domingo, 26 de agosto de 2007

Imagens da Leitura 8

O Livro de Poemas de Russell Flint

Não é da tentativa de poetar que falarei, pois já Chesterton dizia que ela era universal no Homem, desde o mais empedernido erudito ao mais espontâneo e iletrado pastor. Refiro-me, sim, à voga que teve a publicação de poemas entre tanto amador, nos múltiplos sentidos do termo, quantas vezes em "Edição de Autor". A razão tem uma origem interna e outra funcional. A primeira estava em a nossa cultura da segunda metade de Oitocentos e primeira do Século XX ter infundido a crença de que toda a alma tinha o direito a expressar artisticamente o Único presente no que sentisse; e que a poesia, por não enfronhar em noites de vigília e métodos outros que os dos manuais de versificação seria o expediente idóneo para o concretizar. A segunda motivação era a de ser tido como o meio por excelência para chegar ao coração da Mulher. Poucas seriam as que teriam paciência para estimar a dedicatória de um romance, ou de um tratado, em que muitas personagens ou ramificações temáticas lhes disputariam o papel de Centro das atenções. Enquanto que meia dúzia de estrofes eram fácilmente postas a falar apenas da Amada. E, com arte muito variável, grassaram os exemplos dessa preocupação.
Acresce que a ficção era tida, tanto em manifestações dos direitos do coração no Romantismo, como na relativa abjecção ditada pelo cansaço, do Realismo, como eventual força desagregadora do Matrimónio, enquanto que os versos apareciam como a natural declaração que poderia a ele conduzir, ou legitimar "com algum contributo estético" outro tipo de relação, em caso de impedimento proibitivo.
Deste império do sentir brotou a necessidade da resposta feminina. À conquista no sentido de acção sucedeu a necessidade de dar voz à Conquista, no sentido do Bem Requisitado. Daí que as Mulheres tenham começado, igualmente, a editar o que na alma lhes ia. Garantiu-se assim o efeito poético multiplicador, pois na boa sociedade não tardou a considerar-se a habilidade de versejar como um predicado mais, talqualmente saber tocar ou pintar. Realizando do melhor que conservamos, como muito lixo, porque, evidentemente, em Arte é a Forma o critério de qualidade, enquanto que a Sinceridade apenas o será na esfera do afecto.

24 comentários:

Anónimo disse...

E,Paulo,um exemplo acabado do que acaba de dizer,encontrei-o eu n'"Os Manuscritos de Gertrudes",cartas endereçadas a Camilo Castelo Branco,que trouxe só meio lidas,mas que já permitiram horas de verdadeiro prazer!
Beijo

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

...é verdade,"sentir, sinta quem lê" .

Eu gosto muito deste tema, que suscita sempre grandes discussões.
Está óptima, esta análise!obrigada por ela.

beijo!
júlia

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
oh vergonha, não li esse. Mas fez-me água na boca. Ainda anda pela Estranja? Estou a viver um período de horários difíceis, por causa dos Mundiais de Atletismo, mas tenho de Lhe enviar um mail, grato por certo correio que recebi anteontem.
Beijo

O Réprobo disse...

Obtigadíssimo, Júlia, fico muito contente por não haver desagradado. A Luar deu o mote e eu achei que podia virar nesta direcção, importante para uma série de ideias sobre a Leitura. Claro que hoje os tempos são outros, mas todos nós ainda contactámos com os resultados dessa concepção, generalizada ainda há décadas.
Beijinho

Anónimo disse...

Não,Paulo.cheguei há bocado.
O livro,que contém tais cartas,e belíssimos poemas,é da Guerra e Paz,e da autoria de Manuel Tavares Teles.Vale bem a pena!

O Réprobo disse...

Obrigadíssimo. Ah, é verdade, estou muito zangado com o empate do Seu Vitória na Catedral. Há coisas que não devem ser feitas em lugares sagrados!
Beijo

Anónimo disse...

Surpresa boa."Os Rapazes"bem precisam desse alento.
E assim não fica um a rir outro a chorar,mas com um meio sorriso :)
Beijo,sem zangas :)

Anónimo disse...

