quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Fogo Vitorioso

Há-de acompanhar-me sempre a esmagadora força bélica, malgré lui, de um filme pacifista que no meu imaginário vai recorrendo, tal «Apocalypse Now». Vejo-lhe um fado do jaez do livro de Remarque «A Oeste Nada de Novo», com a atracção que exerceu numa juventude de pais ausentes pela (Grande) Guerra directa ou indirectamente determinados, desorientada e carente, que via na camaradagem um activo muito mais decisivo do que a negatividade da destruição a contabilizar do outro lado. Também aqui, não é a mensagem adaptada do texto de Conrad, com a guerra sem legitimação pela obediência ou finalidade sentida a substituir na pele do "horror" o canibalismo, que grangeia maior adesão, pois esta não significa o mesmo que admiração. É a famosa carga dos helicópteros, a cavalaria do céu, ao som das «Valquírias» de Wagner. Mas penso a força da cena impossível sem a que lhe é contígua, neste momento dada, de Robert Duvall a louvar a sinestesia do triunfo por napalm interposto... O Coronel Kilgore, a que dá corpo, é aqui composto num misto de identificação com os seus homens, sugerido pelo tronco nu desprovido de insígnias, e da cagança da sua Arma, visível no chapéu azul de abas que conserva. E, suprema e inescapável conclusão, a virtude pura do Cinema revela-se tão perigosa para o espectador conservar a lucidez como o contágio do macabro para Kurz, ou os paraísos artificiais para o protagonista, cuja notícia nos é dada pela focagem dos seus registos...

Míngua da Sogra

Depois da revolta das sogras que levou a retirar do mercado um anúncio da Peugeot em que era sugerido por um marido à Mulher o alívio do peso do carro pela junção da Mãe dela a um acervo de trastes prescindidos, deitei-me a pensar em como na minha esfera amical não há tensões entre genros e progenitoras das caras metades, o mesmo já não podendo dizer do que se passa com algumas noras que conheço. Seja como for, o desapreço enunciado faz parte do folclore universal. Variam é as maneiras de o resolver: Ficou célebre no começo da década de sessenta do Século XX o expediente de um mecânico egípcio, Abd-al-Mutalib, nome compartilhado com o do Tio do Profeta, que mandou a Mulher para uma cura, aproveitando para casar com a Mãe dela, apenas a segunda das quatro consortes permitidas. A sua argumentação era muito lógica: disse pensar que com tal matrimónio a sogra não o maçaria mais e que, como era boa cozinheira, poderia gozar a juventude da filha e a cozinha materna. Além de "que gostava realmente de ambas". Quem não gostou do caso foi a primeira desposada, a qual pediu a anulação do enlace. Desconheço impedimentos islâmicos aplicáveis, pelo que a melhor argumentação teria sido a de que, ao dar o nó, a rapariga esperara livrar-se da proximidade que, pela segunda boda, seria reintroduzida, frustrando as suas legítimas expectativas...

Perplexidade Absurda?

Já aqui deixei o que penso sobre o "Caso Charrua", por sinal uma posição não tão chegada ao defendido por qualquer dos lados como isso. O que hoje quero sublinhar é uma iliteracia da Directora Margarida Moreira, peça-chave neste processo. Em declarações ao DN diz que não compreende esta escalada sobre si e que notou ter sido atacada de uma forma que não aconteceria, se fosse homem. Ai as metáforas das Figuras da Política e da Administração! Quem se detiver sobre elas poderá perguntar-se "mas então onde está a antinomia?" A percepção não extingue a incompreensão?

Os Caçadores de Recompensas

Pormenor de pintura de Benvenuto Di Giovanni
Mercenários Recebendo a Paga
Nunca simpatizei com o F.C. Barcelona, clube que sempre fui vendo como um mero e enganoso instrumento da facção dos habitantes dessa bela cidade que mais ressabiados se mostram com o facto de Madrid ser a capital do País que integram, opondo sempre a riqueza local como se direito fosse contra o histórico, pelas armas e prestígio mantido. E esta notícia vem acentuar tal pendor: Já era suficientemente revelador do declínio o mundo das transferências inundado pela atmosfera dos negócios. Prémios dados pelos clubes aos seus atletas são um extra pouco compreensível, mas cada colectividade tem o direito de premiar ou acicatar os seus como entenda. Agora, pagar aos vinculados a outro clube para fazerem por si o trabalho que, desportivamente, não se conseguiu realizar com sucesso é uma tentativa mais de substituir o valor pelo dinheiro. Espero que o Real lhes dê uma lição.

Indício de Vilania

Devo dizer que nunca me cheirou bem a vinda do avançado brasileiro dos Aveirenses Edgar para o Benfica. Não por deméritos desportivos do atleta, já que parece dotado tecnicamente, embora demasiado novo para se saber se será mais do que promessa, surgindo-me quatro golos em meio campeonato como fraca credencial. Simplesmente, desde a infância, habituei-me a associar o nome ao vilão dos vilões, o mordomo da saga disneyana dos Aristogatas. A confirmar-se esta patifaria, fica o jogador como decalque cuspido e escarrado do personagem da história: afinal o dinheiro é o fito único que acaba com escrúpulos em ambos.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Prefácio à Cirrose

Manda a cronologia lembrar Pessoa a 13 de Junho. Pela criação que deixou, como pela criatividade medíocre de si em que se viciou. A indisposição provocada pela concretização em que se arrastava fora do momento transfigurador da escrita, acabava finalmente por, em momentos mais desasados dela, cair na vulgaridade justificatória da conjugação do verbo Poder no Pretérito Imperfeito, quando qualquer completude exigiria definitividade. Igualmente no não menos espalhado consolo repetido da brevidade do indesejado. Como se a bebedeira de obscuridade não fosse corrosiva, matando lentamente. Não, de forma inevitável, pela ânsia de recompensas geralmente ambicionadas, mais por desgraça da ausência do afecto testemunhado e retribuído do público coevo desejado ou por desejar. É desse teor o lamento que repele, mesmo se, intimamente, o leitor queria concordar, porquanto a benignidade do apagamento soa incompatível com a sua própria condição proclamatória. E esta tensão abafada mata.

Ouvi os sábios todos discutir,
Podia todos refutar a rir.
Mas preferi, bebendo na ampla sombra,
Indefinidamente só ouvir.

Manda quem manda porque manda nem
Importa que mal mande ou mande bem.
Todos são grandes quando a hora é sua.
Por baixo cada um é o mesmo alguém.

Não invejo a pompa e ao poder,
visto que pode, sem razão nem ser.
Obedece, que a vida dura pouco
Nem há por isso muito que sofrer.

Sinal dos Tempos

Cansaço de marchar a noite inteira, ou mero efeito do feriado, para mais dedicado ao também Protector dos Animais? O certo é que neste dia nem o jogo do gato e do rato é como antigamente...

