Olhares Enviesados
Da celeuma levantada pelas inovações decididas em matéria de prisão preventiva não posso falar, por desconhecer o pormenor delas. Mas posso referir-me às consequências incontestadas que trarão. Num país em que o raquitismo das molduras penais impede qualquer veleidade de Justiça, uma medida que visa, fundamentalmente, a Segurança tem em comum com elas a prioridade da pena - como compaixão - dirigida ao inculpado, sobre aquela que se concede à vítima. Claro que a prisão preventiva deveria ser excepcional e insusceptível de arrastar-se, mas sabe-se como a pecha da lentidão oblitera uma e outra dessas características ideais. E é curioso que esse carácter de excepção não seja suficiente para aplacar os receios legítimos quanto a inocentes aprisionados antes do julgamento. Cabendo a decisão a um Juiz deveriam as consciências ficar sossegadas... se não fossem débeis na distinção entre os súbditos pelas suas condutas. O que está por detrás da constância em soltar criminosos repugnantes o mais depressa possível é o que espreita por cima do ombro da libertação de acusados perigosíssimos - o horrível entendimento que tende para a igualdade; e que obcecado pela recuperação ou pela menor privação possível dos infractores, os entende como não tão afastados de gente que nunca se desviou visivelmente da rectidão, assim como que uns descuidados a quem por mera distracção tivesse sobrevindo o contágio de uma doença...
Não se admirem, em decorrência directa desta castrada forma de reagir, que aos olhos do público também delinquentes de naifa assestada e decisores de governamentais cadeiras não sejam tão diferentes como isso...
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Neste Domingo topei igualmente com uma reflexão de Bacon:O pincel do Espírito Santo trabalhou mais ao descrever as aflições de Job do que as felicidades de Salomão. Não sendo este o Pecado que nunca será perdoado, o que atribui ao Paracleto o Mal, não deixa de Lhe creditar o que resulta duma fraqueza patentemente humana. A de cuidar mais das dores que levam a maioria à revolta, do que das bençãos que a conduzem tantos ao fastio. O privilegiado morto de tédio e de enjoo, o desvalido que se deixa embarcar no ódio, as duas atitudes que fazem os pobres homens atentar mais no que os vai ferindo do que naquilo que os sacia. E, pela insistência em ter o que os bafeja como merecido e o que os magoa como injusto, em dar-se como eleitos, iniciática ou rotineiramente.Não se admirem, em decorrência directa desta castrada forma de reagir, que aos olhos do público também delinquentes de naifa assestada e decisores de governamentais cadeiras não sejam tão diferentes como isso...
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O Rei Salomão de Marcos Zapata
6 comentários:
Caro Réprobo
Excelente tema e excelente abordagem, mas vou restringir o meu comentário à superfície das águas, a profundidade fica para outra altura, naturalmente, se para tanto houver engenho e arte. Não tenho dúvidas e aceito o princípio que - na dúvida, a favor do réu. Mas não é nada disso que se passa neste país à beira mar plantado, aqui a linha da justiça é outra - na dúvida, consoante o réu! Por isso exigiram a redução dos prazos da prisão preventiva, quando não a sua abolição! Estavam em causa o bom nome de distintos cidadãos da nossa praça, súbitamente surpreendidos pelos media a fazer coisas menos próprias, impróprias do respectivo bom nome! Portanto havia que arranjar um código que protegesse (ainda mais) as vítimas, ou seja, os arguidos, misteriosa palavra que entrou no vulgo da linguagem corrente e cujo alcance ainda não captei...a não ser aquela parte...que se presume inocente...!
Bem, mas aprovado o código com tanta pressa...aí estão os danos colaterais! Que deviam ser (e são) os danos principais.
Um abraço.
Caríssimo JSM,
este é um comentário que merecia ser um post! "Na dúvida, consoante o arguido"! Notável!
Endosso tudo o que diz.
Uma notícia que Lhe vai agradar: na feirinha do livro que visitei anteontem havia um número de «O Belenenses» que me dizem ter sido o primeiro. Uma preciosidade.
Abraço
Permita-me que faça minhas as suas palavras,Paulo:"merecia ser um post".
Beijo
(isto de ler comentários alheios pode ser muito enriquecedor)
Querida Cristina,
O JSM é um Mestre Incomparável. Cada palavra dele - salvo em futebóis - é para ser meditada e sorvida.
Beijo
Caríssimo Paulo Cunha Porto
Nada de exageros, tenho dias, como dizia o outro, e quanto a futebóis tenho que lhe dar alguma razão, porque nessa temática a emoção suplanta fácilmente a razão, e ainda bem! Mas agradeço as Vossas amabilidades e registo que o dono deste espaço acrescentou documento valioso ao seu (mais do que provável) valiosíssimo espólio.
Abraços a ambos.
Chamar amabilidade à Justiça é modéstia suprema, Caríssimo JSM.
Mas olhe que não adquiri a raridade. O preço deveria ser desencorajante e... não se tratando do meu Benfica...
abraço
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