sábado, 31 de março de 2007

Filhos e Enteados


É este um momento de desclassificação. Não tanto do documento que se dá aos olhos do Mundo, apesar de ele se encartar no estatuto de "CONFIDENCIAL", mas decerto do Portugal que não soube, oficialmente, honrar como devia os seus filhos mais ilustres. Trata-se de uma carta escrita, na perspectiva da viagem do Presidente Craveiro Lopes a Inglaterra, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Cunha, por um um dos colaboradores directos e breve biógrafo do Marquês de Soveral, o diplomata Amadeu Ferreira de Almeida, pugnando por um gesto de reconhecimento da Nação para com um dos que mais lustro lhe deram aos olhos dessa Europa que a prosápia abrilina julga ter descoberto e feito descobrir-nos, ao menos na contemporaneidade.
.


Permito-me destacar um excerto:
Como a sua memória ainda se nâo apagou em Londres onde ficou vivendo depois da República mantendo sempre a sua situaçâo, é possível que alguém fale dele a Vossa Excelencia durante a proxima viagem presidencial, por ter sido o mais solido elo que jamais uniu a Inglaterra e Portugal.
E' pois meu dever informar V. Excelencia -- por isto poder ser remediado por iniciativa de V. Excelencia -- do mau efeito que causou em Londres, e sobre tudo na côrte (que chegou ao ponto de o mandar trazer a Lisboa no Yacht Real), o abandono a que o votou, ha 30 anos, a Nação que tâo brilhantemente serviu, nâo repatriando (como hoje faria a qualquer ministro morto no estrangeiro) e deixando que ficasse sepultado, por favor duma familia estrangeira, numa cripta rasa do cemiterio de Père La Chaise em Paris, onde apenas uma placa solta de dois palmos, diz: Marquis de Soveral - e mais nada! e por isto destinada a desaparecer.
Em vista do que o Governo fez pelo Sr. Teixeira Gomes que lhe sucedeu (com quem servi dois ans como 1º Sec.) e que nunca logrou ter na côrte situaçâo alguma, porque ali via sempre soveral no 1º lugar, do que sâo testemunhas os Embaixadores Conde de Tovar e Dr. Joâo de Bianchi (Valparaiso) parece justo que o Marquês de Soveral fôsse tambem transladado para Lisboa, e mesmo para os Jeronimos, abrindo assim um honroso precedente e um incentivo para os Diplomatas Portugueses que o merecessem.
(...)
Pensarà V. Excelencia que a Inglaterra homenageou o Sr. T. Gomes na ultima semana da sua estada em Londres. Nada foi porem feito ao Sr. Gomes mas ao presidente eleito da República amiga, e sò por isso foi condecorado, trazido a Lisboa num destroyer e mesmo feito Dr. Honoris Causa de Cambridge, sem possuir curso algum superior! caso único na história universitária, mas que (em) Inglaterra nem por sombras poderiam supor!
Texto aqui deixado como libelo a uma forma de estado que insiste em promover os homens de partido - desde que seja o seu, está bom de ver -, e mandar para a "roda dos expostos" dos falecidos os que serviram o País com brilho, fora dele. É a diferença entre os Expoentes da Pátria e os filhos da (re)pública.

9 comentários:

cristina ribeiro disse...

Caro Réprobo,
Antes ainda de ler o post,deixe-me só dizer que,chegada agora mesmo do jantar de aniversário do meu irmão mais velho,veio à baila(a propósito de um momento que protagonizou,e marcou positivamente,e para sempre esse meu irmão) o nome do Professor Paulo Cunha,que ministrava,parece-me,a cadeira de Direito Civil;penso tratar-se do Ministro a que se refere...

O Réprobo disse...

Esclarecedora Cristina:
É precisamente esse, que pontificou nas relações externas portuguesas na década de 1950. Também conheço alunos dele que muito marcados ficaram pelo Mestre.
Beijinhos

Anónimo disse...

La carta que el MNE portugués envió a la entonces CEE solicitando la iniciación del proceso de adhesión de Portugal (año 1963), modelo de elegancia diplomática, estudiada por eruditos.

O Réprobo disse...

Sempre indulgente Çamorano,
A "Carreira" continua a ter alguns pontos altos, pena que já não haja política externa, nem condutores políticos dela, que os mereçam...

Jansenista disse...

Muito interessante - e cá tem um fã do «blue monkey»!

O Réprobo disse...

Caro Jansenista, ainda me reservo para uma pequena abordagem da conferência do autor da missiva sobre o desempenho do "Vencido da Vida" em Londres, que foi publicada num Boletim da Sociedade de Geografia e de que possuo a separata, dentro da qual encontrei a carta.
Abraço

Anónimo disse...

Uhm.... pecha nossa - e no caso de um brilhante professor de direito -esta de se dimimuir alguém para enobrecer outrém: não é preciso apoucar Teixeira-Gomes, um grande escritor e diplomata também brilhante (ler a correspondência diplomática, para ver o que ele sofreu em Londres...) para fazer o elogio merecido de Soveral.
Quanto à suposta ignorância das habilitações deste, creio que seria conhecido que não acabou curso. São preocupações que lá não existem...

Anónimo disse...

A pressa fez com que confundisse a carta do diplomata com o que seria um "lembrete" do Prof. Paulo Cunha. Reparo agora - felizmente- que não.

O Réprobo disse...

Caro Anónimo,
realmente, a carta era dirigida ao Prof. Paulo Cunha e encontrei-a dentro de uma separata com uma conferência sobre Soveral que comprei com um conjunto de outros livros que pertenceram ao Ilustre Mestre.
Leio bem Teixeira-Gomes e creio-o do melhorzinho que a classe política da I República produziu. O que não obsta a que fosse um Homem de partido, ao contrário de Soveral, que embora tendo sido ministro Regenerador era visto como "Homem do Rei". Mas o facto de T-G ser estimável mais razão dá ao ponto de vista do diplomata na diferença do tratamento, como bem notou.
Quanto aos cursos, matéria de atualidade hiperbólica no Portugal de hoje, julgo que o juízo do Autor se cingia à Universidade de então, que tendia a honrar apenas "scholars" consagrados, ou Chefes de Estado e Religiosos institucionais, os quais costumavam ter no currículo frequências universitárias. Já no que toca à chefia da administração tem toda a razão quanto à indiferença britânica pelos diplomas.
Grato pelo contributo