A Difusão da Santidade

Nunca deixarei de pasmar com os paradoxos das atitudes do Poder perante o Grande Santo cuja morte se lembra hoje. Num país que atávica e acefalamente fazia por rejeitar tudo o que de Espanha viesse, ao ponto de proibir os seus Nacionais de jogar na lotaria espanhola e de recusar os auxílios oferecidos pelo País Vizinho aquando do terramoto de 1755, não houve pejo em continuar uma modificação introduzida e fomentada pelas autoridades do período de União Pessoal das Coroas Ibéricas, sob a Dinastia Filipina. Com efeito, incontestavelmente português na origem e profundamente entranhado na devoção popular de que os anseios das raparigas casadoiras eram apenas uma das manifestações, só o Amigo de S. Francisco se guindou à oficialidade de Santo da Cidade - mas não padroeiro, ressalve-se - nessa época, numa tentativa propagandística de diminuir o culto de S. Jorge, dado como agente da influência inglesa que vigorava, desde D. João I, com antecedentes remontando à intervenção dos Guerreiros Britânicos que, sob a Cruzada, contribuíram, de caminho, para libertar o Castelo. Mas chegado, ficou.
Ora, transportando-me para o Século XX, ao ler um interessante artigo de Luís Chaves sobre «Tronos» Populares de Lisboa, no Dia de Santo António, caio boquiaberto perante a diferença de atenção que o actual regime dá às marchas que o ajudem a ir passando, subalternizando o antigo hábito de erigir altares ao Taumaturgo, que eram verdadeiras obras-primas de talento popular em aproveitar os pobres materiais de que se dispunha. O Estado Novo, a par da institucionalização da espectacularidade marchística, promoveu concursos que premiavam o esforço e engenho, publicitando-os. É estranho que um novo velho sistema, tão crítico da "actualização anestesiante do Pão e Circo", sempre pronto a invectivar os usos pretendidamente análogos de Fado, Futebol e Fátima tenha justamente opções de continuidade e esquecimento tão desproporcionadas. E ficando apenas o pedido infantil do imposto antoni(a)no, desprovido da referência espiritual legitimadora, é mais um triste passo na senda do materialismo...

Era Muita Fruta!

O Esfolamento do Juiz Corrupto Sisamenes de David

É o que apetece dizer do sumarento código usado pelos árbitros para pedir meninas ao Presidente do F. C. Porto, em troca de favores, segundo a acusação ora deduzida. Não me pronunciarei agora sobre o dirigente. A presunção de inocência, blablablá, o meu benfiquismo prejudicando a imparcialidade, blablablá... Mas uma coisa me incomoda e gostaria de ver discutida: por que é que a corrupção activa tem uma pena mais grave do que a passiva? Se a razão reside na censurabilidade da iniciativa, parece-me francamente pouco, quando comparada com o grau de desaprovação que deverá despertar a cedência ao aliciamento por quem exerça função de que se esperaria e se exigiria maior imunidade a tais fraquezas. Um juiz, um árbitro, tudo o que implique imparcialidade e autoridade.

Je Maintiendrai entre os (outros) Hispanos

O nosso Amigo anda a postar pouco porque entretido em treinar muito, nas vésperas da travessia da fronteira...

terça-feira, 12 de junho de 2007

Os Nus e os Tortos

O simpático hábito que os anglo-saxónicos têm de crismar de Justices os seus juízes de tribunais superiores tem destas coisas. Eles acabam por pensar-se como a própria Justiça. Ora, quem não lembra os protestos contra a decisão do anterior Procurador-Geral dos EUA, John Ashcroft, de mandar cobrir com panos azuis o seio descoberto da estátua Espírito da Justiça, no hall do respectivo Departamento? Embora muitos o tenham feito por a operação haver custado 8.000 dollars ao erário público, generalizou-se o sentimento de que a Justiça, como a Verdade, se quer nua.
Pois agora o Lord Justice Richards, um dos mais importantes juízes ingleses, é acusado de exibicionismo dos respectivos genitais pela passageira de um comboio que o terá fotografado nessa postura. Por um lado salta à vista a nuance civilizacional e entre as Colónias e a Mãe-Pátria: numas o puritanismo, na outra a excentricidade. O certo é que o magistrado britânico pode alegar que o seu acto se insere numa tentativa de evitar ao sistema judicial inglês os embaraços comprovados pela experiência norte-americana citada. Desde que consiga ver reconhecida a sua identificação psíquica com a entidade que se espera que sirva. E, subsidiariamente, que, a pretexto da prova, a fruição da alegada ofendida terá atingido grau tal que a levou a imortalizar a imagem...

Eu Hoje Adormecerei Assim

Pensando na disponibilidade perdida, minha e das Companhias Belíssimas que recordo, para, em véspera de St.º António, irmos a Alfama comer mal, pagar demasiado, esperar muitíssimo, pouco nos ouvirmos, empestarmo-nos com cheiros de culinárias embrionárias e gordurosas e, ainda assim, encontrarmos tanta satisfação, entoo «Avec le Temps», com Dalida

Essência Para Abarcar

Heraclito de Gellu Naum
Tinha Heraclito centrado o protagonismo cósmico nas apreensões, pelo que Parménides sentiu a necessidade se sublinhar a assunção do Estatuto. Porque entre os dois a atracção humana pela perenidade estava num pensar tão altivo como o do Aristocrata de Éfeso circunscrita à obediência finalística, enquanto para o Eliata urgia a participação sem conflito igualatório, base intelectual assimilável a Verdade Revelada alguns séculos depois.
*
Parmenides de Marcelle Van Bemmel
Mas as coisas não são tão simples como parte dos ledores as quis e, correcção pelo corolário do cíclico, a negação da fatalidade do Progresso radical era constatável no Todo de Um, apesar das espirais mais ou menos "feitas sob medida" para defesa do contrário, enquanto que o avantajamento afirmativo e demarcador sobressaía no Outro, visando não mais denegrir a radicalidade suprema do Espírito Pensante.
1ª Parte da divisão VIII do Poema parmenidiano, em tradução de José Cavalcante de Souza:

Só ainda (o) mito de (uma) via
resta, que é; e sobre esta indícios existem
bem muitos, de que ingenito sendo também é imperecível,
pois é todo inteiro, inabalável e sem fim;
nem jamais era nem será, pois é agora todo junto,
uno, contínuo; pois que geração procurarias dele?
Por onde, donde crescido? Nem de não ente permitirei
que digas e penses; pois não dizível nem pensável
é que não é; que necessidade o teria impelido
a depois ou antes, se do nada iniciado, nascer?
Assim ou totalmente é necessário ser ou não.
Nem jamais do que em certo modo é permitia força de fé
nascer algo além dele; por isso nem nascer
nem perecer deixou justiça, afrouxando amarras,
mas mantém; e a decisão sobre isto está no seguinte:
é ou não é; está portanto decidido como é necessário,
uma via abandonar, impensável, inominável, pois verdadeira
via não é, e sim a outra, de modo a se encontrar e ser real.
E como depois pereceria o que é? Como poderia nascer?
Pois se nasceu, não é, nem também se um dia é para ser.
Assim a geração é extinta e fora de inquérito perecimento.

Nem divisível é, pois é todo idêntico;
nem algo em uma parte mais, que o impedisse de conter-se,
nem também algo menos, mas é todo cheio do que é,
por isso é todo contínuo; pois ente a ente adere.
Por outro lado, imóvel em limites de grandes liames
é sem princípio e sem pausa, pois geração e pensamento
bem longe afastaram-se, rechaçou-os a fé verdadeira.
O mesmo e no mesmo persistindo em si mesmo pousa,
e assim firmado aí persiste; pois firme a Necessidade
em liames (o) mantém, de limite que em volta o encerra,
para ser lei que não sem termo seja o ente;
pois é não carente; não sendo, de tudo careceria.

Directiva de Harmonização

Espera-se vivamente que a Equipa passe a dar Kaz e deixe de dar casa...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Céu Em Jogo

Aniversário do nascimento de John Constable, o homem feliz que foi capaz de dizer: nunca vi uma coisa feia na minha vida, porque, deixando a forma de um objecto ser o que pode, a sombra, o contorno e a perspectiva fá-lo-ão sempre belo. Não era optimismo, as suas felizes pinceladas transformavam a frase em consciência. Para pintar um lugar mágico como Stonehenge usou cores mais fortes do que habitualmente. Quem conheça esse reverenciável amontoado de pedras concordará por certo que a magia maior surgiu desta pictórica transfiguração. O bocadinho assim que a alcandorará ao novo elenco das Maravilhas do Mundo.

O Ovo ou a Galinha?

Foi preciso chegar a esta provecta idade para determinar a precedência: A galinha, claro, o ovo até pode rolar mais, mas é insusceptível de requebros após sair da casca...

