sábado, 15 de dezembro de 2007

Arte dos Afectos

Os Espíritos Afins de DurandHoje motes vários me deram para postar sobre a Amizade. Não para glosar os ditos de espírito que a diminuem, mas para lhe captar um lampejo da essência que, como traço muito seu, a forma. Ela é como uma janela, tem sempre diante de si, desmentido ou não, o horizonte da durabilidade e da contemplação sem a urgência das retribuições, que é própria do amor e dos espelhos. Um Amigo, mesmo quando certas facetas não nos são agradáveis, não é um Ser que tentemos mudar, contrariamente àquele com que nos fundimos. Pode ter ou não identidade de preferências com as nossas, mas traz sempre um elemento de alteridade em que (nos) encontramos repouso, enquanto que as Paixões nos insuflam as tonturas e saborosas tontices das montanhas russas e dos carrocéis. É na contenção do interesse que merece, dentro dos bons costumes renegadores do interesseirismo aviltante que nos sentimos bem na repetição de rituais que em relações de outra intimidade se tornam insuportáveis.
Alberoni dizia que tão belo sentimento implica igualdade; e o mais superficial dos entendimentos sentenciava que a amizade mais duraroura é aquela em que cada um dos amigos se julga ligeiramente superior ao outro. Ambos erram. Isto porque o "eu" nesta magna relação só é chamado a propósito do empenho na discriminação. Na que não tem por base critérios colectivos, mas a adesão entronizadora do complexo único que é cada ser humano. A Amizade, nessa medida, basta-se, é a companhia real, imaginada ou lembrada daqueles com quem nos sentimos bem.
Aos Meus Amigos

Tirei a João de Lemos
de

FLOR DA AMIZADE («Cancioneiro-Flores e Amores»)

Pedir viço à penedia,
Ao ramo seco uma flor,
Pedir ao triste alegria,
Ao gelo pedir calor,
Pedir luz à treva escura,
E trevas à manhã pura,
E constância à formusura,
Não é d´homem de razão;
Mais do que isso se descobre,
Que não é pedido nobre,
Ao trovador que é tão pobre
Pedir mais que o coração.

O coração, se lho queres,
Com ambas as mãos to dá;
Não lho entendem as mulheres,
Só da amizade será;
E não lhe peças mais nada
Se por ser tão malfadada
Faz a oferta desprezada,
Despreza o dono também,
Mas olha que mal despreza
O que enjeita esta pobreza,
Pois dá mais do que a riqueza,
Quem dá tudo quanto tem.

11 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo postal, Caríssimo Amigo; parabéns! (E belíssimo quadro de Durand, excelente escolha!)

Grande abraço.

Anónimo disse...

Concordo com Carlos Portugal. Esta pintura, este texto e este poema ficam muito bem num blogue assim chamado.
Beijo

Bic Laranja disse...

Depois dum fim de mundo a Amizade vem muito bem. E o meu amigo compô-la aqui muito bem. Cumpts. :)

O Réprobo disse...

Meu Caro Carlos Portugal,
é um dos Temas da minha vida. E gosto especialmente do perfeito entendimento à beira do abismo que Durand pintou. É como o espírito Zen sem o solipsismo...
Abraço

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
à Madrinha dele fico muito contente que não haja escapado o tom do postal, muito rimante com a declaração de intenções com que fundei o espaço.
Beijo, ó Atentíssima!

O Réprobo disse...

Onspiradíssimo pelo Contributo AMIGO do caríssimo Bic, também. Com a inspiração que Interlocutores Desta Ordem nos facultam é fácil, os dedos correm pelas teclas sem detença. E claro que é o que nos permite não findar no mundo antes da hora.
Abraço

O Réprobo disse...

Aos Três:
escrevi o postal, motivado não só pelas deixas que apontei, como por ontem ter ido jantar (bem) com Algumas das Pessoas de Quem mais gosto.
A dedicatória é para Eles e para Vós.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

que bem escreveu sobre esse mecanismo que são os afectos! A verdade é que o Paulo é um Mestre na arte que tem em os cultivar.

beijo e o meu bem querer,sempre!

O Réprobo disse...

Muito obrigado. Fui muito ajudado pelo poema e pelo quadro, Querida Júlia. E quanto à segunda dose da Bondade, os Afectos que cultivei é que têm merecimentos de Primeira Ordem. Tudo se torna fácil, assim...

Outro. E o meu, então...

Capitão-Mor disse...

Um texto muito tocante meu caro amigo! Num universo em plena decadência, agarremo-nos aqueles que nos são mais preciosos.
Um abraço amigo!

O Réprobo disse...

E o Caro Capitão-Mor tem lugar de pleníssimo direito nesse Número.
Grande abraço