sábado, 9 de junho de 2007

Raízes da Vida

Árvore e Homem de Yannis Stravou,
pensando também no João Marchante, O de plátanos perdidos.

Não tenho arcaboiço para aguentar ver árvores sendo cortadas, mesmo quando reconheço a necessidade, muito menos quando é diagnosticada a ganância. Será um remanescente romântico, mas, ao topar com esta notícia, dei comigo a imaginar-me uma espécie de Ideiafix, o qual, como é sabido, também não tolerava os arranques provocados, entre outras causas, pela força bruta do obelixiano dono. O que me faz divergir do Romantismo é, porém, não personificar esses monumentos do Reino Vegetal, como fez um João Penha, ao imaginar um salgueiro, Sylvia, por si apaixonado. Escapando a esta fraqueza isenta-se da retribuição os troncos vivos, pois o que me move não é tanto o anseio de trazer as copas e seus sustentáculos à animalidade, antes transportar a pobreza confrangedora que é um homem sem resgate à impressiva comunhão que o aproxime do arvoredo. O que julgo muito bem feito nesta pintura.
Mas sei que muitos Outros procurarão na verdejante parte da Criação o interlocutor idealizado que permita aliviar mágoas só convencionalmente confessadas. E Nesses mesmo descortino algo de louvável, na medida em que a confidência às ramagens protectoras e vetustas é mediocridade muito menor que o desabafo que tome por destinatário outro ser humano, no que todos demasiadas vezes caímos. Mas, por muito que pareça de evitar a construção de sucedâneos espúrios, como no poema que segue, a credibilidade do tom transmissor da desilusão salva muito do que, por artificialismo alternativo, doutra forma se perderia.
De António Alves Martins:

SONETO

Sempre o meu coração tem encontrado
Nas árvores, nos montes - na paisagem,
Da mais enternecida à mais selvagem -
O que outros corações lhe têm negado.

Quem dá melhor consolo ao meu cuidado,
Melhor escuta a minha linguagem
Do que as falas poéticas da aragem
E o silêncio dos campos derramado?

O que sente, o que sofre, o que medita
É em ti, Natureza, que procura
O amparo ideal que necessita.

Sem teu amor, dando expressão e altura
A cada sentimento que a habita,
Seria sombra morta a criatura!

6 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo,
antes do mais tenho a agradecer-lhe a apresentação desse poeta parnasiano,quase conterrâneo,mas de cuja existência não tinha sequer a mais leve ideia.Isso,o facto de ser de Braga,faz-me lembrar no drama que constituiu,há uns anos,o derrube de algumas tílias centenárias,na Avenida Central;bem sei que se salvou o maior número possível,e teve por fim o arranjo urbanístico da área,que até resultou aprazível,mas...

Compreendo perfeitamente o poeta quando prefere confiar-se à Natureza,visto não encontrar consolo mais terno,como seria desejável.

O Réprobo disse...

Ecológica Cristina,
imagino o desgosto de ver o abate, por muito que houvesse a intenção de melhorar e tenha havido o sucesso correspondente.
Pergunto-me se a calma do afecto pelas plantas e comunhão com elas terá de estar ligada à desilusão em face da nossa espécie... O certo é que todos os motivos, mesmo o sofrimento, parecem bons para chegar a tal empatia.
Beijo

Ricardo António Alves disse...

Belíssmo post, meu caro. Acho que o Castro gostaria de lê-lo. Ab.

O Réprobo disse...

Obrigado, Caríssimo. Prende-se sem dúvida com o sentimento que FC deixou na pintura de tantos ambientes naturais e até na vontade de união dos seus restos mortais à maravilha verde de Sintra.
Abraço

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Belíssimo post sim, e belíssima resposta esta também:

''Pergunto-me se a calma do afecto pelas plantas e comunhão com elas terá de estar ligada à desilusão em face da nossa espécie... ''


Cumprimentos

O Réprobo disse...

Obrigado, Querida Psiché, mas o mérito é da inspiração que a Natureza concedeu.
Beijo