Arquétipo da Ambição

Tenho o sistema de partidos por pasto fácil das ambições pessoais, na própria medida em que se congratula por ser servido por elas. Disto é um exemplo acabado a actuação de D. António Aires de Gouveia, Bispo de Betsaida e Arcebispo da Calcedónia. Hoje talvez encontre defensores, por ter tomado posição contra a pena de morte, coisa que nos meios opinativos europeus actuais parece fazer passar esponja sobre tudo o mais, como se viu com o ex-governador do Illinois, George Ryan, condenado por corrupção no seu País, com a correspondente queda em desgraça, ao mesmo tempo que, por cá, é tido como herói, dado haver imposto uma moratória às execuções no seu Estado. Para mim, essas abolições são até agravantes. De quê? Neste caso de tudo o resto em que o prelado e político do Constitucionalismo aqui recordado se notabilizou. Toda a sua actuação teve a própria pessoa em mente. Académico, viu a sua prosa absurda imortalmente troçada por Camilo. Sacerdote, nunca se lhe ouviu intenção prioritária de servir a Deus: ainda não fora ordenado e já buscava a cumplicidade política de José Luciano para lhe ser atribuído o Bispado do Porto. Depois, contentava-se já com o do Algarve, diocese também importante, acabando por ter de se conformar com mitras de episcopado e elevação sequente in partibus infidelium. Não escapou à venalidade mais cúpida, lutando por aumento da subvenção com que era contemplado na Comissão da Bula de Cruzada, talvez imaginando que de bula de cruzados se tratava. Não descurou a cumplicidade maçónica, inscrevendo-se, como tantos outros do Clero Secular desse lamentável Liberalismo histórico, nem tanto por ódio à obediência e disciplina votiva dos conventos, sim por vislumbrar mais um caminho para ascender. Assim assinou Irmão Eurico na loja Liberdade, não tendo hesitado, quando lhe conveio, em denegrir uma imagem de pureza expressa na Memória da Rainha Santa. Indício da precedência que se dava, a amaneirada e luxuosa monomania do vestuário, ainda quando eclesiasticamente conformado. E julgais que ficou para a História algum dito seu concernente ao Bem Comum? Não ficou. Mas resta um, referente ao bem próprio. Para contradizer no parlamento um oficial superior, lançou: eu quis ser estudante e cheguei a lente; quis ser padre e cheguei a arcebispo; quis ser político e cheguei a ministro. Se tivesse querido ser soldado chegava a General. Mas esta exclusividade dos olhos postos em si não é o que mais conhecemos na classe política que nos apoquenta?

O Homem Sem Qualidades





Agora por sufrágios, os resultados eleitorais belgas dão como provável próximo premier um homem que não fascina ninguém, aborrecido e péssimo orador, Yves Leterme. Quase faz pensar que guindado à governação por prometer a cada região aquilo de que cada uma está mais ávida: trabalho e dinheiro à Valónia, piadas sobre os francófonos aos Flamengos e fidelidade canina à UE a essa Bruxelas que não prescinde da aparência de importância que a eurocracia lhe dá, lá residindo. Eu tenho explicação mais simples - oito anos de Verhofstadt deixam qualquer um deserto por algo diferente. É ele que verdadeiramente merece o título; e o político que, depois da higiene que limpou Berlusconi e Chirac, mais concorrência fazia ao Sr. Zapatero na irritação dos meus nervos. De vez em quando até uma eleição traz algo de bom!


Passando cá para o burgo, está esclarecido o mistério das declarações do nosso Sócrates que asseguravam não vir a haver perseguição a autores de piadas sobre a sua pessoa. Ele referia-se a esta. E já cumpriu!


Vagas Eleiçoeiras

Quando meio mundo canta o "tsunami azul" na primeira volta das Legislativas francesas de ontem não vejo a coerência de considerar o fraquíssimo nível de afluência como uma falência do sistema de votos, nem por aqueles que nos azucrinaram os ouvidos com a "saúde da Democracia" pretensamente comprovada pela participação-record das Presidenciais. O 'Efeito Sarkozy' continua, pois, mas só marginalmente, nas percentagens. Esta Esquerda e Direita pouco aptas à distinção, nos dois sentidos, variaram qualquer coisa como um mero ponto, considerando os resultados da Assembleia anterior. No eleitorado da FN é que o Presidente entrou como faca quente em manteiga derretida, o que quase extinguiu as triangulares e reforça a ideia de que a fuga para o centro propugnada por Marine Le Pen foi fatal, como a noção de que muita gente que votava no Pai dela não estava ideologicamente tão próxima como isso, apenas queria honestidade e decisão no enfrentamento dos perigos, coisas manifestamente impossíveis de encontrar em Chirac.
No resto, Madame Royal anda entretida em ser Presidente de alguma coisa, nem que seja do próprio partido, cargo a criar, para não afrontar demasiado o Primeiro-Secretário com quem partilha a vida, apesar de este poder vir a ser posto na alheta, caso aí uma metade do grupo parlamentar do PSF seja varrida da assembleia.
Ah! e o Sr. Bayrou? Pois, o MoDEM provou não ser o dispositivo adequado para ligar o Centrismo ao eleitorado.
Mas atenção, as votações mais expressivas são as que podem comportar maiores desilusões, apesar de o discurso unitário do momento me parecer merecedor de apreço. Não sei é por quanto tempo um regime de conflitos permitirá mantê-lo.

Os Lábios e a Lábia

Um Nobre Beija a Mão de Uma Dama de Pietro Longhi

Por uma vez estou inteiramente de acordo com os radicais islâmicos: o ex-presidente Khatami merece ser exposto no pelourinho, por andar a apertar mãos de Mulheres. Calma, não me converti, não. Enquanto os extremistas, em nome da Sharia, proscrevem o contacto por proximidade demasiada, eu oponho-me aos modos sacudidos por achar que estão a tirar lugar à propriedade do beijo. Os extremos tocam-se, mas só na identificação do inimigo comum...

domingo, 10 de junho de 2007

E Se Toda a Gente Gostasse do Amarelo?


Para responder ao gosto esmerado do Mário:
perderíamos a Cameron Diaz a tentar lavar o que da cor sobrevive...
E aquele ar... próximo do de uma cena famosa de Meg Ryan, não?

Antes do Previsto

Leio no «Primeiro de Janeiro» que um especialista pertencente ao quadro de uma grande resseguradora, Peter Hoepper, profetiza que, no prazo de 20 anos, o nosso País virá a ser atingido por furacões. De antevisão do Futuro passou o dito a reportagem. Já cá chegou: o «Vento» de Gal Costa.

In-Vocação Nacional

Dou graças aos Céus por ter como Pátria uma das raras que escolheram como Dia Nacional aquele em que se comemora o seu expoente literário máximo e não um qualquer acidente político, quantas vezes, como em França, sintomático da grande regressão que, por desditosa coincidência, tem, neste 10 de Junho, a lembrança do aniversário tenebroso do agravamento do Terror democrático-revolucionário, com a supressão do interrogatório dos acusados e das etapas da sua defesa, estabelecendo a votação de "Inocência ou Morte" que correspondia a condenações antecipadas.
No nosso País a Referência vinculante, contrariamente à prática governativa que, de tanto se tentar assemelhar à dos estranhos, passou a ser delegação dos interesses deles neste Ocidente Peninsular, manteve-se dirigida ao fenómeno cultural que detectou a nossa especificidade e permite nela buscar a reinvenção que nos torne dignos.
Neste pequeno folheto, o grande Espírito que foi Leite Pinto disse muito. Desde logo que Camões foi o primeiro poeta a ter a noção nítida de que o Português é um homem de acção que busca no passado colectivo exemplos de actuação.

