terça-feira, 11 de setembro de 2007

Cont(r)a-Corrente

Desengane-se todo aquele que acredita ser apenas o calor humano a proporcionar conforto. O Dragónico preenche muito vantajosamente a função, ou não assentasse em labaredas. O Nosso Querido Amigo do grande e sem igual «DRAGOSCÓPIO» presenteou-me com a aliciante grilheta de responder acerca de livros que mudaram a minha vida, uma sã iniciativa, capaz de equilibrar a estagnação dos que não o fizeram, elencada uns postais atrás. Não os melhores que li, assim entendo, antes alguns que tenham revolucionado os hábitos desta fastidiosa biografia. Vou tentar dar notícia de uns quantos, não sem que estranhe a omissão da mesma pergunta, reduzida a um - convém não abusar da paciência das Pessoas Ocupadas -, dirigida ao Engenheiro Ildefonso Caguinchas. Estou mesmo a vê-lo com uma cajadada matar dois coelhos: respondendo o «Kama-Sutra», contestaria o desafio dos que não mudaram, porque já antes conhecia as posições todas; e dos que mudaram, por, apontando as ilustrações a colaboradoras abertas a novas experiências, ter conseguido obter desempenhos mais competentes.
Vamos então à vida, que a morte é certa:

1- Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas
Li-o numa versão juvenil, com oito anos, logo exigindo a integral. Não foi explicado no circunstancialismo histórico, como a «Guerra e Paz». Eis a obra que a didáctica Materna usou para me estimular ao uso de um dicionário, o velhinho «...Prático Ilustrado» da Lello, uma enciclopédia adulta, a «Grande (...) Portuguesa e Brasileira, como, com êxito mais diferido, das obras históricas que cá por casa havia. Fiquei tão fascinado com os Amigos de D´Artagnan que daí retirei uma aposta total na Amizade e no serviço ideal do Rei. Mais, recordo ter posto toda a criançada do externato que frequentava a brincar à Corte Francesa do Séc. XVII.

2- Assim Falava Zaratustra, de Nietszche
Acabadinho de chegar ao Liceu de S. João do Estoril, com catorze aninhos, vinha adorando-me, dado conhecer pouca gente mais. Calhou-me uma Professora de Filosofia sem habilidade de cativar, mas dotada de argúcia que detectava para onde os petizes se orientavam, ao menos a minoria que o fazia para algum lado. Falou-me do livro, dizendo que achava que coincidiria com as minhas ideias. Enlarachado por me ver reconhecidas algumas lá fui depositar um quarto da mesada na aquisição do volume. Devo-lhe muito - não o ter lido aos dezoito anos, onde a mossa seria muito maior. Julgo ter guardado dele alguma agilidade nos não-alinhamentos de que carecem muitos dos anti-nietszchianos primários. Mas evitei cair nas literalidades limitativas que a leitura à séria dele, na entrada na maioridade, provoca em tantos.

3- Servidão Humana, de Somerset Maugham
Também aos catorze anos, sem saber o que fazia. A inescapabilidade à perversidade essencial, que não epidérmica como no Sadismo, do outro lado da relação condicionou muitas das primeiras aproximações à atracção e aos temores das tentativas embrionárias junto do Belo Sexo. Estava sempre disposto a ver-me condenado a sofrer o ascendente de uma qualquer Mildred nuns beijitos batedores e anódinos. Como a Realidade se veio a revelar, nessa época, menos pesada, despachei as libertações para confirmação do final e o que correu bem para agradável desmentido do corpo do romance. Em tão infantil superficialidade estava encontrado um método!

4- Ao Princípio Era O Verbo, de António Sardinha
Salto de dois ou três anos. Já historiei o meu encontro com ele em encarnação bloguística pretérita, chamando-lhe "a minha Estrada de Damasco". Não que até aí fosse Republicano, necessariamente. Mas não o sendo, fazia-o por vaga concordância familiar e romântica fidelidade a um Trono desocupado criminosamente. Agora evidenciava-se um universo racional que, além do mais, me vacinava contra a Democracia de que me vinham cantando virtudes inexistentes.

5- Disparates do Mundo, de G. K. Chesterton
Dezoito anos, já na Universidade. Plena crise de Fé. Nunca tendo deixado de acreditar num Deus Criador, custava-me a entender a Divindade de Jesus. O que me chegara de Renan a fazer das suas, ampliado pela imagem de marca colada a maus Padres. Chesterton começou a inverter a noção de que a Alegria se encontrava na negação e, com a denúncia e exposição de paradoxos, mais tarde enformada pelos escritos traduzidos de C. S. Lewis, a demonstrar que a capacidade racional sem aborrecimento podia conduzir ao Catolicismo. Daí a quatro anos maturaria em pleno.

