Ambiguidades do Captar
Embora as minhas preferências absolutas vão para Velázquez, G. Bellini, Mantegna, Turner... se me perguntarem por pintores grandes da França Oitocentista, não posso deixar de pôr à frente um nativo de 25 de Fevereiro, Renoir. Não o louvarei pela mestria técnica, ou sequer pela dissolução das formas na luz, para o que há gente mais preparada. Quero destacar a Atenção, essencial em qualquer artista plástico que não enverede pela pura fantasia, mas em que é difícil de encontrar imortalizador da dos modelos, com felicidade.Uma obra-prima de referência obrigatória, O Camarote, merece toda a fama que tem. Muito do que torna a obra tão conseguida é o contraste entre a figura feminina, que, certa das armas que tem, se oferece placidamente para ser olhada, enquanto o homem, em muito menos destaque, assenta os auxiliares da vista curta a outro ponto, desinteressando-se daquela que tem tão próximo e, presumivelmente, muitos outros olham. Mirará as reacções à sua companhia? Ou procurará uma rival dela, querendo acrescentar conquista ao território incorporado? Para o espectáculo é que não olha de certeza, como o olhar dela também, aliás, parece muito pouco concentrado para fazê-lo.
Menos conhecido, A Primeira Saída é um prodígio pelo que revela de deslumbramento e descoberta de um mundo novo, com um minimalismo de exposição dos traços. Do jogo do título com a absorção sugerida pela suavidade de um perfil escassamente sugerido, com as costas que nos vira a indicarem a fixação em qualquer sensação que lhe sabemos nova. Leveza e aplicação só possíveis no "interesse desinteressado" quando a inexperiência ainda impera.
E por fim, O Baloiço, talvez o menos comentado, que considero absolutamente genial. Na indissociabilidade da Mulher e da Criança, logo infundindo uma percepção de maternidade, o que poderia ser a experimentação da segurança do baloiço para o rebento é desmentido pelo coquetismo do gesto com que compõe o cabelo. A miúda olha, surpreendida pelo roubo do brinquedo, mas com a admiração de quem quer ser como ela. E o triângulo amoroso sugerido pelos dois homens... quem será o legítimo, quem será o intruso? Quer a superstição que esteja encostado ao casamento como à árvore o que tem títulos sociais, enquanto que o rosto rapado e o facto de se dirigir à que desvia pudicamente o olhar sugere o piropo que desencadeia a afectação do pudor. Pode também não ser nada disto, por exemplo um pai que vigie o pretendente à filha, acompanhado pela irmãzita dela, que tenta perceber se gosta do futuro cunhado, aquele senhor que lhe disseram ser muito querido à Mana... mas uma vez mais o que se destaca é o direccionamento para o que prende. No célebre «Peeping Tom» Michael Powell filmou a macabra defesa da tese de que o que mais gera o medo é o medo alheio. Com Renoir podemos concluir que o que mais evidencia a atenção de quem pinta é a dos que retratou com génio.
Menos conhecido, A Primeira Saída é um prodígio pelo que revela de deslumbramento e descoberta de um mundo novo, com um minimalismo de exposição dos traços. Do jogo do título com a absorção sugerida pela suavidade de um perfil escassamente sugerido, com as costas que nos vira a indicarem a fixação em qualquer sensação que lhe sabemos nova. Leveza e aplicação só possíveis no "interesse desinteressado" quando a inexperiência ainda impera.
E por fim, O Baloiço, talvez o menos comentado, que considero absolutamente genial. Na indissociabilidade da Mulher e da Criança, logo infundindo uma percepção de maternidade, o que poderia ser a experimentação da segurança do baloiço para o rebento é desmentido pelo coquetismo do gesto com que compõe o cabelo. A miúda olha, surpreendida pelo roubo do brinquedo, mas com a admiração de quem quer ser como ela. E o triângulo amoroso sugerido pelos dois homens... quem será o legítimo, quem será o intruso? Quer a superstição que esteja encostado ao casamento como à árvore o que tem títulos sociais, enquanto que o rosto rapado e o facto de se dirigir à que desvia pudicamente o olhar sugere o piropo que desencadeia a afectação do pudor. Pode também não ser nada disto, por exemplo um pai que vigie o pretendente à filha, acompanhado pela irmãzita dela, que tenta perceber se gosta do futuro cunhado, aquele senhor que lhe disseram ser muito querido à Mana... mas uma vez mais o que se destaca é o direccionamento para o que prende. No célebre «Peeping Tom» Michael Powell filmou a macabra defesa da tese de que o que mais gera o medo é o medo alheio. Com Renoir podemos concluir que o que mais evidencia a atenção de quem pinta é a dos que retratou com génio.
10 comentários:
A Primeira Saída é um prodígio de sugestão. Muito boa a tua análise, em especial a d'O Camarote.
Ab.
Que bonito ficou o blogue!
Beijo
Há grande arte nesta crítica.
(Aquele dos binóculos estava distraído.)
Cumpts.
Obrigado, Mestre e Amigo, os quadros "expostos" é que são um Mundo. Lembro-me que «A Primeira Saída» também já surgiu no «Abencerragem».
Abração
Querida Cristina,
Também Renorriana? Um Verdadeiro Achado, Madriña Mua.
Beijo
Meu Caro Bic Laranja,
há, mas como objecto, tão-só. O binoculado é como os comilões, tanto querem enfardar que não saboreiam o melhor do manjar, tantas vezes mais perto.
Abraço
Meu caro Réprobo, gostei imenso de ler esta sua crítica. Na qual não vejo qualquer ambiguidade de captação: todas as hipóteses são expressivamente sugeridas. A imaginação não desmerece o poder de observação. E para quando temos «o romance»? :-)
Querida Luísa,
Bondade Sua, mas até conseguimos enganar as Amigas quando gostamos muito de um pintor...
O dito está pensado. A concretização? Pois para quando tiver mais tempo, que isto anda diabólico.
Beijinho grato
Não há dúvida, que as artes plásticas dão oportunidade, tal como , os livros, de serem sempre interpretados de maneira diferente, e conforme os dias, pelo o observador, ou pelo leitor.
No Camarote, sempre assumi que se estaria no início da peça, ou no final de um intervalo.
Quanto à figura feminina, estamos de acordo, quanto à masculina, penso que observa a sua amante; toda a sua postura de se quase esconder para observar assim me leva a acreditar.
No Balouço, nunca vi a mulher como mãe, presumindo que a criança estaria com um dos homens, que a levou para melhor esconder a sua tentativa de fazer a corte a outra, que se deixa encantar por dois, ainda, sem saber qual escolher.
Já viu a diferença?
Querida Marta,
pois vejo; e dessa diferença nasce a riqueza que gostaria de ver em cada tema debatido. Muito obrigado pelo Contrubuto que tanto abrilhanta.
Beijinho
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