terça-feira, 19 de junho de 2007

O Tempo Reencontrado

Meto sem pudor a minha colher em conversa para que não fui chamado. Diz o Jansenista que o livro maior de Joyce foi - e é para quem o lê - uma "perda de tempo". Bom, falando de Flaubert, Borges dizia que qualquer romance o era. Mas é fácil chegar onde ele queria, sabendo que tratava da Bovary e que todo o volume está contido numa frase genial: "Charles Bovary era médico e possuía a mulher a horas certas". Qual teria sido, porém, a sorte deste trecho, autonomizado, sem livro e escândalo que integrasse? O olvido certo. No «Ulysses» JJ não faz coisa diferente do que faziam os romans à clef do Realismo, simplesmente a chave é transferida da sociedade mundana que já cansava para a epopeia que sempre prende. No que inova genialmente é transpor o vencer as dificuldades de Odisseu para o vencer-se como dificuldade em Bloom. E no lunatismo da interioridade (im)pressionada jaz a salvação da esterilidade realista. Também eu acho que a escrita joyceana teve o seu expoente máximo noutra obra, no «Retrato do Artista Quando Jovem», por subordinada que no seu universo estivesse a figura do protagonista ao personagem da saga mais dilatada. Mas daí a perda de tempo... Há quem o pense de toda a literatura. No caso, julgo que a procura das correspondências, mesmo sem a adesão à atmosfera global, pode ser um excelente investimento temporal: o do interesse e da descoberta. E escuso de lembrar a um Leitor de Proust que o tempo perdido é, afinal, aquele em que fomos felizes.

James Joyce na Lua de Jules Gotay

4 comentários:

Jansenista disse...

Excelentes observações, que eu subscreveria quase na íntegra... se não fosse estar genuinamente convencido de que Ulysses é mesmo uma pura perda de tempo.
No fim, há um jogo de palavras que eu preferiria evitar: em tempos proustianos, o tempo perdido é tempo involuntariamente abandonado, não é tempo mal gasto: «perdido», quando referido a tempo, pode ter as duas conotações, e não há em Proust a sensação de arrependimento por um passado mal gasto, bem pelo contrário (é de certa maneira o arrepio com o presente que faz o narrador buscar desesperadamente uma redenção nas memórias involuntárias do paraíso perdido).
Vale!

O Réprobo disse...

Que hei-de eu dizer mais para convencer o Caro Jansenista de que o tempo da confecção (e da leitura) do «Ulysses» não é perdido? De acordo quanto à noção de felicidade no tempo de Proust, apesar do específico paralelo geométrico que Beckett nele detectou e do que me parece essencial: a tensão entre duas formas de felicidade - a da realização, depois de vencidas as hesitações intelectuais, versus a da nostalgia das aprendizagens e iniciações, em que até as rupturas medíocres de uma época surgem diluídas na absorção dos desenvolvimentos, inesperados ou não, das relações.
Abraço

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Caro Réprobo
Aquele seu comentário pretendeu ser uma (leve) crítica de subterfúgio?

E aquele ''te'' onde pertence ter... fez soar tudo um bocado estranho.

Eu explico: ora suponha que eu chegava aqui, lia tudo um pouco, mais a vosaa conversa, e comentava aqui no fim:

Pobre James Joyce! Se ele ouvisse...


Cumprimentos

O Réprobo disse...

Crítica de subterfúgio???!!! Qual, Querida Terpsichore! Simplesmente sublinhado do Estético que encantou, como complemento da exortação... aham... ética titular.

Porquê pobre JJ? Na parte que me toca, não prescindo dele. E também prezo o Ulysses, embora não acriticamente, como a MM que se fez fotografar a lê-lo. E creio que o Confrade Jansenista deixou claro que estima outras obras do Autor.

Quanto à falta do "r", mil perdões. Digitação distraidíssima, sempre mais difícil de emendar em comentário do que em post, mas, quem sabe, talvez tentativa de escrita mais doce?
Beijinho