E prossegue com a receita ainda válida para os nossos dias, que os ocupantes do Poder de hoje esquecem, ensimesmados na estupefaciente convicção de que o regime que desgraçadamente os promoveu é promontório insuperável e final de uma evolução:
(...) um homem existe porque sabe que um dia deixará de existir e que esta certeza deve condicionar a sua actuação.
E para os que desprezam o Passado em nome dos antolhos que façam o burro a cuja encarnação nos candidatam andar para a frente, acrescenta - poderei dizer aos novos que as maneiras de viver e reagir à vida não são muitas; que com satélites artificiais ou sem eles, os homens têm sido sacudidos, séculos fora, por paixões de bem poucos tipos? Que para os jovens as situações parecem novas, mas que os velhos lhes encontram logo analogias nos anais da história?
E nega a erecção do conforto como critério tácito ou expresso do que deva ser o Norte do nosso agir, como no passo que segue:
Mais importantes que as técnicas - que só distinguem as culturas quando exclusivas; e hoje há pouquíssimas técnicas não divulgadas - é o valor dos homens que caracteriza uma cultura nacional.
Ora um homem não é um ser isolado nem faz parte de um vago rebanho humano disperso sobre a Terra. É, sim, um ente espiritual ligado espiritualmente a outros entes: uns, vivos, com os quais comunica; outros, mortos, dos quais recebeu como herança uma missão. A existência do homem, ente social, não pode divorciar-se da missão nacional que herdou.
A missão da Nação Portuguesa, nação servida por uma cultura complexa, tem sido a expansão do ideal cristão. Nisso só fomos acompanhados pelo grande e glorioso país irmão que é a Espanha. Mas a nossa missão cumpriu-se no Brasil, na África e no Oriente de maneira a criar no mundo uma comunidade com caracterísicas que não se encontram alhures.
E termina, sublinhando a diferença entre a epopeia ultramarina lusa e a colonização de outros povos, que a tinham por aspecto menor e secundário, enquanto que os Nossos projectaram o Espaço e a Biografia nacionais nos quatro cantos do Mundo. Do reflexo deles recebido se fazendo, acrescento. Na frase lapidar do Autor, os Portugueses criaram amorosamente novos Portugais.
Ainda não é impossível recriar um Portugal novo, sobretudo quando confrontado com a decrepitude do sistema que diariamente nos desgosta. Desbaratado o Império por gente sem dimensão para entender e prezar a dele, podemos agarrar-nos à axiologia perene que os nossos Avós construíram, e, no pequeno reduto que nos resta, redimirmo-nos pela fidelidade a algo maior do que conveniências e imitações imediatas. De modo a que Aqueles que caíram em nome dessa Herança recuperem plenamente o papel de traço-de-união entre Os que nos fundaram e o que podemos voltar a ser.

sábado, 9 de junho de 2007

Deve Estar Por Aí

Chegada a data prevista, por curiosidade também um Sábado, segue a «Construção», do Chico Buarque, como homenagem à Maria, Que a trouxe à nossa lembrança.

O Prejuízo da Certeza

Não contem comigo para abordar a palhaçada que vem sendo a saga prisional de Miss Hilton, que me parece promoção de imagem muito mal montadinha. Há um acontecimento trivial bastante mais interessante nos States, que é o aqui narrado. Devo desde já dizer que sempre achei a popularidade do Wrestling uma coisa inexplicável, visto a transformação a que chegou dar em coisa tão fingida como o que julgo serem as lágrimas e a doença da Paris. O que me faz espécie é tanta má vontade preventiva contra a transformação da modelo e ex-miss em pivot de noticiário televisivo. Por que partem do princípio de que se estará perante um abastardamento da linha da cadeia difusora que a empregou e não de estar quase a consumar-se uma mudança de vida? Onde pára o benefício da dúvida? Pobre Lauren Jones!

Aggiornamento

Com tanta tinta a correr por causa do casório próximo, esta «Green Light» pode bem ser a que mande avançar para a substituição do estribilho da célebre marchinha de Carnaval por "Ai Beyoncé Beyoncé". Ora tentem:

Ô balancê balancê

Quero dançar com você

Entra na roda morena pra ver

Ô balancê balancê



Quando por mim você passa

Fingindo que não me vê

Meu coração quase se despedaça

No balancê balancê



Você foi minha cartilha

Você foi meu ABCE

por isso eu sou a maior maravilha

No balancê balancê



Eu levo a vida pensando

Pensando só em você

E o tempo passa e eu vou me acabando

No balancê balancê

Raízes da Vida

Árvore e Homem de Yannis Stravou,
pensando também no João Marchante, O de plátanos perdidos.

Não tenho arcaboiço para aguentar ver árvores sendo cortadas, mesmo quando reconheço a necessidade, muito menos quando é diagnosticada a ganância. Será um remanescente romântico, mas, ao topar com esta notícia, dei comigo a imaginar-me uma espécie de Ideiafix, o qual, como é sabido, também não tolerava os arranques provocados, entre outras causas, pela força bruta do obelixiano dono. O que me faz divergir do Romantismo é, porém, não personificar esses monumentos do Reino Vegetal, como fez um João Penha, ao imaginar um salgueiro, Sylvia, por si apaixonado. Escapando a esta fraqueza isenta-se da retribuição os troncos vivos, pois o que me move não é tanto o anseio de trazer as copas e seus sustentáculos à animalidade, antes transportar a pobreza confrangedora que é um homem sem resgate à impressiva comunhão que o aproxime do arvoredo. O que julgo muito bem feito nesta pintura.
Mas sei que muitos Outros procurarão na verdejante parte da Criação o interlocutor idealizado que permita aliviar mágoas só convencionalmente confessadas. E Nesses mesmo descortino algo de louvável, na medida em que a confidência às ramagens protectoras e vetustas é mediocridade muito menor que o desabafo que tome por destinatário outro ser humano, no que todos demasiadas vezes caímos. Mas, por muito que pareça de evitar a construção de sucedâneos espúrios, como no poema que segue, a credibilidade do tom transmissor da desilusão salva muito do que, por artificialismo alternativo, doutra forma se perderia.
De António Alves Martins:

SONETO

Sempre o meu coração tem encontrado
Nas árvores, nos montes - na paisagem,
Da mais enternecida à mais selvagem -
O que outros corações lhe têm negado.

Quem dá melhor consolo ao meu cuidado,
Melhor escuta a minha linguagem
Do que as falas poéticas da aragem
E o silêncio dos campos derramado?

O que sente, o que sofre, o que medita
É em ti, Natureza, que procura
O amparo ideal que necessita.

Sem teu amor, dando expressão e altura
A cada sentimento que a habita,
Seria sombra morta a criatura!

(Er)Ramos?

