sexta-feira, 1 de junho de 2007

A Dopagem dos Convívios

Lendo este belo postal do BOS sobre o policiamento dos ódios, deixei-me transportar para reflexão sobre que somos tentados a ver como versão tépida deles, a maledicência. Porque tem razão este outro Expoente do bloguismo, sobre o carácter nacional-unitário dos pequenos grupos, em Portugal, mas só se já existe uma solidariedade adquirida. Quando a intenção é atrair um estranho para o nosso lado o caminho mais curto é sempre dizer mal de um terceiro, expediente social muito em uso para além da expiatória classe dos taxistas que exerce esta via quase por dever profissional.
O que nós temos como prescrição utilitária de conduta é visto em França como pura arte. Coisa bem desenvolvida nesta obrita, escrita sumptuosamente, em que Hermant relata como, em Itália, travou conhecimento com Médisance, elle-même, aparecida e tagarelando sob feminina forma alegórica. A defesa que de si faz é convincente, declarando-se essencial ao interesse da conversação neste Ocidente em que as gentes reunidas conversam obrigatoriamente, mesmo que nada tenham a dizer umas às outras, ao contrário dos Asiáticos que se permitem encontrar-se e permanecer em silêncio; pintando-se como morena picante, quando a sua melhor amiga, a neologística "Bem-Dicência" seria uma loura bela mas desmaiada e enjoativa.
Os pontos nos ii continuam a ser postos quando se revela como irmã gémea da Ironia e separa as águas, demarcando-se da Calúnia, porque, ao contrário desta, a nossa amiga seria desinteressada e, nessa medida, não-integrante do Ódio. Quando o Autor, em Cardeal Diabo revestido, lhe atira que o pretendido papel catártico que desempenharia não passa de um remédio homeopático, recebe a resposta de que o essencial é que cure, tal a missão aristotelicamente outorgada a trágicos e cómicos por Aristóteles.
Momento maior é aquele em que diz só os gauleses estarem predestinados a ela, eliminando-se de Alemães, por banalidade, Ingleses, por espírito positivo, Norte-Americanos, por inocência, Escandinavos, por puritanismo e Italianos... por levarem o amor demasiado a sério.
Dos Lusos não fala. Mas é de crer que a nossa proverbial fidelidade à dama que é não seja de molde a estimular o reconhecimento desta vivaça amante das relações movimentadas!

2 comentários:

cristina ribeiro disse...

Uma perspectiva bem humorada de ver a questão.

O Réprobo disse...

E escrita com brilhantismo. O Hermant era dos que sabiam da poda.
Beijo