quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Da Impassibilidade

Retrato de Maquiavel na maturidade, com o
trajo de corte que sempre envergava para
redigir as suas obras

A defesa mais sólida e constante de Maquiavel diz que ele não desejava, do coração, a amoralidade do Príncipe, apenas enunciava a condição do êxito dele, dentro do universo político que observava. O perigo maior, todavia, não se reclinava nesse princípio da falta deles, viria com a idade, através do esbatimento das adesões e repulsas que Bem e Mal despertam, ou devem despertar. Com efeito, o Tratadista escreveria que um homem de merecimento, que conheça o Mundo, à medida que o tempo passa, sente-se menos tocado pelo Bem e menos ferido pelo Mal que vê no mundo. É este daltonismo moral que eu recuso. Não gostaria de que, progressivamente, a evaporação das surpresas ditada pelo pessimismo quanto ao que a Espécie nos reserva viesse em redundar em indiferença sentimental.
Mas ocorre-me que a frieza marmórea é um traço dos formalistas. O reputadíssimo Maestro Von Büllow, se não envergava de forma extraordinária farpela de gala para produzir, pois era essa a habitual exigência de indumentária para um chefe de orquestra, calçava sempre negras luvas para dirigir a Marcha Fúnebre, de Beethoven. E também era homem de renúncia às reacções apaixonadas. Se faz impressão a forma como abdicou da Mulher, por reconhecer os Direitos do Génio a esse Wagner que lha surrupiou, já fica muito melhor na fotografia pelo que retorquiu aos incorrectos que vaiavam uma obra de Liszt por si conduzida: Não é costume nestes concertos assobiar. Os Senhores assobiadores tenham a bondade de retirar-se. O que insinuava não estarem os manifestantes a ensaiar um protesto, mas a tentar fazer música, irremediavelmente inepta.
Conclusão a retirar: a fleuma vai tanto melhor quanto menos substantivas forem as circunstâncias.

2 comentários:

Anónimo disse...

Formas estranhas de viver,não?
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
como pode alguém viver sem optar e reagir em matéria de fundamentos mobilizadores? Mas já no que seja mero jogo social, a intocada manutenção do espírito parece invejável. Tenho-me perguntado muitas vezes se, no pano de fundo do jogo da corda entre impermeabilidade e rectidão, as incompatibilidades do Gosto não assentarão nas medidas diversas que cada qual se dá, perante pressões academicamente consideradas da mesma natureza.
Beijo