O Misoneísmo Encartado
Conhecível de Samuel Bak
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«Um Olhar Para Trás», de Lou Andreas-Salomé. Presumo que terá sido a obra que menos prazer me deu ler. Tanto que prometi nunca voltar à Autora, promessa que infringi descaradamente, pelo que a minha vida não mudou. E o pior é que os resultados foram aproximados aos da primeira vez. Há domínios em que a experiência não contribui, é o que é.
«Folhas Caídas», de Garrett. Estive quase a vetar a Poesia do concerto dos meus interesses. O advérbio constituiu-se em tábua de salvação. Aquilo é tão enjoativamente perfumado como imagino o Homem.
«Confissões» de Rousseau. Tinham-me dito que muita gente aderia emocionalmente à sinceridade do escrito. Onde se via tal suspeito eu de encenação em letra de forma, mas é indiferente para o caso. Há escritores anteriores ao meu tempo cujas ideias condeno, mas cujo estilo estimo muitíssimo - Voltaire, Diderot. Jean-Jacques deixou-me gelado e apetece dizer-lhe, quanto à produção literária, o que a cortesã lhe aconselhou, tendo-o por estudante, acerca da habilidade no leito: "Estuda a Matemática, Jacobo, estuda antes a Matemática...".
«...Werther», de Goethe. Entendamo-nos, percebe-se por que teve o livro a saída que o celebrizou. Mas, prevenido por Napoleão Bonaparte de que era um perigo para os exércitos franceses, ao levar ao suicídio tanto adolescente, senti-me completamente defraudado. Li-o pelos dezessete anos, já tinha passado, algures entre os treze e catorze, a inevitável tentação do suicídio que a maioria dos rapazes atravessa. Não me fez renovar a apetência. Tudo na mesma, como a lesma.
«Amor de Perdição». Eu gosto muito de Camilo. Mas quem inventou ser aquele o opus magnum deveria ser condenado à exposição no pelourinho enquanto lesse, repetidamente, até às cem vezes, «A Rosa do Adro». Tenho de agradecer aos programas liceais terem-me desenganado logo a seguir, com o magnífico «A Queda de Um Anjo», ou ainda hoje jazeria no desconhecimento de tanta outra obra-prima. E não me venham com o argumento de que só o entendem "aqueles que sabem amar". Ou ainda recorro ao vocabulário do Capitão Haddock.
«Fernão Capelo Gaivota» de R. Bach. O meu Amigo Alce diz muito bem que só Mulheres gostam daquela xaropada.- Felizmente não todas, longe disso. É uma das raras ocasiões em que me orgulho da minha insensibilidade.
«Porque Não Sou Cristão», de Bertrand Russell. Prezando-lhe os outros livros, que não a figura, pois não o considero um cavalheiro, por muito aristocrático berço que o tenha gerado, fiquei completamente desiludido por adiantar argumentos que, salvo uma ínfima porção impenetrável a quem não tenha conhecimentos científicos suficientes, são os que ocorrem infantilmente na idade do Armário, logo sendo, pelos espíritos não-atrofiados, alvo de ultrapassagem.
«O Triunfo dos Porcos» de Orwell. Nada contra os alertas do Autor, mas nunca dei tanta razão a Baudelaire quando fala no carácter cansativo de ter de dizer às pessoas o que todos deveriam saber. Não gosto nem um bocadinho de pessoa com sentido de humor embotadíssimo para Inglês e tão hostil ao Desporto, o que explica muita coisa.
O livro de Borges Graínha sobre as origens da Maçonaria em Portugal. Como História só pode ser ficção. E dentro desta não tem estilo que redima. Um homem capaz de sugerir que Gomes Freire era anti-napoleónico também poderia dizer que eu sou, sei cá, sportinguista. Lagarto, lagarto, lagarto!
«Guerra e Paz», de Tolstoi. A Minha Mãe deu-mo a ler aos dez anos, apesar de ser uma leitura enquadrada, explicando quem era o Kutusov, o Bonaparte, etc. & tal. Ainda hoje digiro mal Tolstoy, por causa dessa intoxicação alimentar, apesar de lhe reconhecer a grandeza. E não mudou uma palha na minha existência porque continuo a precisar de ajuda para compreender muito do que leio. Da Vossa, para começar.