O Ramo de Ouro de Will Gordon
Não, ao contrário do que possa parecer, não é questão de lana caprina a de saber se a GNR deve ou não ser o quarto ramo das Forças Armadas. Não me oponho, por princípio, às alterações que o Governo quer e a Oposição vilipendia. Não me parece que de um comando ser exercido por um oficial general de quatro estrelas decorra forçosamente estar-se perante um novo Ramo. E a previsão legal que enquadre as operações no Estrangeiro parece avisada, pois um país pequeno poderá mostrar-se muito mais útil no envio de destacamentos preparados para policiamento e monitorização de manifestações, do que de tropa treinada para enfrentar inimigo similar. Quanto à menor ou maior dependência comparadas do Executivo ou do Presidente da República, nas roupagens de Comandante Supremo, parece-me distinção sem substância, na medida em que um e outro cargos sejam preenchidos por políticos eleitos, sempre uma diminuição, face aos titulares que não surjam de enfrentamento de campos opostos. E como parte importante das chefias da Guarda já é assegurada por oficiais do Exército na força destacados, o carácter militarizado assegura o equilíbrio entre semelhanças e diferenças que convenha.
Onde o debate, a meu ver, se deve centrar é no que julgo ser a indesejabilidade de criar uma divisória das Forças Armadas em que o opositor previsto possa situar-se dentro da comunidade nacional. E não creio que seja de seguir a experiência de Países que tomaram essa opção, como o Chile, com os Carabineros.
Aliás, sem objecções de peso equivalente, sou hostil a ramificações formais militares que não assentem na diversidade dos meios em que actuam, Terra, Ar e Mar. Por isso acho um erro ter-se dado esse estatuto aos Marines, que deveria ter-se limitado ao de uma tropa especial, especialíssima mesmo, da Marinha Norte-Americana. Por essa razão também desaprovei a passagem dos paraquedistas da Força Aérea para o Exército, em Portugal. Acredito que um "quarto ramo" só se justificará no caso dos Estados que acedam a uma presença militar no Espaço Exterior.
Mas o argumento de fazer a unidade coincidir tanto quanto possível com a Comunidade Nacional deve ser sempre o critério que nos impeça de transformar um ramo de ouro num ramo murcho.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

O Sagrado e o Profano

Na Espanha cujo idioma, segundo Carlos V, era o ideal para falar a Deus opta-se por contar assim as virtudes da cerveja. No Brasil, com o apelo carnal do Samba, a escolha para igual fim é a da imagem...

Globalização no Seu Melhor

Os crédulos que tenham como certo corresponder esta imagem apenas ao comboio da Índia que representa deveriam ter-se arriscado, como o pobre réprobo, a dividir a composição ferroviária das 17.20H entre Cais do Sodré e Algés com uma multidão de cheiros pertencentes aos admiradores dos Pearl Jam que compartilharam a viagem, nesse troço.

A Azia e o Mundo

Quero sossegar os Passantes, não foi gralha o resultado no título. Apesar de o tema postado ter a sua chave às portas da Ásia, no Azerbeijão, não é do enorme Continente que trato, mas da indisposição estomacal que atingiu o Presidente Bush no fim da cimeira. Duvido que alimentos mais escrutinados do que os que iam matando os susessivos provadores de Cleópatra tenham sido a causa. Essa residirá antes na resposta de Putin ao (bonito) serviço do senhor de Washington, expresso no plano de instalar neutralizadores de mísseis bem juntinho à Federação Russa. Às asinhas angélicas que sublinhavam ser o sistema defensivo, contrapôs o hábil epígono dos Czares uma proposta que, sem risco de descrédito, o seu homólogo não podia recusar: que fosse estendido de forma a abranger também a grande Nação Eslava. É tudo o que os Norte-Americanos, qualquer que seja a cor da administração, não querem. O seu jogo é manter o mais possível uma Europa unida mas sem Moscovo, de forma a permanecer aquela capital isolada e a não consentir uma coalizão que a integrasse, caso em que somando os recursos naturais e humanos do gigante euro-asiático à tecnologia e financiamentos da UE, se poderia estar perante um poder autónomo, capaz de consigo rivalizar. A Casa Branca precisa de um espantalho para agitar como perigo aos europeus, para se dar como aliança imprescindível. A junção de esforços numa defesa comum, circunscrevendo à periferia islamizada o perigo, não lhe serve. Nem um diplomata hábil que, pouco a pouco, assume a sua esfera de influência, como demonstra o uso descarado dos Azeris, cuja soberania fora previamente liquefeita pelo acordo dado de antecipada maneira pelo respectivo Chefe de Estado. Demasiado para o Novo Mundo Yank, ainda que por Texano guiado, digerir, com efeito.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

É Bom Saber

, logo existo. Obrigado Lady T, ajoujada ao peso do Saber transaccionado.


Cinco Pensadores blogosféricos?


O Impensável, para contradizê-lo.

O Animador da Gazeta da Restauração, cada post o comprova.

Interregno, na esperança de fazer o JSM brindar-nos ainda com mais do Seu Espírito.

O Je Maintiendrai, conhecido pelo facto em todas as mesas do Oriental.

O Mário, sem concessões à respeitável mas destrutiva voz do Sr. Oliveira da Figueira.



O Adro e o Andor

Corpus Christi de Amadeu Sousa Cardoso, "melhor" que Guernica

(...) a de «Corpus Christi», «Corpo de Deus», ou de «S. Jorge», que no reinado de D. João V atingiu uma imponência e originalidade notáveis não só na ostentação litúrgica como nas excentricidades profanas. Com um mês de antecedência iniciavam-se os preparativos nas ruas por onde devia passar a procissão, (e eram quase todas as da baixa) e oito dias antes o «estado» de S. Jorge composto de pretos de calça branca e vestes vermelhas agaloadas a amarelo de chapéu armado das mesmas cores, tocando tambores e pífaros, percorriam as ruas anunciando a festividade. Cada componente desta guarda usufruía uma pensão anual no montante de cinco réis diários. Na manhã do dia de «Corpo de Deus» a tropa apresentava-se de calça branca e, depois de lhe ser passada revista no Passeio Público, ia desdobrar-se em alas por todas as ruas do percurso, ruas prèviamente areadas e juncadas de verdura e flores. No cortejo encorporava-se a Família Real, clero e nobreza, o Cardeal-Patriarca sob o pálio, o Cabido da Sé e respectivas basílicas, todas as irmandades e párocos de Lisboa e S. Jorge a cavalo e o seu «estado» seguido de povo numeroso e reverente.
De Julieta Ferrão in «Procissões e Cultos de Lisboa», Olisipo Ano XV Nº58 Abril 1952
Que diferença, entre a devoção e proeminência de Outrora e o canto noticioso dos nossos dias! Data tão importante celebrada em tempos com desfile tão notório e concorrido e remetida hoje para referências apressadas à justificação do feriado! Mas não admira esssa diferença de reacções de uma Lisboa que dantes se unia com toda a transversalidade do Mundo na tentativa de salvação das almas e hoje se desarticula em esquartejamentos partidários e outros a eles reactivos, no sentido de tentar safar o seu empobrecido corpo, bem desbaratado, de resto, num acto que ainda no adro vai. Sintoma de decadência, decerto. Questão de regime e dos vícios que o conforto acarreta. Próprios de quem acredita que um pedaço de papel lhe trata da vida e desdenha a participação em festejos tradicionais religiosos como capaz de lhe melhorar maleitas mais duradouras e altas.

Da Vita et Moribus

Quem me conhece sabe bem o quanto desejo o fim do que resta do poder dos Taliban no Afeganistão, bem qual o grau de reprovação que me inspira a captura de reféns, expediente ignóbil que não merece a listagem entre as modalidades de combate lícitas a qualquer espírito digno. Posto o que tenho de lamentar que o corpo de um combatente, o do talibânico comandante Dadullah, seja usado como moeda de troca por inocentes aprisionados pelos seus sequazes. Por muito oportuna que tenha parecido na ocasião esta permuta, os restos mortais de um homem, qualquer que seja, devem ser entregues, sem condições, à família, para que os possa honrar. Estou à vontade, pois expressei exactamente a mesma opinião quando os cadáveres de dois militares israelitas foram dados em compensação de prisioneiros palestinianos.
Sempre me impressionou grandemente a súplica de Príamo a Aquiles para que lhe entregasse o corpo do filho, Heitor, episódio aqui pintado por Gavin Hamilton. Ao menos, para alívio de todos os que vemos na Ilíada a acabada consagração da Grandeza, o implorado, depois do desvairo vingativo que o fez arrastar a carcaça do inimigo, não juntou à cólera o ódio da recusa idefinidamente prolongada. Homero, como a história, dá lições. Pena que não se atente nelas.

