quinta-feira, 3 de maio de 2007

Têmpera, Tempero, Temperamento

Dei ontem, num espantoso Alfarrabista de Lisboa, com uma raridade digna de nota: uma brochura com um discurso de Alfredo Pimenta, a três anos da data da morte, numa ocasião em que, mesmo que o Autor protestasse o contrário, o tom celebrativo da sua acção pública ia ao ponto de creditar a edição das palavras na ocasião proferidas "aos que as ouviram e aplaudiram". Mas nem foi a satisfação de ver outrem ceder infantilmente à vaidade, nem o facto de ser das obras apimentadas com que menos se topa que me impressionou mais. Foi, sim, a invulgaridade e ver um feitio pouco maleável como o do sábio polemista de Guimarães dizer bem de um opositor, Lopes de Oliveira, na circunstância. E de me chamar a atenção para o paralelo com algum desencanto em que me arrasto à beira da letargia e que urge contrariar:
Será porque as coisas não correram como eu sonhara e queria, tão depressa como eu queria e sonhara, e no sentido do interesse superior da nossa terra?
O enquadramento geral irmana-me ao grande Lutador, que, contrariando as imprecisões ou fantasias de Latinidade, Hispanidade e Lusitaneidade, faz radicar no que afinal é o nome que carregamos a única via que me aparece como consentânea com a naturalidade e certeza de rumo nacionais:
- monárquico, mas da Monarquia que fez a Nação, e não da que começou a desfazê-la; da Monarquia em que o Rei é a síntese viva do Povo; da Monarquia que ama o Povo, que se confunde com o Povo, que é o próprio Povo mas o Povo verdadeiro, e não o Povo dos Partidos, o Povo pulverizado em indivíduos que são números; a Monarquia que é o próprio Povo, o Povo trabalhador, - camponês, soldado, marinheiro, artífice, doutor, padre, letrado, sábio, artista, funcionário, e não o Povo vadio e tunante das conjuras, das alfurjas, dos apetites das facções, dos grupos e dos clubes políticos, dos demagogos e arruaceiros.

Devo dizer que sempre foi para mim surpresa incessante o facto de o nosso Autor se ter dado, de princípio a fim, por entre ventos e marés, às mil maravilhas com Salazar, quando outros, com mais pormenorizada sintonia doutrinária e egos aparentemente menos omnipresentes, dele divergiram e com o regime se zangaram. Agora que a moda torna a levar na crista da onda o Timoneiro do bem-amado País de antes do retorno ao Rectângulo e Ilhas Adjacentes, oiçamos, embevecidos, a apreciação de AP:
Entre os títeres que representam o bloco ocidental e o Neo-Czar de todas as Rússias - um Homem, com H grande, que não é americano, nem russo, nem inglês, nem escandinavo, nem francês, nem abexim; um Homem que não dispõe de exércitos nem de esquadras, de bombas atómicas ou de votos; um homem que não anda turisticamente pelas salas das conferências, nem é chamado aos conclaves dos medíocres, porque os confundiria a todos. Esse homem é português e dispõe tão só da sua Inteligência culta, da dialéctica honesta das suas razões sinceras, da profundeza e da substância das suas doutrinas sãs - e chama-se Salazar.
A partir daqui é que a porca torce o rabo, quando o conferencista se lamenta de o "ar do país" não ser o mesmo de antes da Guerra, sem anti-comunismo de massas que se visse, com cedências na permissão de listas desafectas à Situação, bem como a evaporação do estilo marcial da Mocidade e Legião Portuguesas e das campanhas doutrinárias do Rádio Clube; tal como de a situação internacional dos primórdios da Guerra Fria pretensamente lhe dar razão nos desejos repetidamente formulados da vitória do Eixo, aqui suavizados no enunciado pela necessidade de conter o Comunismo. É extraordinário e descoroçoante como o Vimaranense Investigador não vê que esses desgostos que proclama estavam em directa contradição com o trabalho político do Estadista que tanto estimava. Os desfiles uniformizados de fachada e os votos (não menos uniformizados e não menos de fachada, salvo do que de "facho" se possa querer extrair) eram amendoins atirados pelo Gigante de Santa Comba aos temperamentos excitados de Nacionalistas Revolucionários, num caso, e de Democratas, no outro, afinal ambos ofertantes à demoníaca entidade que era a Revolução, tão instintiva e racionalmente execrada pelo Presidente do Conselho. Como me parece uma completa capitulação analítica tentar ver a Cruz defendida por cruzes gamadas, onde o sentido "roubadas" muito bem calha, as quais pretendiam precisamente subverter o magistério de Roma pela atomização neo-pagã de grupos geográfica e historicamente distantes de nós. Como me surge inacreditável a renitência em não valorizar a opção salazarista do bloco com que colaborar, dentro da neutralidade que constituiria o único posicionamento capaz de servir a Portugalidade de que o Teorizador se asume.
Luzes e sombras de uma mente brilhante numa capacidade de relacionamento bem mais sombria...