Nomear outros é que não. Recuso mais correntes que aprisionem escravos das respostas. Quem se der por Chamado Que Se Haja por Escolhido.
15 comentários:
Extraordinário, meu caro! Estava eu ontem a preencher a lista e sei lá bem como não me fui lembrar do Amor de Perdição... é que subscrevo letrinha por letrinha todas as tuas sábias considerações sobre a obra, que charopada!
Já o Tolstoi... hummm... ;)
Abraço.
E muito perigoso, Meu Caro Pedro! Olha se eu tenho desistido do Autor!
Abração
Pois é, caro réprobo. Como pode dizer que a leitura desse livro de Tolstoi, aos dez anos, não mudou a sua vida se lhe deixou uma antipatia pelo autor... Eis o exemplo de uma leitura de um livro que mudou uma vida e não o contrário.
Mais tarde ou mais cedo pego no repto, através de si ou do FNV do Mar Salgado que também o deixou no ar. Mas este desafio não se pode pegar pela rama, merece muita reflexão. Passe lá, que é bem-vindo.
Fernão Capelo Gaivota..blergh.
Tenho muito mais coincidências com a sua lista, mas prá semana comento-a com tempo.
Tenho-me deliciado aliás com o Camilo, beijos
Paulo,no seguimento de anteriores comentários,e recuando no tempo,acho que se tivesse lido "Guerra e Paz"aos dez anos teria tido o mesmo tipo de aversão(deu-se comigo uma coisa idêntica,com um livro de que hoje gosto muito,porque a primeira vez que o li foi fora do tempo-"Os Maias").
Partilho,tal como a T,desse deslumbramento pela Obra de Camilo.
Beijo
Tenho que concordar quanto ao "Werther"... Mas quanto ao Rousseau, lá está! Se ele tivesse uma escrita mais rebuscada e pretensiosa com uns "mormente" e afins pelo meio, decerto que o meu amigo devoraria os seus livros!
Meu Caro Nils,
claro que lá irei, com todo o gosto. Expliquei o factor de permanência no texto, mas quanto a antipatia... sabia-o um grande escritor e, não o tendo lido, não podia nutrir afecto pela escrita dele. Com conhecimento de causa reconheço-o um grande escritor, porém não consigo gostar especialmente. Terá sido mudança radical?
Abraço
Querida T,
fico ansioso. Ainda bem que o pássaro Lhe não encheu as medidas. Claro que a frase do Meu Amigo era "só Mulheres gostam daquilo" e não Todas as Mulheres...". Mas fico contente por a alergia não ser um exclusivo da brutalidade masculina.
Beijinho
«Os Maias» é um dos que coloco na triologia dos melhores romances de sempre, Querida Cristina, sendo os outros «O Homem Sem Qualidades» e, acima de ambos, «Crime e Castigo». Mas dou de barato que leitura precoce dele afugentaria por certo.
Beijo
Caro Portugal...,
dado ter posto em confronto com J-JR Voltaire e Diderot sinto uma necessidade angustiante de escrutinar quantos "mormentes" se encontram nas respectivas obras...
Sem ressentimentos
Acho deliciosa esta faceta dos blogues,a de nos dar informações sobre o que já foi lido,no caso,pois poder-se-ia dar o caso de ser algo já ouvido ou visto:nunca li "O Homem Sem Qualidades",mas já sei que foi a obra-prima de Robert Musil,e o que li sobre o romance aguçou-me o apetite-resta-me,pois,procurá-lo,na livraria do costume :)
Beijo
(E mais uma vez se confirma que já no tempo do autor d"Os Maias"os residentes de S.Bento eram,tanto como agora,pouco recomendáveis)
Beijo
Querida Cristina,
não perderá o Seu tempo. Atenção, se optar pela edição da Livros do Brasil, há que complementar a compra, pois não foi publicado o IV volume, ainda por rever à morte do Autor, mas que encerra textos importantíssimos para a completa compreensão da obra. Eu tenho-o em francês, na Folio.
Ah, não escapou a mudança no "Cantinho da Cristina". O que diz prova que é mesmo defeito de origem do nefando sistema...
Beijo
:)
Beijo
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