A Sucessora

Num dia em que se soube andar a burocracia que em nós manda tão desorientada que obriga uma professora a viver a agonia no local de trabalho, gostaria de lembrar uma grande vítima da mesma doença, o extraordinário pianista romeno Dinu Lipatti, desaparecido com a idade de Cristo, em 1950. Devo dizer que foi preciso viver até hoje para encontrar uma executante que lhe honrasse devidamente a mestria. Sério, conto-me entre os que engrossam a falange dos que pensam ter sido ele o maior de sempre, no seu instrumento musical. E, mais ligeiramente, não pude deixar de me enternecer com o que aqui vi.

Ourivesaria Andante

Vem a Charlotte revelar-nos estar na moda, para algumas Mulheres, não prezar as jóias. Não pode um pobre condenado por demasiado ter cedido aos apelos deste mundo deixar de procurar contribuir para inverter o desolador panorama. Por acidentada incapacidade de recorrer às estantes das joalharias, optou por dirigir-se ao que de joalharia tinham as suas estantes. E lá descobriu este catálogo de célebre leilão com muitos exemplares de deslumbre. Para estimular um pouquinho a Soberba e, porque de Senhoras se trata, quiçá a Luxúria, num sentido algo diferente do habitual, seguem dois dos muitos:

.

Que tal este elegante cabochon de rubis e diamantes? Não combinaria a matar com a Beleza de Madame Bomba?


.


E esta tiara de pérolas e brilhantes? Além de ter o condão de recordar uma Amiga Comum, foi usada pela Consorte do Príncipe Herdeiro do Montenegro, o que pressagia o melhor para uma restauração da Coroa no País Balcânico, entretanto regressado à independência.

A Culpa Morre Solteira

O Himeneu delícia Pré-Rafaelita de Edward Burne-Jones

O Tribunal Constitucional não vai ter outro remédio senão apreciar o caso de Paixão Pires que quer trazer aos restos que passam pelo pobre País essa candente melhoria das nossas desgraças que seria a possibilidade de celebração de casamentos homossexuais. As vozes do costume voltam à carga, desiludidas por o ocupante supremo do Poder não ter seguido o exemplo zapaterista e continuado a fazer com elas uma agenda comum. Tudo parte de uma concepção completamente errada do casamento, a que o vê como um direito e como um mecanismo de igualização, ou promoção moral. Não deve ser uma coisa ou outra, desde sempre foi pensado como uma forma de a Sociedade disciplinar as uniões, precisamente o contrário do sentimento presente na relações e ralações gay, que brandem há séculos o carácter libertador da subversão e indisciplina face ao padrão maioritário como sua justificação e redenção. Ora, não se pode querer tudo, rebelião e consideração institucional, de um só golpe, com os seus prestígios acumulados.
Eu cá posso bem sobreviver com uma legalização dessas. Desde que a Santa Madre Igreja não estenda, também Ela, essa modalidade ao casamento católico. Até me dava um certo gozo observar muito boa gente a quem a perspectiva repugna, mas que não é sensível ao decadente que é a imitação de milésima ordem de um matrimónio celebrado por um agente da República, ver a dita abençoar parzinhos destes. Fora de brincadeira, a carga de responsabilidade de uma ruptura poderia, historicamente, esperar sanção, mas noutro sentido. A menos que quem opte por essa via queira fazer um upgrade da conversa fiada "sou, mas sou assumido" para "sou, mas sou de papel passado". O que em nada melhora a situação.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Falcão Com Pés de Barro

É sempre má política ameaçar veladamente depois de se ter procurado composições com "paninhos mais ou menos quentes". Mas o Presidente do Governo Espanhol tentando reinventar-se e passar como capaz de fazer voz grossa aos terroristas, quando antes se esforçara por fazer vista grossa a pelo menos um crime deles, o do aeroporto, em que as vidas perdidas fizeram os seus próprios ministros desautorizá-lo quanto a diálogos adicionais, passa as marcas do logicamente admissível, como do moralmente suportável. Este pretenso falcão não é como o de Malta, mostra-se é moldado no material de que os pesadelos são feitos.

A Via e a Vontade

O Caminho dos Peregrinos de Ken Bushe

Caminho das pedras? Mas que carácter pedregoso pode aplicar-se-lhe? Não o das intimidades alegres e partilhadas de Dalida, decerto. Antes a escolha da persistência pelo trilho mais cortante, pois o conforto consome tanto como a opção inversa, a que não poupa os pés que a percorrem. E não recompensa no fim com coisa diferente de medos e desilusões, enquanto que aquele que fez a sua viagem da maneira mais dura, se tiver tido o golpe de asa que lhe permita da aventura retirar o adubo do seu crescimento interior, não precisará de alienar a tranquilidade que enfim encontrou, nem cair no vazio que a comodidade arriscaria.
De Luís Veiga Leitão

Quem escolhe o caminho das pedras

Quem escolhe o caminho das pedras
foge à fascinação do fácil

Quem escolhe o caminho das pedras
sabe de cor a cor do sangue

Quem escolhe o caminho das pedras
nada quer para tudo ser

Quem escolhe o caminho das pedras
ama o amor na raiz do lume

Quem escolhe o caminho das pedras
equilibra-se nos fios da morte

terça-feira, 5 de junho de 2007

Sem Encaixe

Lamento a bom lamentar a retirada do meu Clube da Liga de Basquetebol. Pelo que transpira nada o justificava: não desconhecia que a substância componente do medicamento era proibida, nem alegou ter pedido o levantamento da interdição, o que o regulamento aplicável parece possibilitar. Mas não importa. Mesmo se injustiçado, o abandono de um nível competitivo não é digno de um grande Emblema e consubstancia um amuo maior do que o geralmente atribuído a esta gárgula de uma igreja dos arredores de Norfolk.

O Duque em terra pobre

Para responder ao Jansenista, direi que o Saint-Simon que por cá mora é neste formato. Não será uma Pleiade, mas também não parece edição desengraçada, ou não fosse "Graça" o tratamento apropriado ao estrato social do Autor. Devo-lhe muito: quando li a famosa definição de que uma ideia sem execução é um sonho, deixei de me considerar idiota e pasei a nobilitar-me sob os arminhos pastosos mas atractivos de Sonhador. Que mais se pode pretender de um escritor, para além de nos fazer recuperar a auto-estima?

O Buzinão Segundo Lino

Até fornece uma boa desculpa para não comentar, pois fazê-lo seria invadir a privacidade dos camelos...

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Carolina Chérie

O Dr. António Costa não tem qualquer culpa da homonímia com o Cabo António Costa, presumível assassino beirão, pelo que me parece vivamente desaconselhável brincar com essa coincidência infeliz. Mas, num País que, subitamente, descobriu a promiscuidade entre o futebol e a política, já me parece de notar o dedinho maroto que terá havido em escolher para Mandatária da Juventude a actriz Margarida Vila-Nova, escassos dias depois de ter sido anunciado que ela irá desempenhar o papel de Carolina Salgado. Se isto não é subtileza para capitalizar o desagrado dos adeptos dos grandes clubes lisboetas perante a conduta de Pinto da Costa, não sei o que seja.

