sábado, 5 de maio de 2007

Olimpo Tripeiro

Em terra que não é só de Portistas, pois são muitos mais os Portuenses, Ute Lemper não poderia homenagear a sua audiência adoptando os azuis do FCP. Diplomata que é, optou antes por referir o seu gosto pelo Vinho do Porto, dando assim uma ferroada na prosápia inglesa que dá o ex-libris do Douro como The Englishman´s Wine. Nalguns sempre me irritou, precisamente naqueles que usam tão licoroso líquido para acompanhar a refeição, produzindo o nosso País tipos de vinho muito mais adequados ao efeito e sendo o primeiro produzido na região, antes da comercialização britânica, um normal vinho de mesa, embora de qualidade. Com tal hábito apetece perguntar: Porquê a modificação? Agora, nada admira que uma Diva ame este produto da Excelência, pois já João Saraiva punha os Deuses do Olimpo doidos varridos por ele, com crítica à antecessora da ONU e tudo:
AUTO DO VINHO DO PORTO ou UMA PARTILHA NO OLIMPO

PRÓLOGO

(Baco passa em revista a sua garrafeira;
Pára em detido exame a certa prateleira,
Onde pôsto a recato um velho «Pôrto> havia,
E empalidece ao ver uma ânfora vazia.)


BACO

- Por Júpiter! roubado! E logo - ó maldição! -
O meu vinho melhor!... Quem seria o ladrão?
Será crível que esteja entre os deuses do Olimpo?
Eis a grande questão que vou tirar a limpo!...

ACTO ÚNICO

(Na Assembleia dos deuses. Sentados em humiciclo, diante do trono de Júpiter, que empunha um feixe de raios, os deuses observam o rosto consternado de Baco, que acaba de depôr a sua queixa).


JÚPITER

- O caso, amigos meus, resume-se em bem pouco:
É Baco que se queixa, a chorar como um louco,
De que alguém lhe bebeu uma ânfora de «Pôrto».

BACO

- É uma dor sem alívio, um pesar sem confôrto!

JÚPITER

- Pois bem. Eu vou dizer-te, ó Baco, quem bebeu o divino licor...

BACO

- Ah, vós sabeis?

JÚPITER

- Fui eu!

(Os deuses entreolham-se, estupefactos)

BACO

- Abusais do poder! Mas dizei: que razão
Vos leva a cometer tão injusta agressão?
Temos vivido em paz; mas se esta paz se quebra...

MARTE
(desembainhando o gládio)


- O meu gládio não treme!

BACO

- Eu recorro a Genebra!

JÚPITER

- O tesouro de Baco é causa de discórdia?
Repartamo-lo, pois!

BACO

- Oh, não! Misericórdia!

JÚPITER
(com grande fleugma
)

- O «Pôrto», a não ser eu, quem ousa pretendê-lo?
Não há vinho melhor, como deveis sabê-lo!
Por êle é que eu deixei o nectar que bebia,
E - o caso é de notar - nunca mais tive azia...

VÉNUS

- Prefiro o Champagne

MARTE

- Eu, que apavoro a terra,
Reclamo (é o meu direito!) as bebidas de guerra!

JÚPITER

- É justo. E tu, Neptuno? escolhe, ó Deus dos mares!

NEPTUNO

- Eu fico satisfeito em tendo à mão Colares.

APOLO

- Eu quero Chambertin.

MINERVA

- Eu, Tokai...

DIANA

- E eu Xerez!

JÚPITER

- Tu, deusa da justiça, ó Témis, tu talvez,
Queiras Chipre ou Madeira...

BACO
(indignado)


- Isto é demais! Protesto!

TÉMIS

- Segundo o meu costume, ó Jove, eu levo o resto!

JÚPITER
(levantando-se para encerrar a audiência)

- A partilha está feita; Amigos, tenho dito!

BACO
(erguendo os braços num apêlo desesperado)


- E a mim, o deus do Vinho, o nume favorito
Do Homem que na terra o meu culto celebra,
Que me deixais ficar?

JÚPITER
(imperturbável)


- Disseste-o já: Genebra!

4 comentários:

Anónimo disse...

Los franceses llamaban a los españoles "bebedores de agua" (por beber agua en las comidas " da torneira.......)

cristina ribeiro disse...

Este Júpiter nunca me enganou;espertinho,hem?E não valeu de nada(as usual)a Baco o recurso a Genebra...
Como diria um meu conhecido:eheheh.

O Réprobo disse...

Ah, Caro Çamorano, desconhecia a chalaça!
Abraço

O Réprobo disse...

E Amável Citadora, atentemos em como a paródia é certeira: o Poder a alapardar-se com o que julga ser o melhor, a Justiça contentando-se com as sobras.
Beijo