domingo, 30 de dezembro de 2007

Jogos de Luzes

Uma Cidade Medieval à Beira dum Rio de Karl Friedrich SchinkelComo dois Espíritos que muito prezo, a Cristina Ribeiro e o FSantos, se deram ao incómodo de abordar a atribuição das Trevas ao período que chamamos Medieval, quero deixar aqui duas notas.
Primeiramente, sublinhar que foi um feitiço que se voltou contra o feiticeiro. A expressão foi cunhada por um intelectual do período tardo-medievo, Petrarca, para apostrofar o barbarismo a que o emprego da língua latina tinha chegado na Alta Idade Média, grosso modo nos cinco séculos que precederam a passagem do Milénio, para o diferenciar do espírito que queria para o seu tempo. Os Historiadores gostaram muito da expressão e modificaram-lhe o sentido, designando como Idade das Trevas o mesmo lapso temporal, mas referindo-se à relativa escassez de fontes onde o descobrir.
Foi com os Iluministas, querendo-se monopolistas das Luzes, que outros contornos foram atribuídos à designação - o de tempos política, social e culturalmente sinistros, cheios de jugos opressores e desprovidos de alegria. E, castigando o inventor, adicionaram mais cinco séculos à "escuridão", nela englobando o momento que originalmente se queria contrapor à noção.
Depois da reacção Romântica, que sentia não ser assim, mas era incapaz de detectar cientificamente a base real da edificação da Comunidade, os historiógrafos orgulhosos que só viam progresso na Ciência - e ciência nas suas conclusões - retomaram a hostilidade dos Setecentistas, substituindo a animosidade declarada e algo legítima, porque assente no sentimento pessoal, pelo desprezo ensinado, ao popularizarem o termo "Média", inculcando não se ter tratado senão de um hiato entre os expoentes civilizacionais da Antiguidade e do Renascimento Tardio e Descobertas.
Contra estes lugares-comuns se insurgiu nobremente Cantu. E a investigação contemporânea tem vindo a desmentir a preguiça e má vontade que conduziu a tão grande falsificação da História. Para além da harmonia do Político com o Espiritual e da organização do grupo edificada de acordo com as necessidades de segurança e abastecimento da Época, floresceram centros culturais de primeira grandeza, não só nos conventos como hoje é geralmente reconhecido, como também na invenção da Universidade, a qual era, ao tempo, uma ministração do saber e do método à medida do aluno, não um pronto a vestir para um mercado concorrencial, como nos nossos dias.
Claro que na Contemporaneidade também surgiu uma oposição ao significado desses mil anos, em filhos bastardos do Iluminismo, como o importante Malraux. Escreveu ele que a Idade Média nos deu as duas piores invenções da Humanidade, o Amor Romântico e a Pólvora. Não é bem assim. O Amor dos Castelos e da Cavalaria não era o das lágrimas e desmaios do princípio de Oitocentos. E comparando-o com o que resta hoje, o das mensagens encomendadas para telemóveis, talvez não fosse mau de todo. Resta a Pólvora, mas essa não foi muito usada senão posteriormente. E é outro assunto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que abordou este tema, Paulo. Quando, no Liceu, estudei esta época, fiquei com a sensação de o ter feito demasiadamente pela rama, tendo mesmo ficado com uma impressão de se tratar de uma época obscura, em parte talvez porque tínhamos muito pouco acesso ao estudo da mesma, por falta de indicações bibliográficas, e o pouco que havia ia mais no sentido de acentuar essa negritude.
Conseguiu despertar a curiosidade.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
aind bem, pos conhecendo-A já um pouco, sei que, quando a curiosidade e o Génio se encontram na mesma Pessoa, os resultados só podem ser maravilhosos.
Beijo