sábado, 2 de junho de 2007

A Fusão Impossível

Nostalgia da Memória de Albert de Villeroux

No recreio da Memória há um jogo sumamente incestuoso, que é a interdita roda do Amar e da Recordação. Onde o primeiro tenha consequência banida está a contraparte; quando esta prospere, fá-lo-á graças ao legado do colega, só na sua posse entrado ao finar-se aquele. O sentimento distendido deve pois à vontade de quem não esquece, como à que lavrou essa força que, sob forma testamentária, permite a subsistência da Rememoração ansiosa e abafada. Mas na medida em que o Afecto Mais Alto seja dispensado da actualidade encarnada da intensidade mais preenchida, pode bem defender-se a tese de que uma perduração encarcerada na liberdade do Espírito é a continuidade que resta, mas assegura existência, prolongando o que surgia terminado.
De Humberto de Betencourt (Micaelense), dedicado aos meus Leitores Açoreanos, Conterrâneos dele:

O Amor e a Saudade

Do mesmo beijo nasceram
-Quem diria?!-
Amor e Saudade, um dia...
Como gémeos receberam
Baptismo na mesma pia.

Mas, logo vário destino,
Sem piedade,
Os fadou de tenra idade...
O Amor ficou pequenino,
Cresceu imenso a Saudade.

E assim, no correr da vida,
Não minguou,
Antes até aumentou
Aquela díspar medida
Que de berço os estremou.

Era o Amor folgazão,
Estouvado...
A Saudade, por seu lado,
Muito ao invés do Irmão,
Sempre fechada em cuidado...

Nunca a via rir ninguém,
Nem folgar...
E tinha expressão de quem
Curte indizível pesar

Ora uma vez, que o Amor,
À carreira,
Doidejava em brincadeira
Deu-lhe nos olhos tal dor
Que o mergulhou em cegueira!

Correndo a Irmã a ampará-lo,
Dar-lhe ajuda
Em provação tão aguda,
Colheu um tamanho abalo
Que, coitada, ficou muda

E nesse transe, para os dois
Tão fatal,
Ainda mais desigual,
Mais vário traçou depois
O fado de cada qual.

Desde então, mais divergentes
Se tornaram...
Sorte diversa penaram,
Um do outro sempre ausentes,
nunca eles mais se encontraram!

Soube-se que o Amor, uma vez,
Se finara
Como dum mal que não sara...
Mas que a Saudade, em mudez,
Sempre a chorá-lo, ficara!...

8 comentários:

Mário Casa Nova Martins disse...

Magnífico!

O Réprobo disse...

Como deixei expresso em Sua Casa, Meu caro Mário, era dedicado ao Autor de «A Voz Portalegrense».
Abraço

Mário Casa Nova Martins disse...

Imerecido...
E de certeza que o Senhor Oliveira da Figueira concordaria comigo.

Abraço.
Mário

Oliveira da Figueira disse...

Que Talento desperdiçado
Neste Postal extraordinário
É que a quem foi dedicado
Teria sido desnecessário…

O Réprobo disse...

Meu Caro Mário,
custa-me discordar de Si, mas sei que estou certo quando reconheço ao seu belo Espírito muito maior merecimento que de tão pobre dedicatória, pese o curioso poema.

O Réprobo disse...

Emérito Vendedor e Comentador,
o que é que o Amigo Mário Lhe não comprou para o deixar tão ressabiado?
Abraços a Ambos

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Muito belo o poema. MAIS um grande poeta, pelos vistos...desconhecido por completo. Isto em Portugal é uma indigestão tão grande de grandes...que uma pessoa até desiste de os apreciar..foge-se assustado! Sem saber em qual pegar...

Ah se percebessemos ao menos em que somos ricos...quão ricos seríamos!

Caro Réprobo, venho também agradecer a honra de ter guardado na sua real casa, o modesto nome da minha - por ventura, por fazer ainda...

E não estou só ''a dizer palavras''; formalidades. É uma honra.

O Réprobo disse...

Oh Psiché, de Sebastianista Sabor,
na verdade o livro de poemas que comprei, deste Autor, encerra vários digníssimos de nota. E nada tem a agradecer, fiquei deslumbrado ao percorrer o Território da Insular Fada que linkei.
Beijo