sexta-feira, 1 de junho de 2007

Leituras de Adorno

Cada vez me irrita mais a passeata diária de comboio a que as circunstâncias da vida me obrigam. É que cresce o número de utentes que desabam nos bancos com um livro na mão, o qual, todavia, permanece irredutivelmente fechado. Há momentos de visibilidade acrescida, como o da voga do «Código Da Vinci», ou o da saga santomense de Miguel Sousa Tavares. No entanto o hábito estende-se e mais e mais se oferecem à vista passageiros, maioritariamente do Sexo Feminino, com um tijolo entre os dedos, sem fazerem menção de o abrir. Por vezes às oito da manhã! Isto diz muito da sociedade em que vivemos, com as pessoas demasiado inquietas, na ida, ou cansadas, à volta, para repousarem na leitura. Fica o volume remetido à condição menor de acessório de toilette, quem sabe se não virá a ser escolhido por combinar com a roupa do dia...
Tempos houve em que a condição de ornato era assumida, como no Retrato de Lady Speke, de 1592, aqui junto, em que as páginas encadernadas em ouro esmaltado rematavam o pendente e constituíam uma verdadeira jóia. Sem esta magnificência, as folhas de hoje, na medida em que as obriguem ao ócio, não chegam a pechisbeque.
E quero ver quantos Leitores virão dar, enganados, a este desabafo, por o título que escolhi apelar descaradamente aos nostálgicos da Escola de Frankfurt...

6 comentários:

cristina ribeiro disse...

Essa função de adorno podemos nós detectá-la em variadíssimas pinturas,onde o livro é um mais que evidente adereço.Mas convenhamos que enriquece o quadro,facilitando a vida do pintor,que não saberia que outra coisa lá meter...
Beijo

Anónimo disse...

podia meter a obra-prima do marquês de sade.

O Réprobo disse...

Mas, cristina, esclareça-me, que eu em atavios de Damas sou nulidade ainda maior do que no resto: aquele excessivo penduricalho que a retratada ostenta precisava de algo mais na extremidade?
Beijo

O Réprobo disse...

Caro Anónimo,
se fosse um dos livros dele, ia dar no mesmo, apesar de se suspeitar de que este fosse de Sacra Extracção, dado a capa aparentar uma referência ao "Juízo de Daniel". Se entendermos a vida do Marquês como o seu opus magnum, que volumoso calhamaço não seria o ideal para o conter? Mas concordo que um tal peso ao pscoço é eminente acto de sadismo.
Abraço

cristina ribeiro disse...

Caríssimo,
referia-me à pintura em geral,quando a retratada é uma mulher com um livro;nesta,em particular,acho que tem razão:aquela gola Isabelina já é,em si,excessiva...
Beijo

O Réprobo disse...

Efeito do extremismo regulador da Soberana, que impôs na sua corte decotes hiperbólicos às Senhoras solteiras e verdadeiras armaduras ao colo e pescoço das casadas. Tudo para huuuuum... orientar os instintos na direcção certa. Uma polícia sinaleira, enfim.
Beijo