quinta-feira, 28 de junho de 2007

Mitos e Crimes

Um Sacrifício Pagão de Garofalo

Dizia Chesterton que a Igreja Católica é o que nos impede de nos vermos submetidos à mais horrível das escravaturas, a de sermos filhos do nosso tempo. Talvez por isso, na altura em que a moda dita um misto de revivalismo fantasiado e violência, as edificações do Carolicismo são, também no sentido arquitectónico, os alvos mais seleccionados por movimentos neo-pagãos, porque a repressão dos escravos fugidos sempre foi dura. Assim aconteceu, uma vez mais, na Bretanha, com grupelhos pretensamemte celtistas a incendiarem capelas. A dinossáurica acusação, freita aos Cristãos, de intolerância é mera reabilitação de uma linhagem que muitos neo-pagãos querem fazer sua. Omitem voluntariamente, que a tolerância romana antiga para com as religiões alheias parava - e como! - quando era recusado o culto ao Imperador. E no caso da obediência à Roma Papal, as acusações estão neutralizadas pelas que protestantismos vários lhes fazem da perspectiva inversa, a da cedência a cultos e práticas pagãs. Porque muita da grandeza da Santa Madre Igreja vem do equilíbrio com que lidou com as práticas religiosas instintivas e adquiridas séculos antes da Mensagem da Salvação: assimilação de cultos e transferência de veneração de divindades mitológicas para Santos com curriculum adequado, no caso em que não contendesse com a doutrina; e enumeração entre os Demónios das que lhe fossem contrárias. A disciplina, inquisitorial ou outra, dirigia-se tanto ao que indignava o fervor dos Crentes, como à espontaneidade persecutória destes: as reacções contra as práticas, muitas delas abomináveis, de resto, da bruxaria, foram sempre mais drásticas quando deixadas ao elemento popular ou a colegialidades puritanas anti-papistas, que não dispunham da moderação dos ímpetos pelo processualismo. Mas isso já não é um problema religioso, é-o da Democracia, como no caso célebre de Hipátia, com as multidões cavalgadas por um ambiciso tribuno local, nas vestes de hierarca, antes da atribuição de madatos e mandados repressores específicos.
Sem Hierarquia Superior, os neo-pagãos decidem em cada descentralizada célula como afirmar as suas fidelidades, amiudadamente ao que não existiu como querem. Daí a expropriação da violência a que procedem nos nossos dias, em seu proveito reactivo.
A atitude correcta perante a mitologia viu-a há muito camões: aproveitá-la no plano estético, pondo-a ao serviço da Cruz que norteia.

10 comentários:

Flávio Santos disse...

Sem qualquer laivo de provocação da minha parte gostava de saber como é que o meu amigo interpreta o que foi feito aos cátaros.
Abraço.

O Réprobo disse...

Sem provocação alguma, e nada contende com o que digo. Sabes bem as barbaridades que esses fanáticos cometeram em todo o Sul de França, não sabes? A Cruzada e a fundação da Inquisição, excepcional na Idade média, apenas mais tarde espalhada e estatizada, funcionou como verdadeira libertação dos oprimidos pelo jugo da heresia dos "Puros". De resto, essa problemática não cabe bbem aqui, porque os próprios e os nostálgicos dos paganismos antigos clássicos não poderiam ver-se, sequer!
Abraço

c disse...

E a tantos, tantos outros.
(sendo certo que não é correcto assacar à Igreja católica o «monopólio» de tais destemperos).
Aliás, parece-me que não é só a Igreja Católica a ter que fazer pedidos de desculpa, mas esse é outro assunto.

Por essas e por outras é que não tenho religião. Nenhuma.
O meu «problema» não é com Deus (ou com a ideia da existência de Deus).
O meu «problema» é mesmo com as religiões.

O Réprobo disse...

Herr Gauleiter,
o ponto, claro está, era de hoje a intolerância estar erradicada da Igreja Católica, mas não de todos os seus inimigos que se reclamam do neo-Paganismo, sendo certo que os índices de dureza, mesmo em épocas mais violentas, foi sempre menor do que o dos antepassados supostos dos incendiários da actualidade..

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Desenvolva por favor Réprobo. Se possível não seja tão sucinto com a sua sabedoria. C'a gente até quer aprender.

Ah, e por ironia hoje tentei corrigir o meu post sobre Stonehenge, que ''se estragou'', no qual até entrava ''Romano'' versus os anti-Grego-Romanos modernos. Lol. Quis o destino que o longo ''discurso'' desaparecesse por entre faltas de rede de internet...

É evidente que vamos ter algumas lutas... :) Não queira reduzir a sabedoria antiga a estética de salão, que não o era. Nem tão pouco tudo era caminho que não desaguasse no Eterno. E não podemos confundir o que Camões disse para sossegar os profanos, com coisas mais profundas do mundo interior... ?

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Onde está modernos, leia-se ''contemporâneos'' por favor, enfim, ''de agora''- para evitar confusões...

O Réprobo disse...

Excelsa Terpsichore,
não serei eu quem reduza a «estética de salão» a religiosidade antiga, tentativa de render o culto devido à Divindade que ainda se não podia conhecer, porque prévia à Revelação. E que procurava em cada um dos deuses e semi-deuses o não-esquecimento de qualquer das múltiplas formas pelas quais o Sobrenatural se manifestava. O Emprego estético que defendo é muito mais que passatempo. É genuíno assombro e desejo de comunhão da nota de maravilha emergente da Criação.
Claro que me dará razão em que este espírito se não compadece com incendiários de capelas, eles próprios perseguidores do Belo.
É certo que se pode tentar voltar a Fontenelle - "A Bondade precisa de ser posta à prova, a Beleza não», para tentar, por via mais séria do que a facilidade do cómico, a oposição entre uma e outra. Mas por que não reconhecer a Perfeição como conjunção de ambas? E não prescindir da respectiva demanda?
Beijinho

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Oh caro! Did you say ''por que não reconhecer a Perfeição como conjunção de ambas? ''
Mas sim! Kalokagathia! O nome que dei ao minha casa dedicada às belas-artes!... :)


Obrigada, sempre, pelas suas respostas.

Mas numa coisa ainda, não posso concordar: que a Inquisição tenha libertado! Oh não, oh não! Pobres de nós! Há que reconhecer o nosso pecado, o erro, o mal.


Aliás condição para podermos chegar à libertação de outro mal ainda pior...

Cumprimentos

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Ai, que dor, estas lutas, estas lutas, estas lutas...

Que cansaço, esta humanidade!

O Réprobo disse...

Somos dois nessa fadiga, Magnífica Terpsichore. Mas atenção, eu disse que a Inquisição libertou, referindo-me apenas às vítimas das malfeitorias albigenses, nomeadamente os fracos sujeitos à potestade dos que aderiram à Heresia, em Toulouse e noutros lugares do Sul de França.
Beijo