6- A Fera Na Selva, de Henry James
17-18 anos. Revelação que anexava a timidez minha à insensibilidade do Protagonista. Partilhada com alguém que desejava, ajudou na descoberta mais sublime. Indexado a esse primeiro êxito, tenho repetido a disponibilização da obra a cada novo episódio. Não é mera fidelidade a uma táctica ganhante, antes genuína forma de aferição da sensibiliade de Quem me desperta interesse. Não me tenho arrependido.

7- A Canção de Amor de Alfred J. Prufrock, de T. S. Eliot
O ridículo encontrou uma sublimação: não tivera pudor em aplicar-me e ao Amor que não tive, a recapitulação do que poderia ter sido, apenas legitimada pela idade de que igualmente carecia. Mas estava desbravado o caminho da fruição e o sentido do tempo e do aproveitmento dele. Viva Eliot! As obras maiores ainda hoje me dão solidez, motivo de reflexão e prazer.

8- A Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós
Comecei a aperceber o que era a verdadeira Superioridade, inalcançável como demonstra o vício bloguista, mas sempre de reconhecer: poder e não se gastar nos triunfos ambicionados pelo vulgo. Ainda hoje, a todos os que increpam o Fradiquismo, por alienar talentos do serviço à Colectividade, tenho a opor o consolo de um exemplo que infirma a inlusão nas mediocridades de adesões cúmplices sempre presentes em obras de partido ou de escola que disputem, como de batotas naqueles que querem desmedidamente o favor público.

9- Eumeswil, de Ernst Jünger
21-22anos. A consagração da proximidade, observação e estudo, sem se deixar apanhar pela paixão dos mais inseridos pelos vários poderes. Como isolar-se sem ser associal ou apocaliptico. Seguir-se-iam milhares de páginas do Autor. Mas ainda hoje volto a estas.

10- O Resgate, de Joseph Conrad
Era o condimento que faltava. A absoluta fidelidade aos Afectos que em nós confiam, sem escamotear a forte possibilidade de tudo poder correr mal, apesar de nós. Mas garantindo que o importante é fazer a nossa parte.

E com todo este paleio quase esqueci de repetir que devo a estes, os integrantes de uma condição de primus inter pares, entre muitos outros, não a mudança da vida, mas a própria. Porquanto aos treze anos encarei, sem aguilhões especiais, mas quase esmagado pela divergência entre o que o Mundo é e deveria ser, a hipótese de voluntariamente o deixar. E disso desisti, em nome dos muitos livros que ainda tinha para ler. O que, Convosco, me vai mantendo por cá.
Não entrego o testemunho a Um, faço-o Aos que queiram nele pegar.

31 comentários:

dragão disse...

"Grande e sem igual", só se for na barbaridade do autor. Ultimamente, então, aquilo virou uma perfeita enxovia!...
Agora dou aulas no subúrbio. "Cassetoclastia", chama-se a cadeira.

:O)

Abraço

Ricardo António Alves disse...

Memória de tantas conversas no Liceu de São João,à volta e depois. Só estranho a ausência do Borges nessa lista. Ab.

T disse...

Ai a Mildred. A magra e feia e no entanto irresistível:)
Parece-me um excelente post mas vou tomar banho e comer qualquer coisa. Afinal acabei de chegar:)
Beijinho!

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

eu julgo entender poruqe Borges não entrou neste causus de leitor.

beijinho

T disse...

Explica Julia:)
Beijinhos!

O Réprobo disse...

Caríssimo Dragão,
"Cassetoclastia"?! Mesmo que tentasse, não conseguia, sairia sempre exposição atraente. Fico contente por não ter desagradado, olhe que derramei aqui muita verdadinha sobre a minha formação.
E põe ou não o Eng. Ildefonso a a responder?
Abraço

O Réprobo disse...

Caréssimo RAA,
e das do Deck, que as continuaram... lembro-me tão bem! Atenção, gosto imenso de Borges, só não figurou cá por o critério pré-estabelecido ser o da mudança radical na minha viada.
Não queres pegar nisto e fazer a tua?
Araço

O Réprobo disse...

