domingo, 17 de junho de 2007

Cobras de Santa Engrácia

No caso de algum Leitor mais fiel estranhar o meu silêncio e a ausência da minha assinatura entre Os que, indignadamente, protestam contra a trasladação dos restos de Aquilino Ribeiro, como cúmplice do Regicídio, para o Panteão, aqui deixo uma explicação, porque não posso, não devo e não quero furtar-me a ela.
É decerto grosseria evitável juntar um matador a toda uma família que enlutou, quando não às próprias vítimas. Mas eu não esperava coisa melhor da República, logo acho-a coerente. E, ademais, o meu campo tem telhados de vidro na matéria. É que um regime do qual tinha expectativas melhores, o de Salazar, com a honrosa intenção de homenagear, meteu a pata na poça de forma similar: aquando da entrega do jazigo-monumento ao Rei D. Carlos e ao Príncipe Real D. Luís Filipe confiou a redacção e leitura do seu acto consagratório a Alfredo Pimenta. Ora, perguntar-se-ão Os que me seguem, o réprobo não tem em boa conta a obra do Homem? Porque protesta? E eu respondo que por muito grande que seja a minha vocação de admirar, ela é menor do que a minha capacidade de esquecer. O nomeado orador fora o que em tempos escrevera O imprevisto era o Buíça, que trazia nas suas mãos serenas e justiceiras, a sentença que um povo inteiro não tivera coragem de decretar e executar. Claro que a conversão ao ideal monárquico e a luta sem quartel que travou posteriormente contra os princípos e os fins republicanos resgatam. Como, igualmente, no caso de outro grande Doutrinador, António Sardinha, que ostentara gravata vermelha após o crime. Mas o bom senso e a rectidão desaconselhariam que a um ou a outro fosse confiada uma missão de que só uma fidelidade sem mancha poderia ser digna.
Da mesma forma, o caso de hoje. Não sei qual o grau de arrependimento que o escritor, grande como foi na prosa, terá vindo a sentir por haver participado nesse acto de ferocidade. Sei que os poderes actuais não dão como motivação da homenagem esse condenabilíssimo acto, mas a distinção nas Letras. Não vejo como protestar, apesar de toda a minha maioridade ter decorrido na fidelidade ao percurso histórico do Ramo Legítimo da Casa de Bragança, mas, ainda assim, não poder pactuar com a baixeza de pistoleiros, mesmo que as Vítimas pertencessem a uma linha usurpadora. Tudo o que posso é censurar a falta de maneiras do sistema e, nessa medida, assumir-me como patético, apodo dirigido aos entristecidos Monárquicos portugueses por um ocioso plumitivo o qual, todavia, terá visto bem o pathos, o sofrimento, que tantas insuficiências deixam no nosso espírito.
Sei bem que este post pode não agradar a gregos, como a troianos. Mas não sou homem de partido, nem que seja algum dos que comigo concordem. E não escrever o que penso seria cobardia.

6 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo,
aquando do encontro de que lhe falei há tempos(e sobre o qual me informei,entretanto,tendo ficado a saber que embora tenha coincidido no tempo com a cedência do espólio do Historiador,ele se realizou no âmbito de um "Encontro de Gastrónomos do Alto Minho",alguns dos participantes,entre os quais se encontrava Couto Viana,vieram cá a casa e António Valdemar dirigiu-se directamente a um livro,de onde leu esse mesmo trecho;confesso que na altura fiquei um bocado confusa,por não saber do percurso feito por Alfredo Pimenta.
Compreendo-o,pois,quando fala em telhados de vidro,mas não me consta que Aquilino tivesse mostrado qualquer arrependimento...

Gazeta da Restauração disse...

Caro amigo,

Compreendo todas as suas razões, menos a complacência com a "coerência" da República.
Assinei o documento de protesto porque representa, só por si, essa revolta necessária contra tudo o que o regime vai ditando como aceitável. É que por mais voltas que demos, a coincidência com o centenário do crime horrendo faz-nos remeter para o que os alinhados teimam em apelidar de cabalas sem fundamento, conspirações fruto de mentes perturbadas. Mas não são! São constatações mais que óbvias.
O homem podia ter sido o supra de toda a literatura lusa ou mundial, mas o regozijo com actos deploráveis faz indigna a sua pessoa de assumir tão nobre local de repouso. Hitler também escreveu supremamente bem, e nem por isso seria de colocar o seu corpo entre aqueles que se querem como referencias. O exemplo pode ser mau, mas pretende mas ser radical.

Assinei e mantenho a convicção de que fiz bem. Certo é que o homem descansará no panteão, façamos o que fizermos, mas fica o protesto dos que não se revêem na lógica de honras deste regime.

forte abraço

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
como escrevi, toda a obra posterior deve ter garantido a redenção, pois não foi uma mera palinódia final, ao ver chegar o dia do Juízo, mas uma luta de décadas, com todos os incómodos que acarretou. E até de perseguições, na parte desencadeada durante a I República. Mas continuo na minha, deveriam ter escolhido outro para arengar, na cerimónia. Exemplos de inalterabilidade na honra de servir não faltam, felizmente.
Beijo

O Réprobo disse...

Meu Caro Gazeteiro,
sou sensibilíssimo aos motivos da Sua indignação e não fora este mau precedente que citei, também a minha, provavelmente, se teria manifestado identicamente.
Só um esclarecimento: a falta de surpresa em ver a III República não se desgostar de um assassínio não é complacência, mas a confirmação amarga de que uma edificação vil não é capaz de condenar vilanias.
Abraço

Gazeta da Restauração disse...

E não será a passividade uma forma de complacência com o vil sistema?

O Réprobo disse...

Eu entendo-a como uma possível forma de nojo...
...mas faço o pouco que posso para exibir às Pessoas a ruindade da coisa.
Abraço