terça-feira, 6 de novembro de 2007

Classificar as Culpas

Os Burocratas da Medicina, por PerezA propósito dos trágicos disparates vindos a público, sobre as juntas médicas que deram por aptas a Professora com o cancro na língua e a Funcionária Pública quase paralisada, duas hipóteses há a considerar: ou um conceito de zelo em aplicar os critérios das baixas e aposentadorias segundo termos draconianos que maximizem a poupança do erário público, ou pura incapacidade de avaliar as possibilidades de um ser humano, para além dos parâmetros e índices do manual de instruções. Dizer que no primeiro caso se trata de dolo e no segundo de mera culpa seria cair nas areias movediças onde esta gente medra: incluir em graus de culpa padronizados o que se revelou monstruosidade.
A melhor definição de burocrata, para mim, nem é a que assenta nos procedimentos morosos e desnecessários. É a que quer à viva força meter nas previsões e regulamentos a realidade, ao ponto de ignorar o que cada ser e realização humanos têm de único.
Eu sabia que esta deliciosa história sobre a travessia da Mancha por Bleriot estava narrada em qualquer lado. Quando ele aterrou, com o heroísmo e brevidade de duração do voo que se conhece, os funcionários da alfândega lavraram o seguinte documento:
Certifico ter examinado Louis Bleroi (sic) mestre da embarcação chamada monoplano e consta das respostas verbais do meu interrogatório que ele não tem tido a bordo, durante a viagem, doença contagiosa que obrigue a deter a embarcação, podendo, por consequência, continuar a sua viagem.
Mas aí a asneira não era prejudicial...

2 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo:

Excelente postal, como sempre. Se eu me atrevesse a escrever sobre tal assunto, no calor da revolta que a ignomínia generalizada me causa, nunca sairia uma prosa tão elegante e comedida quanto a Sua.

Mas, a propósito disto, recordo-me de que a burocracia foi criada logo após La Terreur para substituir o respeito devido à nobreza entretanto aniquilada pela guilhotina. Como ninguém respeitaria «sans-culottes» mal-cheirosos, broncos e sanguinários, era preciso colocar um entrave entre a população e o novo Estado. Esse entrave, gerador de todas as pequenas tiranias, e de grandes ignomínias, fopi justamente a burocracia. Sistematizada sob Napoleão Bonaparte, foi agravada ao limite após a Comuna, e adoptada por quase todos os (des)governos que queriam cobrir a sua inépcia ou os seus golpes baixos.

Aplicada à Medicina, então, é criminosa. Contudo, nos revoltantes casos em apreço, parece-me mais um imbecilíssimo exercício de «duplo esmagamento» da índole dos Portugueses, na melhor tradição das piores tiranias. O «respeito» pelo terror e pela brutalidade. Muito mais ao jeito de um Estaline ou de um Mao do que de um Napoleão.

Enfim, meu Caro, ou acordamos e sacudimos esta escória cleptocrática e tirânica, ou mergulhamos num longo pesadelo. Rezemos para que tal não aconteça.

Um grande abraço.

O Réprobo disse...

Caríssimo Carlos Portugal,
obrigado, apesar de ser difícil não perder a cabeça com tamanha acefalia há que tentar lutar contra a maré. Lembra muito bem as origens da coisa. Apesar de alguma historiografia tentar retroagir a burocracia à Nobreza de Toga o Absolutismo, ou até, antes, à meia dúzia de clercs das chancelerias medievais, é evidente que nem a dimensão nem os hábitos de automatismo cego são aproximáveis. Para além de os novos serventuários do(s) governo(s) inaugurarem uma intervenção desconhecida dos precedentes - engrossarem rotineiramente as exacções e arbitrariedades da facção que esteja na mó de cima, contra o resto da Nação.
Abraço