domingo, 27 de maio de 2007

Por Entre os Dedos

A Vida Eterna de Michael Flaherty

Cumprir-se é manter-se insatisfeito, desde a idade ou a aurora em que se congeminam promessas para esquecer, até aos crepúsculos literais e alegóricos em que nos parecemos dissolver. Se na maior parte do Trajecto é o combate que, rasgando a carne, nos incita a continuar, quais cavalos esporeados, o contrapeso das recordações do que fomos e Dos que a nosso lado foram são o doce perigo mais imediato de resvalarmos para a desistência, no sentido de ver como uma esperança o fim provisório, a menos que consigamos nutrir pela certeza do término o amor desinteressado que, afinal, é o segredo do sucesso possível, não só na relação com o Próximo, mas, sobretudo, com Quem nos for mais próximo.
De Vitorino Nemésio:

Tenho o mundo na mão pela manhã,
À noite lançam-me ao mar com ele aos pés
Tais os que morrem a bordo a meia viagem
E todo o meu dia é uma luta
No perpétuo e estúpido bulício:
A minha funda é o cilício
De que fui incapaz aspirando a santo em menino.
Assim vivo doente, enérgico à força e peregrino.
Oh como é bom e triste ser um velho espantado
De ainda há dois anos parecer gente por inteiro:
Mas quando a morte nos é mais vizinha
Mais mortos vêm como grão apurado ao celeiro
E até a luz eléctrica macaqueia a luz perpétua,
Os ausentes acodem à nossa alma
Na secura da nossa solidão.
Eu agarro-me à vida como a palmeira a palma
Mas sei amar a Morte que me espera no chão.

2 comentários:

cristina ribeiro disse...

Totalmente off-topic:
Eu sabia que ,algures,tinha um livro de Alfredo Pimenta,que comprara já há uns anos,no intuito de saber alguma coisa sobre o Pensamento do Historiador,em concreto,mas também porque o tema me atrai:

trata-se de"Nas Vésperas do Estado Novo",uma edição da Nova Arrancada,de1988.
Agora,a falta de sono aconselhou-me a arrumar as estantes,e lá estava ele,esquecido,ultrapassado por outras leituras que se foram inpondo.
Mas agora já está num lugar de destaque para a ele voltar na primeira oportunidade.
Beijo

O Réprobo disse...

Penso, Cristina, já ter lido algures que era o livro de combate político que o próprio Autor preferia. E se a obra era grande! Força, pois.
Beijo