosto da época; e contra o sentimento de alguns dos próprios médicos que lhes obedeciam... Bem como a expulsão final.
O decreto mesmo é um mimo e uma peça acusatória contra o Governo Provisório da República que o promulgou. Os primeiros dois artigos são de fazer saltar das órbitas os olhos dos mais distraídos, restaurando as leis pombalinas de 1759 e 1767, expressamente estabelecendo que: "continua a estar em vigor como lei da república portuguesa, a lei (...), promulgada sob o regime absoluto..."
Que admira pois que os jacobinos de 1910 tenham feito a estátua da Rotunda a Pombal, tal como os liberais de 1834 tinham restaurado o medalhão com a efígie dele na estátua de D. José, no Terreiro do Paço? Os adeptos da centralização e do ódio não podiam suportar quem lhes disputasse o ensino, que passa por insígnia do saber, professando, ao mesmo tempo, uma obediência estrita que lhes fosse estranha.
Estou, entretanto, em crer que os bons olhos com que o anti-jesuitismo é visto por alguns a quem repugnam as arbitrariedades e violências da 1ª República brota de um raciocínio análogo ao daquele aristocrata francês que se recusava a dar a ler aos seus rebentos os livros da Condessa de Ségur, por todos os filhos desta terem acabado mal, o que não abonaria da sua virtude educativa... Lembrar-se-ão estes cépticos de Voltaire e Diderot, que deles foram discípulos. Mas a questão parece falsa. No que ao ensino deve ser imputado, a qualidade da escrita, mais um grão de louvor merece ser acrescentado aos Padres da Companhia. O resto deve-se procurar no orgulho de naturezas que busca a glória para si, incompatível com a adstrição ao Serviço e o acatamento de uma disciplina férrea.
Mas o que mais interessa é que não se vê os próceres e a intelligentzia deste regime que temos, que procuram - e bem - não legitimar expulsões de inocentes estrangeiros, ao ponto de - muito mal - favorecer os que, vindos doutras origens, tenham culpas em cartórios vários, dissociar-se da herança partidocrática que continua a ser reabilitada e enaltecida nas persistentes, embora soporíferas, peças oratórias e académicas dos Senhores do Momento. E a esquecer que inocentes portugueses foram expulsos pelo regime que os precede genealogicamente. É contra este tranquilo branqueamento da maldade histórica que urge resistir.
O decreto mesmo é um mimo e uma peça acusatória contra o Governo Provisório da República que o promulgou. Os primeiros dois artigos são de fazer saltar das órbitas os olhos dos mais distraídos, restaurando as leis pombalinas de 1759 e 1767, expressamente estabelecendo que: "continua a estar em vigor como lei da república portuguesa, a lei (...), promulgada sob o regime absoluto..."
Que admira pois que os jacobinos de 1910 tenham feito a estátua da Rotunda a Pombal, tal como os liberais de 1834 tinham restaurado o medalhão com a efígie dele na estátua de D. José, no Terreiro do Paço? Os adeptos da centralização e do ódio não podiam suportar quem lhes disputasse o ensino, que passa por insígnia do saber, professando, ao mesmo tempo, uma obediência estrita que lhes fosse estranha.
Estou, entretanto, em crer que os bons olhos com que o anti-jesuitismo é visto por alguns a quem repugnam as arbitrariedades e violências da 1ª República brota de um raciocínio análogo ao daquele aristocrata francês que se recusava a dar a ler aos seus rebentos os livros da Condessa de Ségur, por todos os filhos desta terem acabado mal, o que não abonaria da sua virtude educativa... Lembrar-se-ão estes cépticos de Voltaire e Diderot, que deles foram discípulos. Mas a questão parece falsa. No que ao ensino deve ser imputado, a qualidade da escrita, mais um grão de louvor merece ser acrescentado aos Padres da Companhia. O resto deve-se procurar no orgulho de naturezas que busca a glória para si, incompatível com a adstrição ao Serviço e o acatamento de uma disciplina férrea.