Querida T,
Ora viva Quem é uma Flor! Ou não tivesse acabado de chegar de paragens com menos betão...
Obrigado, cheira-me que a indulgência se deve ao cansaço da viagem, ehehehehehe. Espero uma retribuição autobiográfica de leituras condicionada, Daí.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Júlia,
a resposta que me ocorre éque o muto que Borges me prendeu, por essa idae, só terá mudado a minha vida no sentido de me apegar à qualidade narrativa, reflexiva e poética, bem como de multiplicar os meus pólos de interesse, revelando autores do fedelho desconhecidos. Não creio que a ausência da lista tenha sido determinada pela inveja recalcada de um embrionário fazedor de biblioteca, ehehehehehe.
Beijinho

O Réprobo disse...

Queridas T e Júlia,
sim, também estou em pulgas por saber o que a perspicácia da Júlia terá deslindado neste caos que é o concerto das motivações que me regem.
Beijinhos a Ambas

Flávio Santos disse...

Estranho a ausência do Mestre de Martigues...
Abraço.

O Réprobo disse...

É que, Muito Caro F.Santos, a mudança nesse sentido já estava operada por Sardinha. Ele veio investido nas vestes da consolidação.
Abraço

Flávio Santos disse...

Era o que eu suspeitava.
Abraço.

O Réprobo disse...

Outro!

Flávio Santos disse...

Nã, eu já me baldei ao repto dos "livros que não mudaram a minha vida"...

O Réprobo disse...

Ehehehehehe. Mas estes não trazem melhores recordações? Eu, nestas correntes, não gosto é de "obrigar" outros a dar seguimento. Mesmo assim, convido Aquelas e Aqueles (acordei balsemónico, hoje) Que Se dignaram comentar a que botem faladura sobre a causa própria.
Ab.

Unknown disse...

Não sei se pego neste, já que fiz do outro meu sem ser perguntado para tal. Coincide um seu desta lista com um dos da minha lista dos que não mudaram. (Não digo qual, mas repito o convite para que passe por lá.) Engraçado... Pensei que seríamos bem mais diferentes. ;)
E a Servidão Humana... com grande probabilidade apareceria em lista similar de minha autoria... ou não, uma vez que nem consta no meu blogger profile. A verdade é que tão pouco tenho de lido como de vivido.
Cumprimentos

Unknown disse...

E o Dumas pai! Só não mudou mais por causa de lá ter ido parar muito miúdo, atrás das personagens dos desenhos animados...
Abraço

O Réprobo disse...

Meu Caro Nils,
rogo-Lhe, considere-Se sempre interpelado quando eu deixe estas correntes no ar. Posto o que, nos livros que considero como os melhores de sempre e que listei no profile dos anteriores blogues, o «Servidão Humana» também não teria lugar. Mas já nos que tiveram o condãao de revoltear a minha existência...
De resto, os espíritos não-egoisticamente interessados encontram sempre um cantinho onde se regozijem com preferências comuns.

Ah, os desenhos animados como atalho para a grande Literatura! A versão juvenil desbravadora que referi era uma da Bertrand, colecção «Histórias», creio, que tinha ao lado do texto uma condensação em BD. Meio caminho andado para ambicionar a integralidade da obra...
Ab.

Unknown disse...

Aceite mais esta miniatura do meu melhor retrato. Deixo-lhe, então, novo desafio... tem link aqui (http://monstruosidades.blogspot.com/2007/07/pgina-161-5-frase.html), mas de nenhum dos desafiados obteve resposta. O regulamento é simples:

1. Pegar no livro mais próximo.
2. Abri-lo na página 161.
3. Procurar a 5.ª frase completa.
4. Colocar a frase no blogue.
5. Não vale procurar o melhor livro que têm, usem o mais próximo.
6. Passar o desafio a cinco pessoas.

Na minha leitura à mão (The Complete Stories - Flannery O' Connor, da ff-faber and faber) a frase seria:

«They started off through a field of rough yellow weeds to the hog pen, a five-foot boarded square full of shoats, which they intended to ease him over into.»

O meu primeiro, e único, Dumas, está em dois volumes, já bafientos, da Europa América.
Obrigado pela visita!

João Távora disse...

Acho engraçado a escolha de “Servidão Humana” de de Somerset Maugham. A mim, marcou-me, e muito. Mas é um autor proscrito, não é?

O Réprobo disse...

Obrigado, Caro Nils, vou proceder em conformidade, logo dando notícias.
Ab.

O Réprobo disse...

Meu Caro João,
uma proscrição assente no desprezo, creio. Apesar da conhecida homossexualidade, nunca gerou fama de maldito, por se movimentar com à vontade e discrição nos "bons meios". Ora, essa condição inicialmente inibidora, com o tempo, dá rendimentos de que se viva.
E a Crítica, porque, com efeito, não é a melhor literatura do Mundo, não lhe concede as migalhas da atenção que esbanja noutros. Mas continua presente em muitos programas escolares.
Abraço

dragão disse...

