domingo, 10 de junho de 2007

In-Vocação Nacional

Dou graças aos Céus por ter como Pátria uma das raras que escolheram como Dia Nacional aquele em que se comemora o seu expoente literário máximo e não um qualquer acidente político, quantas vezes, como em França, sintomático da grande regressão que, por desditosa coincidência, tem, neste 10 de Junho, a lembrança do aniversário tenebroso do agravamento do Terror democrático-revolucionário, com a supressão do interrogatório dos acusados e das etapas da sua defesa, estabelecendo a votação de "Inocência ou Morte" que correspondia a condenações antecipadas.
No nosso País a Referência vinculante, contrariamente à prática governativa que, de tanto se tentar assemelhar à dos estranhos, passou a ser delegação dos interesses deles neste Ocidente Peninsular, manteve-se dirigida ao fenómeno cultural que detectou a nossa especificidade e permite nela buscar a reinvenção que nos torne dignos.
Neste pequeno folheto, o grande Espírito que foi Leite Pinto disse muito. Desde logo que Camões foi o primeiro poeta a ter a noção nítida de que o Português é um homem de acção que busca no passado colectivo exemplos de actuação.

E prossegue com a receita ainda válida para os nossos dias, que os ocupantes do Poder de hoje esquecem, ensimesmados na estupefaciente convicção de que o regime que desgraçadamente os promoveu é promontório insuperável e final de uma evolução:
(...) um homem existe porque sabe que um dia deixará de existir e que esta certeza deve condicionar a sua actuação.
E para os que desprezam o Passado em nome dos antolhos que façam o burro a cuja encarnação nos candidatam andar para a frente, acrescenta - poderei dizer aos novos que as maneiras de viver e reagir à vida não são muitas; que com satélites artificiais ou sem eles, os homens têm sido sacudidos, séculos fora, por paixões de bem poucos tipos? Que para os jovens as situações parecem novas, mas que os velhos lhes encontram logo analogias nos anais da história?
E nega a erecção do conforto como critério tácito ou expresso do que deva ser o Norte do nosso agir, como no passo que segue:
Mais importantes que as técnicas - que só distinguem as culturas quando exclusivas; e hoje há pouquíssimas técnicas não divulgadas - é o valor dos homens que caracteriza uma cultura nacional.
Ora um homem não é um ser isolado nem faz parte de um vago rebanho humano disperso sobre a Terra. É, sim, um ente espiritual ligado espiritualmente a outros entes: uns, vivos, com os quais comunica; outros, mortos, dos quais recebeu como herança uma missão. A existência do homem, ente social, não pode divorciar-se da missão nacional que herdou.
A missão da Nação Portuguesa, nação servida por uma cultura complexa, tem sido a expansão do ideal cristão. Nisso só fomos acompanhados pelo grande e glorioso país irmão que é a Espanha. Mas a nossa missão cumpriu-se no Brasil, na África e no Oriente de maneira a criar no mundo uma comunidade com caracterísicas que não se encontram alhures.
E termina, sublinhando a diferença entre a epopeia ultramarina lusa e a colonização de outros povos, que a tinham por aspecto menor e secundário, enquanto que os Nossos projectaram o Espaço e a Biografia nacionais nos quatro cantos do Mundo. Do reflexo deles recebido se fazendo, acrescento. Na frase lapidar do Autor, os Portugueses criaram amorosamente novos Portugais.
Ainda não é impossível recriar um Portugal novo, sobretudo quando confrontado com a decrepitude do sistema que diariamente nos desgosta. Desbaratado o Império por gente sem dimensão para entender e prezar a dele, podemos agarrar-nos à axiologia perene que os nossos Avós construíram, e, no pequeno reduto que nos resta, redimirmo-nos pela fidelidade a algo maior do que conveniências e imitações imediatas. De modo a que Aqueles que caíram em nome dessa Herança recuperem plenamente o papel de traço-de-união entre Os que nos fundaram e o que podemos voltar a ser.

13 comentários:

Anónimo disse...

El Sr. Leite Pinto, Ingeniero Humanista, sin duda........

O Réprobo disse...

Grande Figura, Caro Çamorano, que presidiu aos esforços do Instituto de Alta Cultura, hoje algo desconsiderados, mas responsáveis por importante labor histórico-filosófico.
Abraço

Anónimo disse...

Meu Amigo,
denota,no final do post,um optimismo de que não consigo partilhar,em vista do que me rodeia.
Beijo

Anónimo disse...

Señorita Ribeiro: Como dijo el gran Don Miguel de Cervantes y Saavedra: "Que mientras dura la vida es necedad conocida desesperarse del bien" (Los baños de Argel)............

Anónimo disse...

Don Çamorano,
é contra "esta"realidade que luta D.Quixote;ingloriamente...

Anónimo disse...

Estimada Señorita Ribeiro: Como dice el dicho castellano:"Tiene que haber de todo en la viña del Señor". Un mundo poblado únicamente por "utilitaristas" anglosajones sería muy inhóspito y "tristonho". Tiene que haber soñadores, idealistas y "quijotes" portugueses y españoles también, para que sea más habitable......

Anónimo disse...

Don Çamorano,
tem razão;só que o sonho,depois de tanta decepção e já cansado, remete-se ,forçosamente,a um mundo interior,onde possa espraiar-se,livre das amarras que o prendem cá fora,fazendo com que ele se sinta impotente.

O Réprobo disse...

Derrotista Cristina,
calma, eu falava em termos de desejabilidade, não me pronunciei pela probabilidade. Tudo depende de nós e dos vindouros.
Beijo

O Réprobo disse...

Amicíssimos Cristina e Çamorano,
ora que belo diálogo Galaico-Minhoto! Tentemos apontar para mais alto: conservar o background cultural e o idealismo de Quijote, sem perder a noção da realidade que só não digo de Sancho por este ter sempre em mira ganhos materiais e de posição.
Beijo e abraço

Oliveira da Figueira disse...

Na Conversa não me meto
É de alto nível Cultural,
Para não fazer má figura
Caladinho, coisa e tal...

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

'Tudo depende de nós'.
Subscrevo.

Cara Cristina,
Mas justamente sem esse mergulho no mundo interior, sem todo o amadurecimento da desilusão no exterior, nada se faz bem feito... Penso.

Cumprimentos

cristina ribeiro disse...

Cara Terpsichore,
está certa.Até já cheguei à conclusão que esse voltarmo-nos para dentro,face à maior ou menor adversidade exterior acaba por ser muito positiva,porque obriga ao questionamento e reflexão produtiva;mas há momentos em que nos abandonamos à amargura,que funciona como catarse.

Não,não é derrotismo,Meu Caro,é vulgar cepticismo ...
Beijo

O Réprobo disse...

Queridas e Brilhantes Comentadoras,
a procura do equilíbrio entre consistência e lucidez é o melhor remédio contra a transigência, mas, igualmente, contra a apatia.
Beijos