Mas o que mais interessa é que não se vê os próceres e a intelligentzia deste regime que temos, que procuram - e bem - não legitimar expulsões de inocentes estrangeiros, ao ponto de - muito mal - favorecer os que, vindos doutras origens, tenham culpas em cartórios vários, dissociar-se da herança partidocrática que continua a ser reabilitada e enaltecida nas persistentes, embora soporíferas, peças oratórias e académicas dos Senhores do Momento. E a esquecer que inocentes portugueses foram expulsos pelo regime que os precede genealogicamente. É contra este tranquilo branqueamento da maldade histórica que urge resistir.
7 comentários:
Caro Réprobo,
Este foi mais um dos atropelamentos criminosos da Primeira República,que tanto contribuiu para o enfraquecimento do nosso património espiritual,sabida que é a excelência do Saber dos Jesuítas.
Uma das Pessoas cuja erudição mais me impressionou até hoje foi o Padre António Freire,um Jesuíta que leccionava,penso que línguas clássicas,pois que era fluentíssimo em Grego e Latim,na Universidade Católica de Braga,e autor de uma extenssíssima bibliografia.
Costumava ouvi-lo,ao Domingo,na Igreja de S.Vicente,a sua paróquia,numas Missas muito concorridas,tal era o gosto que sentíamos ao ouvi-lo discorrer sobre qualquer assunto.
Como tinha uma amiga a frequentar essa Universidade,por mais que uma vez tive o prazer de com ele privar,pois que era muitíssimo acessível.
Mas,ao que me consta,embora o Padre Freire se tivesse distinguido mais do que todos,fazia parte de um grupo de Jesuítas que não desmerece da herança dos seus antecessores.
Beijo.
Jesuítas Pre- Arrupe, Jesuítas Pre- Jon Sobrino.......
Sem divergir na essência, recordo que o anti-clericalismo é tão antigo como a História de Portugal: basta reler Gil Vicente, por exemplo. Quanto aos tratos de polé aos Jesuítas, temos que regressar ao Século XVIII - sim, à Monarquia - e vermos o que então se fez...
Cumprimentos!
Invejável Cristina,
ah, quem me dera ter conhecido o Padre António Freire, de Quem possuo vários livros sobre a língua e cultura Clássicas, importantes para mim em função do gosto que tenho pela Civilização Grega...
Quanto às perseguições, trata-se de um verdadeiro Terror à nossa medida, que devemos continuar a denunciar. E que nada aprendera com as calinadas do Passado, a pombalina e a liberal. No entanto, refinou, procurando excitar e libertar os ódios com apoio em gestos de valor simplesmente emblemático como a violação de um sacrário, que nada continha de valor para ateus, embora encerrasse Algo Valiosíssimo para Cristãos. A fazer recordar o tom do "fuzilamento" da imagem do Cristo-Rei pelos Anarquistas, durante a Guerra Civil de Espanha.
Amigo Çamorano,
e outros nomes poderíamos citar, alguns até cobertos de púrpura! Cala-te boca, cala-te boca... Jesuítas de outro tempo e lugar, sim, pois a tradição italiana da Companhia, por exemplo, é bastante diversa da Peninsular.
Abraço, tomando a liberdade de deixar aqui à Cristina o beijo que desapareceu da resposta respectiva
Caríssimo Jansenista,
Sem dúvida que o anti-clericalismo popular, mesmo dentro do Catolicismo, é antiquíssimo em Portugal e estendido de uma forma diferente da que grassou em Espanha, onde se dizia que metade desse Grande País corria atrás da Igreja com uma vela e a outra metade com um cacete... Mas, por cá, esgotava-se na sátira, no que divergia do anti-jesuitismo de Estado,que, como bem diz, começou em setecentos, ao ponto de levar um governo revolucionário Republicano a deixar, preto no branco, consignada a restauração do valor legal dessas leis do Poder Absoluto da Coroa, quer dizer, do valido. A primeira assinatura era de Teófilo Braga, oh ironia!
Abraço
Fernando Araujo, este é um tema que decididamente não conhece.
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