terça-feira, 1 de julho de 2008

Regresso (d)a Partida

A Torre do Relógio de Christopher Scott

Um poderoso Marajá, Dabchelim, tinha tantos livros que precisava de mil dromedários para o transporte deles e cem brâmanes como bibliotecários. Desencorajado perante tanta leitura, ordenou a estes que sintetizassem o que a livralhada dizia. Obedecido, conseguiram reduzir o essencial a doze mil volumes, transportáveis por apenas 30 camelos, para tanto tendo gasto cem anos. Não satisfizeram, pelo que foram reduzindo os calhamaços à carga de 15, depois à de 2 e, por fim à de uma simples mula, altura em que o Senhor verificou, pelo envelhecimento concorrente com a condensação, ter ficado desprovido de tempo para os absorver.
Salvou-o o Grão Vizir Pilpai, dizendo tudo se resumir em quatro pontos. Nas ciências à palavra talvez, e na História à tríade nascer, sofrer, morrer. Amar apenas o honesto e fazer então tudo o que deleite. Pensar só o verdadeiro e não o dizer por inteiro. Dominar-se, que daí se aprende a governar o Mundo. E enquadrar toda a virtude no respeito por Deus, em querendo a felicidade.
Claro que a simples tenção de resumir os livros que se tem é sinal seguro de entrada numa parte da vida dominada pelo espectro do fim, pois a que a antecede é muito melhor representada pela tentativa de expandir a biblioteca. Mas essa mesma vizinhança, ordenando um exame de conciência, não conduzirá a um beco sem saída? Se o tempo tivesse sido gasto em apreender estes princípios, dificilmente poderia sobejar algum para pô-los em prática. Havendo esta surgido naturalmente, todas aquelas páginas eram supérfluas.
Não, o que se busca lendo não é a essencialidade ética, mas os revestimentos e sofisticações que evitem o desdém dela. E nessa demanda o que menos sentido faria era reduzir os textos. A própria alea da ordem por que chegassem à vista do decifrador constituiria acicate maior, nesse sentido.

8 comentários:

Cristina Ribeiro disse...

"Amar apenas o honesto e fazer então tudo o que deleite": palavras sábias, as do Grão Vizir, não?
Beijo

CPrice disse...

"amar apenas o honesto .." não estou na minha melhor fase para analisar esta frase.
Com razão lhe dou a razão que as palavras encerram. Amar a honestidade. E seria tudo tão mais simples ..
Brilhante texto Caro Paulo .. e o que se busca lendo é de facto um infinito de sensações, aprendizagens e estados de alma .. pelo menos, para mim. :)

Luísa A. disse...

Estou inteiramente de acordo consigo e com a Once, meu caro Réprobo. Quando penso em procurar a sabedoria na leitura, só consigo aperceber-me de que cada vez sei menos e deprimir-me com a minha ignorância. Prefiro, portanto, procurar apenas o prazer (num «infinito de sensações, aprendizagens e estados de alma»), a que chego muito facilmente. ;-)

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
o valido sabia-a toda! Mas era preciso dar trabalho aos escribas, a Função Pública lá da Terra.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Once,
pensei ver alguma vantagem em separar a armação da decoração do Norte actuante, deixando claro que sem a segunda a prescrição seria árida, sem a primeira, amoral.
Quanto aos estados, nunca deixemos que uma borrasca nos desvie da Rota.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Luísa,
essa facilidade, posto que não seja o critério exclusivo, é a mais eficaz via para nos fazer melhores. O resto convirá que já esteja determinado, evidentemente.
Beijinho

fugidia disse...

Subscrevo o comentário da Luísa.
Sábias, as suas palavras...
:-)

O Réprobo disse...

Mas a Sabedoria só é identificada por outra, Mjaior, a de Quem lê.
Beijinho, Querida Fugidia