terça-feira, 27 de novembro de 2007

Vida de Gato

A Apoteose da Câmara das Maravilhas de Kircher no Museu do Colégio dos Jesuítas de RomaNo dia desse estranhíssimo e obcecado erudito que foi Athanasius Kircher, gostaria de mencioná-lo brevemente como exemplo de quanto a abstractização, a demanda do conhecimento sem inserção na esfera sentimental e o espírito de ajuntador podem tornar monstruoso um homem cultivado. O mal deste Reverendo Padre foi ter esquecido o Amor da Mensagem inscrita no nome da Companhia e a recomendabilidade do esforço de agradar essenciais à convivência sã com o Próximo. Aqueles que o dão como émulo de Leonardo caem precisamente no mesmo erro, ao prescindirem de um requisito que lhe faltava, o da criatividade expressa na realização plástica que cativa. Prisioneiro originário do estudo das Matemáticas, delas deu o salto para a dissecação linguística e a análise musical, duas aplicações práticas delas, com a esterilidade de quem abdica do aspecto encantatório de ambas. Dois outros refúgios que procurou transmitem a mesma nota de desumanização: o esoterismo das correspondências herméticas dos obeliscos e a acumulação no extraordinário Museu que fundou. A ambas faltava o objectivo de serviço afectivo. A invenção da Lanterna Mágica, ancestral invocada do Cinema, facto pelo qual é mais conhecido, enferma da mesma pecha - a da duplicação da imagem do que é Único, desprovida da Arte que lhe desse alma.
Estava desbravado o terreno para a escorregadela maligna. Não se coibiu de arquitectar, para distracção dum ocioso, este pianogato, feito à base de agulhas que picavam as caudas dos pobres inocentes, quando se premiam as teclas respectivas. Parece que houve quem apreciasse os miados aflitos e doridos dos bichos...
Para que se veja bem como a obsessão pela compilação de saber pode piorar um homem, afastando-o, irremediavelmente, da Sabedoria.

16 comentários:

T disse...

Coitados dos bichos.
Estes três cá de casa estão todos ao sol com ar regalado.
O inventor era um sádico, só pode.
Bjs

O Réprobo disse...

Insensível, diria antes. É essa a essência do postal: como estudar demasiado, ao ponto de não se pensar em mais do que computar dados e associações, pode levar a perder a noção do Bem e do mal nos relacionamentos humanos ou com os outros animais.
Quando a minha gata foi atropelada fiquei todo arrepiado ao ver a veterinária picar-lhe o rabinho para verificar se havia reacção...
Beijinho

Inês Ramos disse...

Um horror, sim... E não tem nada de sabedoria, antes de sadismo e cobardia. Porque não experimentou ele com leões?
:(

Inês Ramos disse...

Sempre queria ver se não era logo engolido à primeira picadela...

T disse...

É como nas touradas..deviam ser toreados os toreiros.

T disse...

Vá à minha sobrinha:)
Ela é óptima a tratar de bichos.
Bj

O Réprobo disse...

Querida Inês,
exactamente! A indignação do comentário é uma variante do "mete-te com gente do teu tamanho!".
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida T,
Estou inteiramente de acordo... já que disso tanto gostam...
Viu a Buffy de ontem? Apareceu lá uma frase fantástica - "odeio o meu livre arbítrio"...

Foi há três anos. Espero que a macaquinha não me faça outra, mas fico alertado.
Bj.

Anónimo disse...

O Amigo gosta de nos irritar não gosta?! Eu digo-lhe o que eu picava ao inventor, tá claro....

O Réprobo disse...

E era muitíssimo bem picado, Querida Luar, para ver se servia de exemplo a outros malvados.
Beijinho

T disse...

oh..ontem não vi a Buffy:(
bj

O Réprobo disse...

Foi frase do muído maligno que resta, do bando daqueles três aspirantes ao crime, vexado por o Spike merecer tratamento melhor que ele.
Bj.

zazie disse...

O Athanasius Kircher foi genial mas esta história do paino não teve piada nenhuma. Ainda que seja muito antiga, já existiam órgãos de medievais que faziam o mesmo. Parece que eram usados na tradição das festas de Ceres

O Réprobo disse...

Querida Zaz,
mas que coisa, essa fixação em maltratar os animais! Li uma informação fabulosa sobre a vertente linguística do A. K. na breve «...História...» de José Pedro Machado.
E a gravura de cima tirei-a do livrinho do outro dia. Espantosa, não é?
Bjoka

zazie disse...

A gravura é um espanto. O Maeterlinck conta coisas horríveis que se faziam nos Países Baixos ainda no século XVIII

beijocas

O Réprobo disse...

Querida Zazie,
ainda hoje, em Ypres, há a Festa dos Gatos, em que o pessoal acha muita piada em atirar bonecos que os representem do alto de uma torre. Mas tempos houve em que não eram efígies a ser lançadas. Malditos!
Bjoka