O Lugar do Vazio
O tempo que atravessamos é como todos, feito de pulsões contraditórias. Quanto mais nos enterramos na indiferenciação característica das vendas nas grandes superfícies, mais permeáveis nos mostramos à aspiração da individualidade nos percursos diários, preferindo tantos o automóvel ao transporte colectivo, em funções que este desempenharia sem os óbices do desgaste da condução, ou do estacionamento. Uns dizem que relaxam ao guiar, outros que não gostam de ser conduzidos por outrem. O segundo problema tem agora uma solução que nos meus tempos de adolescente seria apanágio da ficção científica: o Cybercar, um veículo eléctrico sem condutor, que se quer introduzir em andanças hospitalares mas se prevê já para a circulação citadina. Por enquanto só anda a dez à hora, mas é dar-lhe tempo, foi essa a primeira velocidade registada em automóveis. Além de que a lentidão começa a ser apetecida em jeito de anti-depressivo, contraposto à correria quotidiana como causa dos colapsos nervosos. Indica-se que a pré-programação ou o telecomando poderão permitir a paragem à porta de cada utente, consoante os endereços fornecidos. E eu, tão contrário à automação, subitamente vejo grandes virtualidades no sistema político que substituísse o actual timoneiro de S. Bento por uma engenhoca que cumprisse exarcebadammente as promessas do Poder, diminuido generalizações abstractas e fazendo-nos prescindir de eleições...
A época em que se via o Progresso num meio urbano de locomoção a vapor, entre Cais do Sodré e Algés, orçava por 1889. Já vai tão longe e parece tão pequena a esperança que despertou!
A época em que se via o Progresso num meio urbano de locomoção a vapor, entre Cais do Sodré e Algés, orçava por 1889. Já vai tão longe e parece tão pequena a esperança que despertou!
5 comentários:
Exigências de ronótica no campo da governabilidade, meu caro?
Leia-se robótica!
Caríssimo: o meu Amigo escreveu «só anda a dez à hora, mas é dar-lhe tempo, foi essa a primeira velocidade registada em automóveis»; certíssimo se forem 10 milhas por hora, ou seja, cerca de 16 Km/h, que era a velocidade máxima do Motorwagen de Karl Benz.
Quanto à modernidade sem condutor, eu, sendo engenheiro de sistemas, nunca andaria numa coisa dessas, por evidente (para mim) falta de segurança, dada a comprovadíssima (mas sempre ocultada) falta de fiabilidade dos sistemas electrónicos modernos (é sempre o lucro, meu Caro). E são cada vez piores, receio bem.
Quanto à substituição da alimária que rege S. Bento (o pobre convento transformado em antro de ladrões) por uma engenhoca cibernética, creio que qualquer máquina estúpida faria melhor do que o actual locatário, pois seria naturalmente imune à má-fé dos políticos de hoje.
E tem toda a razão quando fala da Esperança que o «Progresso» despertou nesses finais do Séc. XIX, parecendo hoje tãom pequena e, sobretudo, tão ingénua...
Grande abraço.
Meu Caro Capitão-Mor,
seria uma variante muito salutar poder dizer da desclassificada classe política "olhó robot" em vez de "olhó que roubou"!
Meu Caro Carlos Portugal,
obrigadíssimo pela precisão da décalage para as medidas britânicas.
Devo dizer que também não me entusiasma o invento, mas eu convivo bem com os transportes públicos, que me dão mais tempo para ler. Queria só afastat fantasmas das mentes dos que se não querem conduzidos, através de... um condutor-fantasma.
O nosso primeiro, já se sabe, é muito mais falível e falhanceiro do que a máquina, nem sequer possuindo a imaginação que permite aos humanos a vitória ao xadrez sobre computadores de nível elevadíssimo.
Uma Querida Amiga minha diz que o Sr. Sócrates, com os tiques tensos que tem, "parece um robot". Sem ofensa para a máquina, claro, que faz o que a programam para fazer, enquanto que o PM se obstina em não reconhecer outro tanto no seu (dele) caso.
Abraço
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