domingo, 1 de junho de 2008

Casa Alheia de Alheado

Por muito que tendamos a imaginar os Japoneses bastante mais absortos e interiorizados do que nós, não deixa de ser surpreendente que alguém vivendo sozinho não dê por ter em casa uma clandestina, durante vários meses, vivendo numa prateleira superior do guarda-roupa. Tenho a certeza de que, tratando-se de mim, ou da generalidade das Pessoas com que privo, a presença estranha teria sido sentida, ou pressentida. E, para quem tenha algum domínio da escrita, parece tema fascinante a elaboração de um diário ficcionado de uma sem-abrigo com paralelo atrevimento, onde se dê conta dos sentimentos progressivos para com o involuntário hospedeiro.
Mas há uma linha interpretativa que pode levar a pensarmos ser devida alguma gratidão do dono da casa à intrusa que se alimentava do seu frigorífico: ela fazia-o para evitar-lhe os embaraços de ter um esqueleto no armário, expressão muito utilizada pelos Anglo-Saxónicos para designar um potencial escândalo do passado, que se tenha conseguido ocultar.

6 comentários:

Cristina Ribeiro disse...

Uma história rocambolesca, na verdade.
Não, estivesse o frigorífico sempre cheio e seriam poucas as probabilidades de deparar com um esqueleto: mas foi precisamente este que a denunciou.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
o que me deixa zonzo é o total ensimesmamento que permite duas slidões nunca se encontrarem, prejudicando-se.
Beijo

Cristina Ribeiro disse...

Errata: não estivesse o frigorífico sempre cheio e não seriam poucas...

Com efeito, o homem pode chegar a estes extremos, por razões nem sempre facilmente alcançáveis.
Beijo

O Réprobo disse...

Bem sei, Querida Cristina, que a abstenção de comunicar está a invadir até relacionamento com aqueles que se dariam como previsíveis de estimar e conviver. Mas aqui vejo um salto que só não digo qualitativo prque o tenho por indesejável - a queda na própria incapacidade de percepcionar o Outro.
Beijo

ana v. disse...

História inacreditável!

O Réprobo disse...

Completamente, Ana! A quota de aventura da subreptícia moradora fica completamente perdida na massa amorfa da rotina que se não deixa penetrar - a do titular da habitação.
Beijinhos