8 comentários:

cristina ribeiro disse...

Caríssimo,
ao ler este seu post,e vendo a boa impressão que tem do meu conterrâneo,lamento que não tenha assistido ao encontro,penso que a propósito da doação do seu Espólio ao Arquivo Municipal,presidido por António Manuel Couto Viana,e no qual o meu Pai,admirador confesso do Historiador(de quem possui vários livros),esteve presente,e do qual veio encantado.
Confesso que não sei nada sobre o seu pensamento,embora tenha ali na estante,à espera que a leia uma biografia sua.
Beijo

Flávio Santos disse...

Muito bem vista a simpatia para mim dificilmente compreensível de Alfredo Pimenta pelo nacional-socialismo, que infelizmente influenciou (e ainda influencia) gerações de nacionalistas. Bastou o Prof. Brito pegar no "facho"...
Um abraço e obrigado pela recensão.

O Réprobo disse...

Ai, Cristina! fico com água na boca. Devo dizer que sou mais da escola de Sardinha, mas convivi muito com os livros de AP por ser o Autor preferido de meu Pai. Era Historiador de tomo, manejava realmente as fontes, não se tratava de mero divulgador, como outros que, no entanto tinham méritos e importância próprios.

Está-me cá a parecer que eu e o Seu Pai temos muito em comum, como também, decerto, os afectos que a Minha Amiga desperta em ambos.
Beijo

O Réprobo disse...

Meu caro F.Santos,
é uma contradição dificilmente explicável. Penso que devemos procurá-la no facto de Pimenta ler directamente os sábios alemães no respectivo idioma, o que era raro à época, daí sobrevindo a ilegítima extrapolação, contudo comum a bastante gente, de que "tudo o que vinha da Alemanha era sábio".
Abraço

Anónimo disse...

"- monárquico, mas da Monarquia que fez a nação, e não da que começou a desfazê-la"

assino por baixo

O Réprobo disse...

Há que distinguir, com efeito, Caro Anónimo. Uma Monarquia minada pelos partidos sê-lo-á, verdadeiramente? Pode, evidentemente, fornecer um Referencial de Herança Régia a que exilados interiores de motivações diversas aspirem para legitimar a respectiva vontade de servir. Mas seria menos do que nada no balanço geral da governabilidade da Coisa Pública, salvo no facto de se oferecer menos um pretexto de dissenção.
Grato pelo contributo

JSM disse...

Uma troca de comentários à antiga, com nível e com a emoção que vem da verdade! Já tinha saudades de passear na minha rua...
Também gostei da frase - 'monárquico, mas da Monarquia que fez a Nação...", eu prosseguiria, da monarquia que nos une a todos, Pátria comum onde respeitamos os 'egrégios avós' e onde esperamos ver nascer os nossos filhos.
Abraço.

O Réprobo disse...

Espero, excelso JSM, que Se digne passar muitas vezes mais por esta viela, de modo a inspirar-nos.
Forte abraço