segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Marceau Fala!

A mais bela homenagem a Marcel Marceau está encerrada num comentário do «YouTube» a este vídeo evocativo: Ele não morreu, está apenas a desempenhar um papel. Actuou várias vezes entre nós e, numa delas, em 1960, deixou-se entrevistar pela revista «Almanaque», de cujo número de Fevereiro selecciono estas declarações:
Depois de salientar a ligação entre teatro de mimo e de verbo, apenas separados numa extinta experiência oitocentista francesa:
Fui eu quem redescobriu a tradição da linguagem no plano plástico. E esta arte não é uma arte meramente verista: há nela uma técnica elaborada que lhe dá distância, que lhe dá o valor de arte dirigida à sensibilidade do público, apresentando-lhe o homem no centro da sociedade e em luta contra ela e o homem em luta contra os elementos.
Lição de sapiência que todos devemos aproveitar para fortalecermos a resistência da nossa individualidade à erosão desagregadora de qualquer ambiente político-social e cultural atentatório que sejamos obrigados a atravessar.
Bip é um caso à parte. É um personagem em cuja volta se move uma sociedade abstracta mas que supõe visível (criada pelo homem) mas cujos elementos (do personagem) mostram uma gramática do mimo que - servindo um conteúdo humorístico ou trágico - constitui uma linguagem sintética que procura dar exactamente o sentido da vida.
Cheque em branco quanto aos factores de agressão, deixando em evidência o único reduto do concreto que importa: o da solidez pessoal.
Uma diferença fundamental separa Charlot de Bip - o primeiro, vive num universo concreto, palpável e carnal, que lhe é indispensável como espectáculo, enquanto o segundo cria um mundo poético e próprio a partir de uma realidade abstracta.
O que faz Chaplin arriscar-se a ver o seu génio mais datado, não só pela passagem do que o envolve, mas por apelar a uma emotividade menos intemporal do que a cativação poética equilibrada por um tanto de austeridade.
E, falando de influências, lembro-lhe que o mimo teve uma acção preponderante no teatro moderno. Em Beckett e Ionesco o mimo transparece, mas em Marceau ele afirma-se puro. E suponho que nos anos que se seguem essa influência se fará sentir mais ainda.
Isto porque no Teatro do Absurdo é a ausência de correlação lógica que sobressai nos comportamentos em cena, enquanto no mimo há superação dessa desagregação no esforço isolado de procura. Quanto mais imperiosa for essa necessidade, mais este tipo de arte calará fundo no Público...
Depois de elogiar os espectadores portugueses e de supor a existência de uma tradição teatral de respeito:
Não, não, não menosprezem os valores que realmente possuem. As potencialidades do vosso povo são extraordinárias e quem realmente quiser vingar nesta nova arte de teatro consegue-o. Estou a lembrar-me do vosso compatriota Luís de Lima, que comigo trabalhou em Paris. Os jovens portugueses de talento deviam seguir-lhe o exemplo: ir para fora, procurar os bons meios, aproveitá-los e voltar ao seu país a formar escola e a criar tradição.
Para alimentar uma plenamente em vigor: a de só nos conseguirmos prezar quando estranhos nos reconhecem valor. Possa a recomendação final obstar à fuga de talentos sempre tentada pelo abandono definitivo, não só da Terra, como da própria Nacionalidade.
Perdão ao Falecido e aos Leitores, pelos comentários escusados.
Bip, BIS!

8 comentários:

Anónimo disse...

La Ultima locura de Mel Brooks (1976)

Anónimo disse...

Saudações. Com esta entrevista já não posso dizer de Marceau o que me apetecia e era Palavras para quê?

O Réprobo disse...

Eheheheehe, essa referência, Caro Çamorano é... não digo subversiva, mais bouleversante...
Abraço

O Réprobo disse...

Um Artista Deste calibre era de facto Universal e não Português, Caro Rudolfro Moreira. Mas elas ajudam a aperceber a dimensão pensada do seu rumo, sem cair na fraqueza de explicar-se demasiado.
Abraço

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

lindo, Paulo! passou uma imagem no video que é exactamente aquela que os meus olhos de criança retiveram para a vida inteira. É pura magia! Obrigada por partilhar.

beijo

O Réprobo disse...

Fico felic�ssimo, Querida J�lia. � bom que momentos tristes tenham a capacidade de avivar o que nos ficou de melhor.
Beijinho

Anónimo disse...

lembro-me sempre dele no "Filme Mudo" do M.B. em que ningué diz peva expto ele que diz simplesmente: "NO"!!!!

O Réprobo disse...

É essa perturbação da imagem adquirida que o Çamorano explora com a oportunidade cinéfila de sempre, Luar.
Beijinho