Leituras de Adorno
Cada vez me irrita mais a passeata diária de comboio a que as circunstâncias da vida me obrigam. É que cresce o número de utentes que desabam nos bancos com um livro na mão, o qual, todavia, permanece irredutivelmente fechado. Há momentos de visibilidade acrescida, como o da voga do «Código Da Vinci», ou o da saga santomense de Miguel Sousa Tavares. No entanto o hábito estende-se e mais e mais se oferecem à vista passageiros, maioritariamente do Sexo Feminino, com um tijolo entre os dedos, sem fazerem menção de o abrir. Por vezes às oito da manhã! Isto diz muito da sociedade em que vivemos, com as pessoas demasiado inquietas, na ida, ou cansadas, à volta, para repousarem na leitura. Fica o volume remetido à condição menor de acessório de toilette, quem sabe se não virá a ser escolhido por combinar com a roupa do dia...
Tempos houve em que a condição de ornato era assumida, como no Retrato de Lady Speke, de 1592, aqui junto, em que as páginas encadernadas em ouro esmaltado rematavam o pendente e constituíam uma verdadeira jóia. Sem esta magnificência, as folhas de hoje, na medida em que as obriguem ao ócio, não chegam a pechisbeque.
E quero ver quantos Leitores virão dar, enganados, a este desabafo, por o título que escolhi apelar descaradamente aos nostálgicos da Escola de Frankfurt...
Tempos houve em que a condição de ornato era assumida, como no Retrato de Lady Speke, de 1592, aqui junto, em que as páginas encadernadas em ouro esmaltado rematavam o pendente e constituíam uma verdadeira jóia. Sem esta magnificência, as folhas de hoje, na medida em que as obriguem ao ócio, não chegam a pechisbeque.
E quero ver quantos Leitores virão dar, enganados, a este desabafo, por o título que escolhi apelar descaradamente aos nostálgicos da Escola de Frankfurt...
6 comentários:
Essa função de adorno podemos nós detectá-la em variadíssimas pinturas,onde o livro é um mais que evidente adereço.Mas convenhamos que enriquece o quadro,facilitando a vida do pintor,que não saberia que outra coisa lá meter...
Beijo
podia meter a obra-prima do marquês de sade.
Mas, cristina, esclareça-me, que eu em atavios de Damas sou nulidade ainda maior do que no resto: aquele excessivo penduricalho que a retratada ostenta precisava de algo mais na extremidade?
Beijo
Caro Anónimo,
se fosse um dos livros dele, ia dar no mesmo, apesar de se suspeitar de que este fosse de Sacra Extracção, dado a capa aparentar uma referência ao "Juízo de Daniel". Se entendermos a vida do Marquês como o seu opus magnum, que volumoso calhamaço não seria o ideal para o conter? Mas concordo que um tal peso ao pscoço é eminente acto de sadismo.
Abraço
Caríssimo,
referia-me à pintura em geral,quando a retratada é uma mulher com um livro;nesta,em particular,acho que tem razão:aquela gola Isabelina já é,em si,excessiva...
Beijo
Efeito do extremismo regulador da Soberana, que impôs na sua corte decotes hiperbólicos às Senhoras solteiras e verdadeiras armaduras ao colo e pescoço das casadas. Tudo para huuuuum... orientar os instintos na direcção certa. Uma polícia sinaleira, enfim.
Beijo
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