terça-feira, 27 de novembro de 2007

Vida de Cão

Nos «Prós e Contras» de ontem, em que os sindicalistas estavam na berra, um ex-governante socialista, Vítor Ramalho deu como uma "expressão popular" e desaconselhável quanto mais conheço o Homem, mais gosto do meu cão.Popular? talvez, na medida em que muita gente que da Filosofia só tem uma palidíssima ideia, à imagem nublada da de Klimt, acima, a papagueia, normalmente como mera desilusão da Espécie, sem querer por tanto reconhecer méritos especiais aos caninos amigos. São muitas vezes pessoas dos mesmíssimos meios que usam a palavra cão para diminuir a dignidade do outro, ou troçar da fidelidade dele a alguém que não o próprio maledicente.
Curioso é que nessas mentes mais afastadas do filosofar costumo ver a frase atribuída a Schopenhauer, que não a disse. Com efeito, insistem em concorrer no que refere à autoria dela Pascal e Madame de Stäel, devendo preverir-se Blaise a Germaine, por mais antigo. Mas o Grande Pessimista de Frankfurt disse coisa muito mais radical. Censurando Espinosa por uma muito caracteristicamente semita depreciação da dignidade do mundo animado extra-humano, deixou claro que quem nunca teve um cão não sabe o que é amar ou ser amado. É evidente que a escrita pode ser interpretada de forma a corrigir o homem que a fez e o quasi-panteísmo espinosiano também poderá fornecer combustível ao amor às manifestações Divinas em todas as Suas Criaturas...
No que contendem a actividade especulativa e as práticas vulgares é na maior aptidão para amar, mesmo de canídeos se tratando. Podem os sábios argumentar, com razão, que pensar com afecto uma condição animal é meio caminho para a universalidade do Amor no mais Cristão dos espíritos. Mas poder-se-á, nos menos dotados para essas subtilezas, encontrar exemplos de ligação profunda ao seu amigo fiel, e a intuição, tantas vezes tacitamente reiterada na vida social dos Humanos, de que amar necessita de um ser concreto em que se aplique, de uma individualudade que, diluída em categoria, enfraqueceria a exactidão e intensidade do conceito. São os mesmos que poderiam censurar ao Autor de «O Mundo Como Vontade e Representação» ter denominado o seu poodle a partir de Atma, palavra hindu para "Alma". Ao que contraporiam as claques dos filósofos que Atman, o nome do bicho evocava chefe bárbaro de outrora, indicando a vontade de amar os menos apetecíveis.
São Francisco resolveu o problema, mas, para isso, abdicou da posse. E o Mundo não vai estando para tão grandes Santos.

2 comentários:

Flávio Santos disse...

A frase é de Diógenes, meu caro.

O Réprobo disse...

Meu Caro F.Santos,
não tenho informação desse crédito, por muito conhecida que seja a imitação canina, erguida pelos Cínicos a forma de vida, emblema e raiz do nome da Escola, por o seu chefe de fila emtender os Canídeos mais livres do que a maior parte dos Homens.
Mas, na economia do postal, quanto mais pratrazmente se localizasse a citação, melhor.
Abraço