terça-feira, 16 de outubro de 2007

Os Caniches

A História televisiva, quando tenta agradar à linha oficial, é abaixo de cão. Mas os «Prós e Contras» de ontem esmeraram-se a tal ponto que só podemos detectar no programa os segundos. Foi uma penosa sucessão de autismos memorialistas que, anunciados como um debate em profundidade, se ficaram pela discussão da nomenclatura "Ultramar versus Colonial". Pouco, pouquíssimo. E uma falsa questão. Já se sabe que a criação das Províncias Ultramarinas foi feita com o intuito de justificar juridicamente a conservação dos territórios. A questão está em se foi ou não levado a cabo um esforço sério de efectiva integração. E ninguém que lá tenha vivido negará o empenhamento e investimento de um País tão pequeno e pobre, comparado aos britânicos, que apenas educaram o indispensável ao serviço da sua máquina administrativa, ou aos outros, que nem isso fizeram.
O único interveniente que tinha uma agenda articulada era Matos Gomes. Mas em que sentido, Santo Deus! Quem o ouvisse ficaria a pensar que Salazar fazia parte dos quadros dirigentes da UPA, ao escutar a peregrina tese de que fora o atraso no envio de meios militares contra uma eventualidade prevista que permitira os massacres com que a guerra começou no Norte de Angola. Passemos por cima da capitulação moral que é não condenar as barbaridades cometidas, como se de uma catástrofe natural se tratasse. Para além de não se perceber que tropas poderia o Presidente do Conselho enviar antes de neutralizados Botelho Moniz & Cª, se as que lhe eram hostis e decerto apressariam a entrega, se as que lhe obedeciam, entregando assim o poder em Lisboa, nem quero pensar no que seria, por ONUS e chancelarias fora, a peixeirada de acusações contra os infames colonialistas que, sem qualquer motivo visível, estacionavam meios militares importantes junto à fronteira do Congo, numa clara manobra intimidatória contra uma nação explorada e inocente...
Depois foram os habituais dislates sobre a "impossibilidade de se ganhar uma guerra de guerrilhas", como se os Ingleses o não tivessem feito no Quénia ou na Malásia, ou os MaoMaos e os Maoístas asiáticos se destacassem pelas manobras da sua infantaria de linha... Ou como se nós próprios o não tivéssemos conseguido, ultrapassando o momento da ausência de meios e da hostilíssima Administração Kennedy, criando uma situação de controlo que decerto aguentaria mais seis anitos. Não seria com Reagan, muito menos depois da derrocada soviética, que adviria a impossibilidade de conservar-nos em África. Mas os cãezinhos obedientes gostam de adivinhar os desejos dos donos em troca de umas festinhas...

A imoralidade de um regime republicano que se empenhou em transformar numa exploração colonial pura e dura a antiga presença baseada nas alianças da Monarquia com as chefias tradicionais africanas ocorreu-me quando vi quer as acusações da instituição colonial por Berlim, quer a promoção do Gungunhana a herói da resistência, por um ex-guerrilheiro da FRELIMO. Que as potências enforquem os inimigos que desrespeitam tratados, está muito bem. Mas que um pequeno país exile numa ilha aprazível, em melhores condições do que se fez a Bonaparte, um régulo que atraiçoou o acordo que os Vátuas tinham feito com a Coroa Portuguesa, para se procurar colar a quem via como mais poderoso, ali mesmo ao lado, passa a ser um acto de repressão! Tanto assim, que, nos Açores, o chefe africano e os ministros deportados, sentindo outra vez a nossa força - que era o que admiravam -, de imediato se converteram ao Catolicismo, sem que ninguém o tivesse exigido ou pressionado. Para além da capitulação perante um Mouzinho dotado de forças muito inferiores, salvo na coragem. Parece muito pouco para fazer um herói independentista.
A terminar, Fátima Campos Ferreira. Pior era impossível e eu, que a defendi em outras ocasiões, não tenho aqui como fazê-lo. Chamar "Mar à Vista" à célebre operação Mar Verde poderia ser um lapso. Mudar apressadamente de interveniente quando o Major Lobato disse que os governos ainda fazem acção psicológica sobre os seus nacionais passaria por mera tentativa de garantir o pão em tempos de vigilância apertada. O incómodo de ver o Embaixador da Guiné reduzir um feito nacionalista africano a um problema laboral quadra bem no incómodo ante o imprevisto. Agora confundir a Guiné com Angola e dizer que era nesta que a situação militar era menos boa e o território mais difícil é ignorância suficiente para justificar outra presença na apresentação do programa.
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8 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bic Laranja disse...

Não ligo nenhuma ao programa mas aprecio muito ler as crónicas que a mentecapta apresentadora inspira à confraria. Nesse sentido é um excelente programa.
Cumpts.

O Réprobo disse...

Pois, pois, Meu Caro Filomeno, mas se Salazar ainda vivesse e Franco não tivesse morrido logo a seguir, eu queria ver...
Abraço

O Réprobo disse...

Meu Caro Bic Laranja,
eu até sou dos que tentaram passar por cima de algumas saloiadas, como a célebre de dizer à Judite de Sousa que se abaixasse, numa ligação a um teatro de guerra. E o formato do programa impede qualquer profundidade, com a claque e os semi-espontâneos. Mas ontem foi de perder a paciência...
Obrigado, pela parte que me toca.
Abraço

Capitão-Mor disse...

Ainda bem que nem vi isso! Toca a afundar o nosso passado histórico, não é verdade?

JSM disse...

Caro Paulo Cunha Porto
Excelente texto informativo e esclarecedor! Vi de propósito o programa com um misto de vergonha e raiva. Não podemos fugir da realidade, e temos obrigação de reagir porque nem que seja uma pessoa que leia o contraditório a dúvida há-de instalar-se e muitas dúvidas podem um dia ajudar a mudar o rumo dos acontecimentos.
Um abraço.

O Réprobo disse...

Meu Caro Capitão-Mor,
uma tentativa de consensualizar um triunfalismo libertador da canalha abrilina, para quem os mortos trucidados pelos inimigos do Estado Novo são um detalhe sem importância e uma acção aproximadora das raças sob a mesma bandeira uma opressão ominosa.
Abraço

O Réprobo disse...

Meu Caro JSM,
pois eu vi-o sobretdo com pena. Daquilo em que nos tornámos, decerto. Mas também do estado dos intervenientes, incapazes nessa noute de dar uma para a caixa, salvo o tal coronel que se afoga nas próprias contradições, ao examinarmos com um mínimo de atenção o respectivo argumentário...
Abraço