quarta-feira, 11 de abril de 2007

Da Dor e da Culpa

Auto-retrato com Comprimidos, de J. Mark Inman

O império dos analgésicos e dos calmantes acabou por triunfar: estendeu o seu domínio da esfera do Físico à reserva, entretanto desprotegida, do Espiritual. A guarda-avançada fez entrincheirar-se como mandamento relacional uma concepção estendida (ou distendida, melhor se diria) da saúde, sugerindo a desejabilidade das relações sociais cingida àqueles que exibissem precauções imunológicas e forma física acima da média. Daí, a coroação do preservativo e do jogging, o que não era devastador, na medida em que contributiva líquida para o tesouro da satisfação pessoal, eliminando medos, num caso, melhorando prestações, no outro. O homo americanus e os seus imitadores não pararam por aí, no entanto. E resolveram, dentro da mesma órbita de preocupações, proscrever os sinais do sofrimento e a assunção de culpas. Passou a ser mal visto adoptar os fumos e crepes negros do luto, como, pelo outro lado, psicanálises várias se esforçaram por localizar num obscuro facto esquecido de experências remotas a razão de comportamentos incómodos, eliminando a recriminação que cada qual pode e deve fazer-se por ceder a eles. A irresponsabilidade infantil ainda tem a desculpa de negar o que se fez por temer o castigo. Esta ânsia madura de negar-se deficiências próprias como origem dos comportamentos lamentados apenas quer evitar o incómodo de ser desdenhado pela fracção ínfima da Comunidade que rodeia cada qual. Daí a subestimar o Sacrifício vai um passo curtíssimo, agravado pela aspiração a considerar como anomalias psíquicas as necessidades de redenção que não correspondam a criminalizações estabelecidas. Séculos e séculos de Filosofia e Religião que identificaram a plenitude vital do Homem na tensão entre as penas - não apenas as penalidades, note-se - e o perdão estão assim condenados ao caixote do lixo da tranquilidade artificial. Porque também no mundo interior os nossos contemporâneos abdicam cada vez mais de ser entes multifacetados, para se reduzirem a consumidores de pílulas.

2 comentários:

cristina ribeiro disse...

Caro Réprobo,
Encaremos a negra realidade:a Irresponsabilidade domina!
Beijo

O Réprobo disse...

Oportuna Cristina,
...o que é a maneira mais fácil de suprimir a pungência do arrependimento sincero, a qual vende mal, hoje por hoje.
Beijo