A Carta Roubada

A França Recebendo a Carta de Luís XVIII por Merry Joseph Blondel

Aniversário muito menos estimável do que o anterior, o da outorga da Carta Constitucional por Luís XVIII, em 4 de Junho de 1814. Cntaminado pelos fundamentos do Liberalismo, acabaria a restauração Borbónica no Trono por ser apenas uma máscara de beleza enganadora para o rosto devastado do País dominado pelos partidos e pelo dinheiro. Mais do que os poderes concretos atribuídos à Câmara Eleita - que não eram muitos -, a cedência no princípio de partilha da função legislativa entre Soberano e eleitos, como a amnistia dos Revolucionários, constituía uma legalização da rebelião, apenas susceptível de ser ultrapassada se a decisão residisse em mãos hábeis e fortes. Aquele Rei não as tinha e ficaria para sempre estigmatizado por dever o regresso e a Coroa às tropas russas, como pelo desprestígio de ser visto demasiado de costas, impressão consagrada num célebre filme de Gance. Os Legitimistas, desautorizados, ficariam remetidos a lutas importantes mas menores como a suavização do aspecto censitário do sufrágio, imposta pela Burguesia parisiense liberalona que, assim, desejava perpetuar a sua imagem de exclusiva força viva da Nação. Galicanismo, irreversibilidade da expropriação dos bens clericais, centralização governativa, recusa de regresso à enformação orgânica do Estado, mitificação do Exército segundo a estruturação republicano-napoleónica, nada faltava para sublinhar o erro maior, o da concessão de um forum em que o encarrilamento pelos gangs de cumplicidades que são os grupos partidários triunfasse. Daí para cá o Mal não conseguiria ser revertido, com carácter de permanência. Era a traição à Constituição Essencial da França, assim alienada num pedaço de papel, disfarçado pelas pinceladas cortesãs.

Auxílio do Calendário

Para tornear a dificuldade que tanta vez sinto em explicar-me, nada como recorrer à aniversariante do dia, a polaca e Bond Girl (Isa)belle Scurupco. Desta espera-se, evidentemente, que não persista sombra de inibição e a possamos ver muito mais vezes como apareceu no filme de 1995 «Petri (de) Tarar». Os parênteses são meus. Muitos parabéns!

Lobo Entre Nus

Primeiro a Moral: o fotógrafo americano Spencer Tunick prosseguiu a sua captação de multidões desnudadas, dizendo, ao fixar 2.000 pessoas de Amesterdão nessa conformidade, que as ajudava assim a livrar-se das respectivas inibições. Há que protestar. Na maior parte dos casos a infelicidade das medidas leva-nos a rezar para que o grosso populacional se iniba cada vez mais. Já fujo da praia, entre outras boas razões por não aguentar corpos disformes despudoradamente exibidos. Parece uma versão revista da conversa dos naturistas alemães doa anos 20, que caprichavam em passear em pelota por todo o lado que encontravam para confraternizar, em nome da honestidade, de nada terem a esconder. O que, decididamente, muitos deles não ocultavam era o irrealismo com que se viam e a desconsideração pelos sentimentos alheios, ou não exibiriam as adiposidades e imperfeições de tal maneira.
Mas há a vertente que aborde a Essência do modelo. A reprodução de um corpo sem trapos é, ou deve tender a uma verdadeira expressão de reconhecimento do que haja de único no Ser que ele também constitui, como um acto de amor do Artista que se comunique ao fruidor pela emoção que lhe cause. Desafio alguém a encontrar tais atributos em tomadas como a que encima, mero rebanho sem o que mais cativante há nos agrupamentos de ovinos, ainda que tosquiados - a inocência.
Sou contra!

domingo, 3 de junho de 2007

Sob o Jugo do PS

Com a descoberta do plano de destruição por terroristas do aeroporto americano John F. Kennedy, parece exigível que o regime socrático leve às últimas consequências o pensamento do Dr. Almeida Santos sobre o perigo das pontes como alvos; e que pense em aplicar todos aqueles milhões num sistema de transporte de desmaterialização à partida e seu reverso no destino, como os que fizeram as delícias da minha infância em «Star Trek» e «The Tomorrow People».
Ou então contratar como segurança o personagem interpretado por Bruce Willis...

Deve & Haver

O planisfério do alcance infernal deste blogue constitui certidão bastante de que o réprobo chegou à Lapónia. Se muito me agradaria ter o Leitor fotografado, temo, contudo, que mergulhado nno excelso rol de links que proporciono, venha, lá para Dezembro, a esquecer os seus deveres distributivos, agora que o portátil se mostra ao alcance de todos...

Louvor Duma Negritude

Nada como um Domingo para postar Bach, o que, no caso vale como complemento da borradela anterior: A «Cantata do Café», que julgo saber, terá inspirado, com título homónimo, uma composição do contemporâneo francês Philippot, com a letra que segue, de Guilherme de Figueiredo, que atesta a vocação do café para instrumento de galanteria:

Ao português Sargento Palheta
Disse a Comandante D´Orvilliers,
Na Guiana, durante uma retreta:
- Prennez, Monsieur, un´ tass´ d´ café.

C`est du Moka, vous le voyez?
E o Sargento, com voz discreta:
- Il a la couleur d´ vos yeux.
Pas besoin d´ sucre, c´est mieux.

E a Senhora Comandante
Gentil como toda francesa
Deu-lhe em lembrança do instante
Uns grãos que estavam sobre a mesa.

E deu-lhe mais: por sobre a taça
Deu-lhe o mais negro e intenso olhar.
E no jardim deu-lhe sua graça
E o português se fez ao mar.

O português se fez à vela
Trazendo à costa do Brasil
Os olhos de sua bela,
A bela de olhar gentil.

E espalhou os olhos dela
No chão do novo país
Daí por diante as saudades dela
É nossa História quem diz.

Algum dos meus Melómanos Amigos me ajuda a desencantar a melodia philippotiana? Do YouTube não consta...

Borras do Êxtase

Isto É Café! de Harold E. Edgerton

Embora não tenha por hábito sucumbir a excessos, também não costumo ceder ao vício oposto, o da parcimónia, no tocante às pequenas alegrias que nos encorajam a continuar à tona da Vida, que não à toa nela. Uma excepção há, para mal dos meus outros pecados: o café. Tudo porque sou excessivamente sensível ao efeito que ele me provoca, no sentido de me manter desperto, mesmo contra vontade. E se um sono concentrado passa por ser prerrogativa dos Justos, a Divina Virtude da Caridade, quando não a da Misericórdia, parece-me aconselhar a que se não negue uma passagem pelas brasas a um pobre réprobo...
O certo é que só posso tomar um por dia, o do almoço, evidentemente. A menos que vá para os copos em boa companhia, caso em que ainda me permito um à janta. Qualquer acréscimo tem como consequência as voltas na cama que me impedem de esquecer o que sou, quer dizer uma das mil e uma formas possíveis da Infelicidade.
Por isso entendo a concepção que se gerou no Século XVI, em que, muito por obra de a introdução do magnífico líquido ter transitado pela ameaçadora e infiel Turquia, os mais vigilantes activistas da Cristandade encararam esse excitante néctar como a alternativa que Satanás procurava propiciar à fraqueza humana para desviar a Espécie do consumo do vinho, susceptível, pela Consagração, de se tornar no Sangue de Nosso Senhor. E por isso entra na minha galeria de Figuras Exemplares o Papa Clemente VIII, o qual, em 1594, decidiu a questão: após provar a negra maravilha, baptizou-a e terá dito que algo tão agradável não poderia ser propriedade exclusiva do Demónio, sendo que, como o poder da Igreja de Cristo é superior ao do Maligno, ficaria, de aí em diante a bebida a ser também património dos Cristãos.
Esta expropriação do Adversário é exemplar a todos os títulos: Não se abdica da Experiência, a qual tenho por imprescindível, ainda que sob a forma de observação, modalidade de empirismo que assenta nas perdas, danos e riscos a suportar por outrem. Mas não se cai na pecha do experimentalismo em que se faça a comunidade perigar, como acontece com tantas tentativas de implantação política, oferecendo-se o Vigário de Deus para a perigosa prova. Feita esta, houve o cuidado de não fundamentar estritamente no vivido a decisão, mas, sabiamente, de articulá-la com a fundamentação absoluta da distinção entre Bem e Mal, como na Superioridade do Lado da Divindade. Eis como o gosto se oferece para cingir as vestes de tratado de Teologia.
Entretanto, também economicamente, há um dever de nos cafeizarmos um pouco: trata-se da segunda substância mais transaccionada mundialmente, depois do petróleo; e não se presta a chantagens de nenhum cartel de produtores, ao contrário da ameaça perene da OPEP. Além de ser peça essencial no diálogo Norte-Sul. O melhor que me passou pela boca comprei-o numa loja especializada e era, em porções pensadas pela casa, uma mistura de produções de Timor, de África e do Brasil.
O Venerando Pontífice tinha razão!