Surpresa boa! :)
Beijo,sem zangas

Anónimo disse...

Desculpe a repetição.Aqui está a trovoar,e o comentário nem sempre aparece,porque o computador falha.

T disse...

É uma boa ideia. Levar os Camilos para reler nas férias. Bem-vinda Cristina, beijinho

Anónimo disse...

Muito obrigada,T.
Temos de nos unir,para não deixar o Paulo ficar com aquelas ideias absurdas de abandonar o barco,que tanto gostamos de visitar.
Beijinho

Anónimo disse...

Paulo,
estive a ler o que lhe sugeriu o título de Stefan Bollman"Mulheres que lêem são perigosas",e lembrei-me de uma visita muito recente à casa de Seide,quando a guia disse que apesar de Camilo apreciar a escrita de Ana Plácido preferia tê-la a limpar o pó,e achava que as netas não precisavam de ir além da instrução que considerava o estritamente essencial.

T disse...

Ora bem, Cristina. De vez em quando ele tem dessas trenguices:)
E por sua culpa, vai a biografia do Camilo também para o saco de férias!
Beijinho

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Trenguices? Ó T!

Prefiro encarar de frente, neste caso, a relação entre o antiquíssimo entendimento da mulher como (um, seu) corpo, e a infelicidade de Camilo, (como de tantos outros), na companhia de quem a tanto desejara).

Dessa concepção partilham responsabilidade tanto os homens como as mulheres. Talvez estejam entretanto os débitos de culpa equitativamente equilibrados.

A indulgência para com a prática de tal conceito, é uma presença constante, assim como a exigência dessa condescendência. Daí eu dizer alguma coiss. Não é específicamente direccionado à muito perspicaz T! - mas trenguices o tanas...

Era o Minotauro em Camilo, é o que é - como em qualquer outro. Parece que afinal, no passado, estavam mais conscientes da necessidade de Teseu e Ariana, do que no presente.



:) Beijinho T - e boas férias

O Réprobo disse...

Bem, Cristina, podiam era ter evitado o sacrilégio, mas adiante. o Camilo talvez sentisse que depois de todas as barreiras e penas sofridas para se unir à Ana Plácido merecia uma dedicação integral dela e que a aplicação na leitura poderia ser uma quebra da exclusividade.
As netas terão comido por tabela...
Beijo

O Réprobo disse...

Pronto, T, estou bem arranjado! As pobres «afinidades...» suportam lá competição da verve camiliana!
Buáááá. Então a doçaria era para evitar este amargor, heim?
Beijinho

O Réprobo disse...

As paixões violentaS trazem destas, realmente, ó Terpsichore. Eu não digo mais sobre o assunto, porque não estou informado se a D. Ana Plácido não prezaria também essas trenguices...
Cada um deve ficar com o que o faz feliz e aos que ama, desde que não prejudique outrem.
Beijo

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Pela resposta, caro Paulo, vejo que o que tentei dizer, ficou mal dito e explicado...

O Réprobo disse...

Então?

T disse...

Ora Terpshicore:)
Se eu chamar palermoide ou burroide ao Paulo(quando afirma querer abandonar o blog)ele pode ofender-se e por isso não o fiz. Ele só não sabe que chamo isso aos meus amigos e com muito afecto.Recatadamente fiquei-me pelo trengo.
No resto: só vou de férias sábado!!!
Ainda tem que me aturar uns dias.
Quanto ao relacionamento entre homens e mulheres: devia ser tão simples e é tãoooooooooo complicado.
Beijinhos aos três:)

O Réprobo disse...

Credo!
Mas das Queridas Interlocutoras presentes "trengo, burroide ou palermoide" são evidentes miminhos. Não Se reprimam, por Quem são!
Beijinhos

Anónimo disse...

Outro ponto em comum,T;chamo "meu trengo",muitas vezes aos meus sobrinhos,que adoro,ou a outras pessoas próximas-para quem não esteja por dentro desses "códigos",será uma forma estranha de demonstrar carinho... :)
Beijinho

O Réprobo disse...

Yuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuupi!
Beijo

T disse...

Códigos nortenhos os nossos:)
Beijinhos Cristina