Contestação do Vazio
Filho Único de Csaba Osvath
Sem vocação para, com dolo, burlar os Outros, desde muito cedo me revelei exímio na arte de enganar-me a mim. Deixei para trás o sofrer próprio de ir crescendo entre adultos, com o escape de "observar para conseguir ser sensível" onde, doutra forma, não o seria. Passada, portanto, a altura própria da necessidade das partilhas infantis, exultei com a condição de rebento solitário, animadora na e da idade do egoísmo, adolescência e começos da virilidade, só mais tarde notando que o que me tentava atribuir como endurance mais não tinha, afinal, feito do que lavrar o terreno para a agudez da falta que a dor suprema da Perda viria a fecundar. Pobre momento de conflitos de nostalgias, a Do que conheci e a do que nunca tive, entrelaçando-se uma na outra e mentindo-me, por sua vez, ao sugerir-me que a situação inverificada seria génese de suportabilidade maior, droga entre tantas outras com que o nosso intelecto se entretém no vivificante jogo dos ses...
De Carlos Queiroz,
UMA PONTA DO VÉU
Nunca tive irmãos.
Assim, na minha infância, há um grande silêncio
Que vem de brincar sozinho
No lusco-fusco dos recantos
Das salas e dos pensamentos
- Terrivelmente sério,
Como os artistas inspirados.
Nesse tempo nasceu este desdobramento
E esta solidão onde ainda se cruzam
(Inquietos, calados, transparentes),
Fantasmas e fantasmas de meninos
Que se sentem sozinhos.
Era preciso alguém que de mim se escondesse
Era preciso alguém que eu agarrasse -
Era preciso alguém que tivesse a coragem
De pôr a descoberto as minhas fraquezas,
De rir das minhas precocidades ridículas
E de chorar comigo sem disfarce,
À hora fecunda dos medos.
Assim eu me escondia de mim mesmo,
Atrás das árvores, dentro dos armários,
No faz-de-conta dos espelhos.
Assim eu me agarrava pelos braços, pelas pernas
E me impedia de ser natural
Nos meus gestos e nos meus passos.
Assim eu próprio me dirigia insultos,
Sem reacções nem surpresas.
Assim compreendi, cedo de mais,
Que a alma é uma coisa que se deve esconder
- Como fazem os homens.
Nunca tive irmãos.
Nunca ninguém cresceu, hora a hora, a meu lado,
Repartindo comigo a ternura, a tristeza,
Os brinquedos, os doces, os castigos
E os mistérios do lar.
Assim, todo o imenso amor de mãe,
Toda a profunda incompreensão dos adultos,
Todo o mal que se faz por engano ou vaidade,
Todo o bem que se faz por vaidade ou engano,
Todo o mistério sem mistério,
Desabaram, inteiros, sobre mim.
E a minha infância suportou, sozinha,
O peso desse fardo maravilhoso
- Embrulhado em silêncio
E atado com fios de poesia.
Sem vocação para, com dolo, burlar os Outros, desde muito cedo me revelei exímio na arte de enganar-me a mim. Deixei para trás o sofrer próprio de ir crescendo entre adultos, com o escape de "observar para conseguir ser sensível" onde, doutra forma, não o seria. Passada, portanto, a altura própria da necessidade das partilhas infantis, exultei com a condição de rebento solitário, animadora na e da idade do egoísmo, adolescência e começos da virilidade, só mais tarde notando que o que me tentava atribuir como endurance mais não tinha, afinal, feito do que lavrar o terreno para a agudez da falta que a dor suprema da Perda viria a fecundar. Pobre momento de conflitos de nostalgias, a Do que conheci e a do que nunca tive, entrelaçando-se uma na outra e mentindo-me, por sua vez, ao sugerir-me que a situação inverificada seria génese de suportabilidade maior, droga entre tantas outras com que o nosso intelecto se entretém no vivificante jogo dos ses...
De Carlos Queiroz,
UMA PONTA DO VÉU
Nunca tive irmãos.
Assim, na minha infância, há um grande silêncio
Que vem de brincar sozinho
No lusco-fusco dos recantos
Das salas e dos pensamentos
- Terrivelmente sério,
Como os artistas inspirados.
Nesse tempo nasceu este desdobramento
E esta solidão onde ainda se cruzam
(Inquietos, calados, transparentes),
Fantasmas e fantasmas de meninos
Que se sentem sozinhos.
Era preciso alguém que de mim se escondesse
Era preciso alguém que eu agarrasse -
Era preciso alguém que tivesse a coragem
De pôr a descoberto as minhas fraquezas,
De rir das minhas precocidades ridículas
E de chorar comigo sem disfarce,
À hora fecunda dos medos.
Assim eu me escondia de mim mesmo,
Atrás das árvores, dentro dos armários,
No faz-de-conta dos espelhos.
Assim eu me agarrava pelos braços, pelas pernas
E me impedia de ser natural
Nos meus gestos e nos meus passos.
Assim eu próprio me dirigia insultos,
Sem reacções nem surpresas.
Assim compreendi, cedo de mais,
Que a alma é uma coisa que se deve esconder
- Como fazem os homens.
Nunca tive irmãos.
Nunca ninguém cresceu, hora a hora, a meu lado,
Repartindo comigo a ternura, a tristeza,
Os brinquedos, os doces, os castigos
E os mistérios do lar.
Assim, todo o imenso amor de mãe,
Toda a profunda incompreensão dos adultos,
Todo o mal que se faz por engano ou vaidade,
Todo o bem que se faz por vaidade ou engano,
Todo o mistério sem mistério,
Desabaram, inteiros, sobre mim.
E a minha infância suportou, sozinha,
O peso desse fardo maravilhoso
- Embrulhado em silêncio
E atado com fios de poesia.
2 comentários:
Caríssimo,
claro que não lhe vai servir de consolo,mas olhe que mesmo o facto de se ter muitos irmãos não é garantia de ausência do Vazio,ainda que,é certo,em momentos de maior fragilidade saibamos que temos sempre alguém com quem contar,particularmente naqueles de Perda,como a que o Amigo sofreu há pouco.
Mas nessas alturas temos de nos apoiar nos amigos,tenhamos irmãos ou não;é verdade que o buraco negro que assim se abriu irá permanecer,mas não podemos nunca deixar de construir pontes com os outros.
Eu sei,se sei,que falar é fácil,mas o Vazio fica connosco...
Beijo
Mas, Reconfrtante Cristina, centrava-me agora mais no amor compartilhado que poderia ter existido nesse momento terrível e não houve, por falta de comparência de parte dos sujeitos. Não falava da falta de apoio, que nunca se verificou, Tais foram os Amigos.
Beijo
Enviar um comentário