A Dopagem dos Convívios
Lendo este belo postal do BOS sobre o policiamento dos ódios, deixei-me transportar para reflexão sobre que somos tentados a ver como versão tépida deles, a maledicência. Porque tem razão este outro Expoente do bloguismo, sobre o carácter nacional-unitário dos pequenos grupos, em Portugal, mas só se já existe uma solidariedade adquirida. Quando a intenção é atrair um estranho para o nosso lado o caminho mais curto é sempre dizer mal de um terceiro, expediente social muito em uso para além da expiatória classe dos taxistas que exerce esta via quase por dever profissional.O que nós temos como prescrição utilitária de conduta é visto em França como pura arte. Coisa bem desenvolvida nesta obrita, escrita sumptuosamente, em que Hermant relata como, em Itália, travou conhecimento com Médisance, elle-même, aparecida e tagarelando sob feminina forma alegórica. A defesa que de si faz é convincente, declarando-se essencial ao interesse da conversação neste Ocidente em que as gentes reunidas conversam obrigatoriamente, mesmo que nada tenham a dizer umas às outras, ao contrário dos Asiáticos que se permitem encontrar-se e permanecer em silêncio; pintando-se como morena picante, quando a sua melhor amiga, a neologística "Bem-Dicência" seria uma loura bela mas desmaiada e enjoativa.
Os pontos nos ii continuam a ser postos quando se revela como irmã gémea da Ironia e separa as águas, demarcando-se da Calúnia, porque, ao contrário desta, a nossa amiga seria desinteressada e, nessa medida, não-integrante do Ódio. Quando o Autor, em Cardeal Diabo revestido, lhe atira que o pretendido papel catártico que desempenharia não passa de um remédio homeopático, recebe a resposta de que o essencial é que cure, tal a missão aristotelicamente outorgada a trágicos e cómicos por Aristóteles.
Momento maior é aquele em que diz só os gauleses estarem predestinados a ela, eliminando-se de Alemães, por banalidade, Ingleses, por espírito positivo, Norte-Americanos, por inocência, Escandinavos, por puritanismo e Italianos... por levarem o amor demasiado a sério.
Dos Lusos não fala. Mas é de crer que a nossa proverbial fidelidade à dama que é não seja de molde a estimular o reconhecimento desta vivaça amante das relações movimentadas!

2 comentários:
Uma perspectiva bem humorada de ver a questão.
E escrita com brilhantismo. O Hermant era dos que sabiam da poda.
Beijo
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