terça-feira, 8 de maio de 2007

Da Superioridade do Ensino



Tem a solidariedade institucional destas coisas: o Presidente Cavaco disse que era necessário reformar a Universidade e o Governo, pressuroso e voluntarista na tentativa de corresponder à preocupação de Belém, entendeu o alvitre no sentido de ser preciso mandar a instituição para a reforma. A aventada possibilidade de transformar faculdades em fundações não é, não pode ser num governo socialista, a pura rendição ao prestígio da magia do aligeiramento das responsabilidades do ministério da tutela. Nem parece que seja só um desforço perante uma instituição que, tendo facilitado os socráticos caminhos ínvios para o canudo, não soube calar o carácter, ahaaam, paralelo do mencionado percurso.
O caso tem alicerces mais antigos e radica no diagnóstico que há dois séculos nos fazemos de diplomomania aguda. No livro com capa reproduzida Domingos Tarrozo já ia resmungando:
N´este ditoso paiz, para se poder ser qualquer cousa ou tudo, é apenas necessário, - mas indispensável, - mostrar um trapo de papel, vergonhoso e humilhante, em que os professores encartados dos lyceus e das escolas superiores, - herdeiros e representantes da antiga esupidez do ensino e da velha ignorância nacional, digam em nome della: - «Acabamos de dar a este homem muita, boa e bem organisada massa cerebral: logo, fornecemos-lhe o espírito, o talento, a sciência e o genio. Cursou! Examinado! Approvado nas lindas disciplinas officiais. Pagou as propinas, tinha bom dinheiro e gastou-o. Por conseguinte, sabe tudo! Póde ser tudo! As leis assim o querem. Ahi vai um sábio!
Devo confessar que a minha atitude relativamente à Universidade é mais matizada. Não gostei nadinha dos cinco anos que lá passei e continuo a interrogar-me como puderam concluir o curso algumas luminárias que lá conheci. Mas o facto de vivermos numa Nação em que, apesar dos pesares, os dois maiores historiadores contemporâneos, Herculano e Oliveira Martins, não dispunham de qualquer canudo deve fazer-nos pensar duas vezes sobre a impenetrabilidade do alegado monopólio. O Autor, que dedica ao Segundo dos Expoentes referidos o seu livro, deveria ter pensado duas vezes sobre se essa intenção lhe não derrubará a tese.
É que se não deve confiar-se na uniformidade de pensamento ditada pela cátedra, que tenderá sempre a permitr apenas os limites de liberdade que julgue toleráveis, também no auto-didactismo existem fanatismos iguais ou superiores, com a agravante da ausência de rotinas metodológicas que constituam um apoio medíocre, mas ainda assim um apoio. Acresce que a capacidade de se mover em sistema adverso até atingir o estatuto que permita divergir pode não só ser triagem de qualidades, como aguçar uma arte académica que conceda princípios de asas aos mais carentes.
O problema não estava em prioridades concedidas aos diplomados, com o inerente prestígio com que eram olhados, como não está no facto de essa miragem ter conduzido a uma produção em série de habilitados a coisa nenhuma, por não haver a que os empregue. Estava, sim, em se ter abdicado de uma ideia elitista para o Ensino Superior, reduzindo-o a uma instilação de princípios que interagisse com o mercado, ou por ele fosse eliminada. Desde o princípio que se deveria formar os alunos universitários para formarem a elite do Estado, o seu funcionalismo, com uma disciplina rígida e uma mnistração de conhecimentos cujo eclectismo transcendesse, embora não eliminasse, especializações necessárias. Com a medida do que Serviço Público precisaria seria possível permitir aos excedentes o emprego em sectores que seriam meos respeitados, embora talvez pior remunerados, evitando a oferta desenfreada que conduz ao desemprego que nem é uma coisa, nem a outra.
Mas que não se caia no pensamento anti-universitário, nem na oficial concessão de particularizar (mesmo que não privatizar, note-se) cada terminal de ensino. Ou mergulharemos no domínio das seitas, sempre mais temível do que o das Igrejas.

2 comentários:

Je maintiendrai disse...

Muito para comentar e já pouco tempo para o fazer... Parabéns por ter lançado a malha nesta discussão a que poucos nestas bandas dão relevo...

O Réprobo disse...

Obrigadíssimo, meu Caro JM. Cá espero a volta para salvar as minhas digressões adicionais sobre o tema com os comentários que se dignar fazer.
Abraço