segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Aberturas Para o Além

Dia do nascimento de Olivier Messiaen e de Emily Dickinson. Por que pudor havemos de nos coibir de ler Uma ouvindo Outro, quando ambos se pronunciaram genialmente sobre o Não-Saber imbuído de Fim Altruísta como prossecução de Estado Melhor? Há no duo Futuros desconhecidos que permitem sonhar sem irrealismo, o do Ramal Paradisíaco da bufurcação post mortem do poema, os transes maternos em vista da redenção artística na outra Poetisa que foi a Mãe do Músico.
Em vez da alienação voluntária de um combate político alinhado e limitado pelas cumplicidades, ou de drogas igualmente fortes, a passagem pelo Inferno nesta Terra, de uma liberdade amputada e de uma carência nutritiva impostas por outros homens, dá, sem misticismo a faculdade parasensorial que acalma a Espera por um fim que se pressente, sem o optimismo ou o desespero que noutros se adivinharia.
A Poetisa dá-nos a Dupla Perda, a do Ente e a dum Nexo absorventes, como o quantum de Experiência que nos permite formar a ideia do local de perdição, que, estendendo, ou simplesmente não regenerando a Dor, torna impossível a Esperança e se basta na inpossibilitação de aspirar.
Talvez a chave esteja na comunhão universal gerada por um fugitivo momento entre guardas e prisioneiros do campo de concentração em que esta pauta foi composta, condicionada e executada: o Céu é um lugar em que a Música nunca falta nem ensurdece.
Juntos,

o «Quarteto Para o Fim Dos Tempos»

&

PARTING

My life closed twice before its close;
It yet remains to see
If Immortality unveil
A third event to me
So huge, so hopeless to conceive,
As these that twice befell.
Parting is all we know of heaven,
And all we need of hell.

4 comentários:

Flávio Santos disse...

O Quarteto é uma das minhas obras preferidas do século XX, pelo despojamento ascético que casa bem com a falta de meios de que o compositor dispunha.
Uma correcção: Messiaen não estva num "campo de concentração" mas sim num campo de prisioneiros, tendo de resto sido libertado em Março de 1941.

O Réprobo disse...

Meu Caro F.Santos,
sem dúvida, como veladamente aludi, a própria escolha dos instrumentos foi ditada pelos músicos que tinham ido parar àquelas paragens, sendo o Autor o que tocava o piano.
Atenção, a História, a Literatura e o Jornalismo parecem ter reservado a expressão "campos de concentração" àqueles que albergavam os privados da liberdade por motivos étnicos ou políticos, mas a origem dela reportava justamente uma aglomeração de prisioneiros de guerra: surgiu para designar os estabelecimentos em que os Britânicos internaram os Boers que aprisionaram na Guerra que ambos os povos travaram. O que quis salientar foi a privação involuntária como factor criativo, pois só alimentavam ao Compositor, cada dia, com uma sopa e um café, segundo um testemunho do próprio, nada revanchista, de resto.
Mistério dos maiores, como a vivência do sofrimento pode decidir o caminho na encruzilhada em que se inicia a Outra Vida.
Abraço

Flávio Santos disse...

Mas a distinção é essencial, Messiaen foi parar ao stalag devido à débacle française e não por motivos político/étnico/religiosos.
Sem dúvida que a profunda religiosidade de Messiaen o ajudou a suportar a provação do internamento.
Um abraço.

O Réprobo disse...

Caríssimo,
não escrevi que esses motivos estivessem por detrás da reclusão, em momento algum.
E não só foi factor de fortalecimento, como lhe terá aumentado a capacidade de conferir significado aos sons, que coligia da Natureza, facilitando a transposição das Leituras que fez do Apocalipse. É o próprio que diz que, sem ter tido qualquer Revelação mística, a "sonorização" do Anjo lhe surgiu durante os períodos de maior deficiência nutritiva.
Abraço