sábado, 21 de abril de 2007

A Carne e a Pedra

A Castiglione

Todos já ouviram chamar a Sade o Divino Marquês, porém a Itália, terra das Mulheres Extraordinárias teve, na piemontesa corte de Turim, uma Condessa a que igualmente chamou "Divina". Onde aquele se impôs pelo fascínio da prosa que pregava as delícias da subjugação alheia, esta obteve a sua fama pelo triunfo da sedução. A História, maxime a bonapartista que criou a expressão da sua repetitividade risível, tinha aqui mais uma acha com que alimentar a fogueira: enquanto o comitê de patriotas polacos se dirigiu com preces à Walewska para que se abrisse às investidas do primeiro Napoleão, a bela transalpina não consta que tenha derramado muitas lágrimas para aceder ao convite do seu primo Cavour no sentido de que marcasse um ascendente sobre o sobrinho do Corso, por sua vez também coroado, tornando-o dócil às aspirações do Ministro dos Saboias.
Um menos conhecido Metternich chamou a esta ansiosa por justificar-se a aplicação do feminino dum título de seu célebre homónimo "uma estátua viva" Subsistem dúvidas sobre se ele terá empregue a expressão no sentido em que nós dizemos Fulana É uma Estampa, ou se se referiria à frieza. Na dúvida favoreçamos a Dama.
O certo é que o mais interessante está na forma como ela, envelhecendo, jogou com a memória do seu triunfo, orientando o retratismo de um momento precoce da fotografia, escondendo parcialmente o rosto que tão idolatrado fora. Por uma das ironias em que o Mundo é fértil, foi precisamente esta faceta tardia que inspirou a modelagem de uma estátua que a celebrasse. Mas não se pense que esta ocultação de si fosse modéstia sincera: pediu para ser enterrada com a camisa que usara no seu triunfo na Corte de Compiègne. Todo o jogo para a câmara fora cálculo e só cálculo. O que dará bons argumentos a quem queira, então, optar por interpretar a qualificação do Austríaco como dirigida ao carácter e todos os elementos deste terem convergido para uma consagração final ampliada.

2 comentários:

cristina ribeiro disse...

Vivesse a condessa nos dias de hoje,e não teria de recorrer ao subterfúgio a que se viu forçada,para manter a sua influência junto dos homens,ao ver a sua beleza física ofuscar-se com a idade.
Muitas são as mulheres que vivem esse drama,não aceitando muito bem que o seu brilho esmoreça,mas dispõem actualmente de mil e uma maneiras de anular esse efeito do correr do tempo.
Muitas delas já as podemos ver imortalizadas em museus como o de Madame Tussaud,quais estátuas como a que retrata a condessa,mas
sem qualquer disfarce,de que não precisam.
Mudam-se os meios ao serviço da mulher,mas verifica-se que foi desde sempre uma característica feminina esta de tentar enganar o tempo,com maior ou menor sucesso.
Beijo

O Réprobo disse...

Confiante Cristina,
e agora, com a proteína da longevidade que a Sharon Stone e este blogue já publicitaram...
Ehehehehehehe
Mas é curiosa esta mutação de momentos em que se esconde os apregoados encantos: era velho truque para acicatar o interesse esconder parte e só mostrar uma ponta de si. Mas ANTES do sucesso. Inovação maior da bela Italiana foi tê-lo feito depois, num jogo das memórias que foi a primeira razão da fotografia, subvertendo no entanto o mecanismo desta, na medida em que escamoteou à câmara a maior parte da imagem pretendida.
Beijo