sábado, 2 de junho de 2007

Advogado do Diabo


Tenho de levantar uma dificuldade à concordância com que hoje, no programa «Com Sal e Pimenta» da Rádio Renascença, os intervenientes, Francisco Sarsfield Cabral, João César das Neves e Manuel de Lucena, concluíram que o "acocoramento" do nosso Primeiro, na conferência conjunta com Putin, se tenha devido ao facto de as duas noites passadas no Kremlin lhe terem dado a volta ao miolo. É muito mais natural, sabendo-se da obsessão do Chefe do Governo por infra-estruturas aeronáuticas pantanosas, que a causa de Sócrates ter ficado com a cabeça a andar à roda tenha sido a visita prévia aos helicópteros Kamov e a contemplação dos respectivos rotores de pronunciadas pás. Mas não se mostrou tonto por aí além, há muita gente, tal o "Cavalo de Tróia" que é a eurocracia de Bruxelas, junto de quem cócoras similares se revelariam mais perigosas para a Europa...

A Fusão Impossível

Nostalgia da Memória de Albert de Villeroux

No recreio da Memória há um jogo sumamente incestuoso, que é a interdita roda do Amar e da Recordação. Onde o primeiro tenha consequência banida está a contraparte; quando esta prospere, fá-lo-á graças ao legado do colega, só na sua posse entrado ao finar-se aquele. O sentimento distendido deve pois à vontade de quem não esquece, como à que lavrou essa força que, sob forma testamentária, permite a subsistência da Rememoração ansiosa e abafada. Mas na medida em que o Afecto Mais Alto seja dispensado da actualidade encarnada da intensidade mais preenchida, pode bem defender-se a tese de que uma perduração encarcerada na liberdade do Espírito é a continuidade que resta, mas assegura existência, prolongando o que surgia terminado.
De Humberto de Betencourt (Micaelense), dedicado aos meus Leitores Açoreanos, Conterrâneos dele:

O Amor e a Saudade

Do mesmo beijo nasceram
-Quem diria?!-
Amor e Saudade, um dia...
Como gémeos receberam
Baptismo na mesma pia.

Mas, logo vário destino,
Sem piedade,
Os fadou de tenra idade...
O Amor ficou pequenino,
Cresceu imenso a Saudade.

E assim, no correr da vida,
Não minguou,
Antes até aumentou
Aquela díspar medida
Que de berço os estremou.

Era o Amor folgazão,
Estouvado...
A Saudade, por seu lado,
Muito ao invés do Irmão,
Sempre fechada em cuidado...

Nunca a via rir ninguém,
Nem folgar...
E tinha expressão de quem
Curte indizível pesar

Ora uma vez, que o Amor,
À carreira,
Doidejava em brincadeira
Deu-lhe nos olhos tal dor
Que o mergulhou em cegueira!

Correndo a Irmã a ampará-lo,
Dar-lhe ajuda
Em provação tão aguda,
Colheu um tamanho abalo
Que, coitada, ficou muda

E nesse transe, para os dois
Tão fatal,
Ainda mais desigual,
Mais vário traçou depois
O fado de cada qual.

Desde então, mais divergentes
Se tornaram...
Sorte diversa penaram,
Um do outro sempre ausentes,
nunca eles mais se encontraram!

Soube-se que o Amor, uma vez,
Se finara
Como dum mal que não sara...
Mas que a Saudade, em mudez,
Sempre a chorá-lo, ficara!...

sexta-feira, 1 de junho de 2007

A Dopagem dos Convívios

Lendo este belo postal do BOS sobre o policiamento dos ódios, deixei-me transportar para reflexão sobre que somos tentados a ver como versão tépida deles, a maledicência. Porque tem razão este outro Expoente do bloguismo, sobre o carácter nacional-unitário dos pequenos grupos, em Portugal, mas só se já existe uma solidariedade adquirida. Quando a intenção é atrair um estranho para o nosso lado o caminho mais curto é sempre dizer mal de um terceiro, expediente social muito em uso para além da expiatória classe dos taxistas que exerce esta via quase por dever profissional.
O que nós temos como prescrição utilitária de conduta é visto em França como pura arte. Coisa bem desenvolvida nesta obrita, escrita sumptuosamente, em que Hermant relata como, em Itália, travou conhecimento com Médisance, elle-même, aparecida e tagarelando sob feminina forma alegórica. A defesa que de si faz é convincente, declarando-se essencial ao interesse da conversação neste Ocidente em que as gentes reunidas conversam obrigatoriamente, mesmo que nada tenham a dizer umas às outras, ao contrário dos Asiáticos que se permitem encontrar-se e permanecer em silêncio; pintando-se como morena picante, quando a sua melhor amiga, a neologística "Bem-Dicência" seria uma loura bela mas desmaiada e enjoativa.
Os pontos nos ii continuam a ser postos quando se revela como irmã gémea da Ironia e separa as águas, demarcando-se da Calúnia, porque, ao contrário desta, a nossa amiga seria desinteressada e, nessa medida, não-integrante do Ódio. Quando o Autor, em Cardeal Diabo revestido, lhe atira que o pretendido papel catártico que desempenharia não passa de um remédio homeopático, recebe a resposta de que o essencial é que cure, tal a missão aristotelicamente outorgada a trágicos e cómicos por Aristóteles.
Momento maior é aquele em que diz só os gauleses estarem predestinados a ela, eliminando-se de Alemães, por banalidade, Ingleses, por espírito positivo, Norte-Americanos, por inocência, Escandinavos, por puritanismo e Italianos... por levarem o amor demasiado a sério.
Dos Lusos não fala. Mas é de crer que a nossa proverbial fidelidade à dama que é não seja de molde a estimular o reconhecimento desta vivaça amante das relações movimentadas!

O Rival

Preocupado com a atenção que outras criaturas misteriosas e míticas como os camelos da Margem Sul do Tejo, estão a despertar, o Monstro do Lago Ness voltou a fazer das suas e a permitir que o filmassem, coisa que em nunca antes havia consentido tanto. Mas não chega, pobre amigo. Para recuperar a primazia perdida é preciso ter como agente um Lino...

Leituras de Adorno

Cada vez me irrita mais a passeata diária de comboio a que as circunstâncias da vida me obrigam. É que cresce o número de utentes que desabam nos bancos com um livro na mão, o qual, todavia, permanece irredutivelmente fechado. Há momentos de visibilidade acrescida, como o da voga do «Código Da Vinci», ou o da saga santomense de Miguel Sousa Tavares. No entanto o hábito estende-se e mais e mais se oferecem à vista passageiros, maioritariamente do Sexo Feminino, com um tijolo entre os dedos, sem fazerem menção de o abrir. Por vezes às oito da manhã! Isto diz muito da sociedade em que vivemos, com as pessoas demasiado inquietas, na ida, ou cansadas, à volta, para repousarem na leitura. Fica o volume remetido à condição menor de acessório de toilette, quem sabe se não virá a ser escolhido por combinar com a roupa do dia...
Tempos houve em que a condição de ornato era assumida, como no Retrato de Lady Speke, de 1592, aqui junto, em que as páginas encadernadas em ouro esmaltado rematavam o pendente e constituíam uma verdadeira jóia. Sem esta magnificência, as folhas de hoje, na medida em que as obriguem ao ócio, não chegam a pechisbeque.
E quero ver quantos Leitores virão dar, enganados, a este desabafo, por o título que escolhi apelar descaradamente aos nostálgicos da Escola de Frankfurt...