quinta-feira, 20 de março de 2008

O Voto

Pilatos Mostrando Cristo e Barrabás à Multidão, de Il Morazzone

Hoje é o dia do beijo que ameaçou dar mau nome a todos os demais. O do Iscariotes, pois. Mas, para pecado dos nossos males, o significado de amanhã não foi o de outro dia. Pilatos agiu como mandam os bem-pensantes de hoje - não interferindo nos assuntos internos de outro povo, sob ocupação sua, muito embora. Fez o que os individualistas preceituam quanto a responsabilidade, não querendo sujar as mãos próprias com sangue inocente, mas marimbando-se para a vergonha de pactuar com o acto pelo qual outros o vertessem. Portou-se como bom marido, tentando um truque para salvar um Acusado que via sem culpas, atendendo aos rogos angustiados da Mulher, impressionada pelo sonho que tivera. Foi mesmo a única pessoa que fez uma pergunta a Que o Filho do Homem não deu resposta, a célebre O que é a Verdade?
Por que será então que faz tão má figura na História? É evidente que por ter sido instrumento da Democracia contra a Justiça, ao dar-lhes o Barrabás que pediam. Que ele viesse a chefiar gerrilhas contra as forças do seu País era só o condimento necessário a abrir os olhos para o desastre da abdicação de autoridade proconsular a quem não partilhava da Fé. E fazer-lhe ver que perguntar onde está A verdade é a própria essência da Mentira.
Mas então, ainda não descobertas as trafulhices financeiras que o fizeram morrer exilado, era um homem respeitável.
Dir-me-ão logo os moderadinhos de todas as épocas que a maldade só se aplica às assembleias populares informais, que um parlamento de que a escumalha esteja afastada é muito outra coisa. E eu contraponho-lhes o exemplo da própria Nação do magistrado justiçado pela memória histórica: o orgulhoso Senado Romano foi o mesmo que votou a amnistia para os assassinos de César, assim abrindo caminho para os epígonos que recusam votos de pesar pelos morticínios de Reis e Príncipes. E foi o mesmíssimo que anulou o decreto com a nomeação do sucessor por Tibério, substituindo o nome pelo de Calígula, inspirando todos os tiranetes com menos pompa, os quais se limitam a matar "indirectamente" os que não têm poder, desde aqueles que dependem para tudo de quem os gerou, como os que não formam grandes aglomerados eleitorais e, para castigo, vão sendo desprovidos de maternidades, escolas e hospitais.
Mas uns e outros, exemplos e fiéis seguidores deles, são homens respeitáveis.
Recuso tanto o triunfo do número nas conglomerações da canalha ululante, como nos areópagos das mordomias e do penacho.
Não sou dos que votam, mas enquanto não calarem este meio, não farei como o egoísta que pensou tranquilizar-se, lavando as mãos.
Mas claro que aqueles que nos governam são homens respeitáveis.
A todos uma Santa Páscoa!

14 comentários:

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Dia do beijo?? Não invente, D. Paulo!! Hoje é "Dia da Água",sabia?

Feliz Páscoa e beijinho

Anónimo disse...

Paulo, estive a ler os seus últimos 6 ou 7 posts, que ainda não tinha lido. É quase impossível acompanhar um tão rico ritmo de postagem como é o do Paulo, sobretudo se não visitarmos os Blogs diàriamente, o que é o meu caso. Bem que eu queria ter deixado um ou outro comentário mais abaixo, muito particularmente para sublinhar a excelência da sua escrita, mas se o tivesse feito não teria tido tempo para visitar mais alguns Blogs da minha preferência e isso é o que absolutamente me proponho nos dias em que abro o computador. Ainda que contrafeita, limito-me a deixar-lhe este único e modesto comentário, porque hoje, Sexta-Feira Santa (em que já estamos) não podia mesmo deixar de o fazer.
Desejo-lhe a si, a sua Mãe e a todos os seus familiares, uma Páscoa Muito Feliz.

Maria

O Réprobo disse...

Querida Júlia,
ora veja lá que eu uma indesmentível águia, nem estava a par do meu dia!
Mas não inventei, a Quinta-feira Santa não remete para o beijo traiçoeiro com que Judas denunciou Jesus?
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Maria,
Muito obrigado, também para a Maria e Todos os Seus.
E claro, sempre que tenha por bem passar cá, há motivo de grande alegria nesta pobre casa, a qual não merece os elogios com que a distingue.
Beijinho

Anónimo disse...

Com a internet muito intermitente nestes dias, e preparando-me para ir passar a Páscoa à cidade, quero deixar já ao autor de tantos postais do nosso contentamento votos de uma Santa e Feliz Páscoa!
Beijo

fugidia disse...

Caro Réprobo,
como ainda vai postar, os desejos de um excelente dia de Páscoa ficam para amanhã ou para Domingo.
:-)

fugidia disse...

A propósito do seu post de hoje, o Réprobo já leu "O meu Cristo Partido" de Ramón Cué?

Anónimo disse...

Querido Réprobo:
Hoje já é Sábado, mas nada impede que eu secunde a sua leitora, a Maria a respeito da produção intensíssima de posts, todos de imenso valor, a par da excelente escrita.

Gostei especialmente da bela e profunda mensagem no post acima.

Num certo sentido, semelhante ao Caminho que citei no SR, mas muito mais efetiva e apropriada, o post do meu querido Amigo nos mos coloca DE FORMA INESCAPÁVEL o grande, senão o maior tema que devemos todos trazer para o nível da consciência quando se trata da nossa fraca e forte Natureza.

Refletir sobre isso nos levaria a um certo cuidado ao julgar o Outro e a nós mesmos, ainda que não-julgar, às vezes, pode até ser impossível, mas que nunca deve ser precipitado.

Todo a minha admiração, meu agradecimento e a renovação dos votos de Feliz Páscoa.

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
ainda bem que não sou dado como um certo Inverno em Shakespeare... Efeitos da mudança de Estação, está bom de ver.
Espero que goze um Período Pascal muito muito feliz, sabendo-se como tudo o que seja aqui escrito e não considere de todo como fruto de incapacidade Lhe pertence.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
fico com água na boca ao comentário de que assim me promove a expectativa, sendo certo que a recíprocidade dos votos está mais do que assegurada.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Meg,
muito obrigado! Vindo de Quem vem, um juízo positivo sobre a minha ecrita é, além de alegria imensa, motivo de não menor vaidade, impenitente porque inofensiva.
A primeira pedra que Jesus mandou atirar ao apedrejador da adúltera que não tivesse pecado era, segundo a mediação da Doutrina, isso mesmo: não uma abdicação da justiça, mas a não-adopção de diferentes critérios conforme a proximidade ou identidade dos pecadores.
A vida é julgamento, mas convém que não sejamos mais exigentes para com o Outro do que para com as nossas próprias acções. E que não tendamos a ver apenas o Activo da nossa natureza, como a citação do texto adverte, caso em que ridiculamente nos ampliaríamos numa desasada consequência de diminuirmos o Bem.
Beijinho muito amigo e Páscoa Magnífica, sem gripes nem gripões.

O Réprobo disse...

Ah, Querida Fugidia,
confesso a minha lacuna, essa minha grande lacuna,
Beijinho

fugidia disse...

Caro Réprobo,
postei dois "pedaços" d´"O Cristo partido".
:-)

O Réprobo disse...

Vou já lá ver, Querida Amiga.
Bjinho