Sobre as escolhas, temos um em comum, e apreciei a sensatez da an�lise: Nietzsche � perigoso e requer uma longa digest�o. Cioran descreve-o bem quando diz que � um pensador de humores, anti-sistem�tico. Ora, o problema � quando almas peregrinas querem domestic�-lo aos seus esquemazinhos mentais. � meter o Rossio na rua da Betesga.
Tamb�m o Junger merece todo o meu apre�o. Se bem que eu goste especialmente das "Fal�sias".
Quando o Ildefonso regressar da prov�ncia, eu mando-o falar consigo.
:O)
Ab.

Anónimo disse...

Olá Paulo.
Vou fugir um bocado ao objectivo do post,porque,tendo sido vários os livros que gostei de ler,e agora até estou numa fase de voltar a alguns deles,começando pelos dois Grandes ,Eça e Camilo,porque me apetece reviver o gozo que tive ao ler "Os Maias"ou "A Ilustre casa de Ramires","A Queda de Um Anjo"ou "A Brasileira de Prazins",sinto que não posso dizer que houve um livro que tivesse mudado a minha vida,mas o mesmo já não posso dizer de um programa de televisão(vi-o e ouvi-o quase como um livro,portanto o desvio nem será tão grande assim,além de que me deu mais vontade de ler,o que,já em si,foi uma "mudança"),despretensioso, mas que sinto teve um grande efeito sobre mim:refiro-me ao programa do Professor José Hermano Saraiva"O Tempo e a Alma".Mais tarde veio o livro com o mesmo nome,embora a temática já fosse outra,e confirmei que fora aquele programa que,até pela idade que tinha quando o vi,me "mudara".
Beijo

O Réprobo disse...

Mei Caro Dragão,
mande, mande, pois, como sabe, eu e ele temos fraternalíssima empatia. Repare que nós temos outros gostos em comum - A Ilíada, Sófocles... Apenas esses não mudaram a minha vida fizeram parte do melhor que tirei dela.
Essa de "meter o Rossio na Betesga", com a presente aplicação, fez-me delirar. E lembrei-me, a respeito dessa rapaziada, do que o António disse dum opositor famoso: "o problema é ele ser demasiado culto para a inteligência que tem"...
O Jünger é todo bom e gostei muito das «...Falésias...», como de «Heliopolis», com paralelos evidentes com «Eumeswil». E no plano ensaístico, o «Tratado da Ampulheta» e a observação do Rebelde.
Abraço

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
o apelo de JHS tem uma capaciade ínica de grudar o espectador ao aparelho, coisa que muitos académicos invejam profundamente. Não percebem - ou percebem demasiado - que a vida não é uma contínua prova de Doutouramento. A qual, diga-se o atacado Professor também fez. Há quem seja sabedor e quem seja sábio. Para chegar à primeira condição é estudar muito e manejar um sistema e um jargão. Para se participar da segunda categoria há que perceber o Homem. E quem muito marre e pouco olhe o Humano, no seu conjunto, pode até chegar a Reitor, nunca deixará de ser um chato.
Do Camilo tenho por imperdíveis os componentes do díptico «Eusébio Macário»/«A Corja».
Beijo

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Querido Paulo,

Eu jamais iria pensar isso - Só vi a sua lista, que não é muito diferente da minha afinal e sorri ao ver o cmentário sobre a falta de Borges. olhei para dentro de mim: Eu gosto de Borges , mas ele não mudou a minha história de leitora, nunca o inclui.
raa fez-me questionar sobre a causa de tal ausência. Está aí, entendo prefeitamente que não faça parte da sua lista. pura identificação, caro réprobo, pura identificação :-)

beijo grande

ps1- nenhum dos meus vizinhos livros tem 161 páginas.

ps2 - "A Servidão Humana" núnca passará de moda. Fica-se-nos para sempre.

ps3 - eu senti falta aí de um "Estrangeiro" de Camus e o "Fisico Prodigioso" de Sena.nunca mais se é o mesmo depois de ler estes.

O Réprobo disse...

Querida Júlia,
são muito bons, ambos, sem dúvida. Eis-nos então quasi-irmanados nas voltas da vida ditadas pelo texto. E estava a brincar, quando inventei a motivação capitalmente pecaminosa, ehehehehehehe!
Beijinho

Ricardo António Alves disse...

É muito tentador, meu caro. Vou ver o que se arranja. Abraço.

O Réprobo disse...

Vamos a isso!
Abraço