O Livro e a Vida
Já que comecei a blogação diária surfando nas ondas adulterinas de outrora, parece calhada a ocasião, não para fazer o ladrão, mas para referi-lo, na vertente da influência sempre temida da Literatura sobre a harmonia conjugal. Tempos ingénuos houve, no apogeu da Sociedade Burguesa que mediou entre meio do Séc. XIX e, vá lá, igual divisória do XX, em que se pensou extinguir a traição ao himeneu restringindo as leituras funestas que a banalizavam.
Este livro parece dar razão a tal entendimento, sob dois pontos de vista distintos: estudando o dantesco episódio do amor dos cunhados Paolo e Francesca, com o sacrifício da (Mala)testa do irmão de um e marido da outra, é-nos mostrado como, à revelia de Dante que os meteu no Inferno, desde Bocaccio aos Românticos, se glorificou a infracção, constituindo a voga temática que lá bebe uma efectiva linhagem de onde brotam Bovarys e Sonatas a Kreutzer, por muito que Flaubert se defendesse, dizendo que era a condenação e denúncia da quebra do compromisso que pretendera.
Mas também numa segunda acepção: quem lembre a história sabe que os dois amantes se lançam no beijo que tenho como parte expressiva do todo, após lerem em conjunto as aventuras de Lancelote e Genebra, assim como que à maneira de "um D. Quixote em que o risco e o desinteresse (a)parecessem mais esbatidos". O uxoricídio final do esposo traído vem contrariar essa expectativa. Convocando o quadro de um imberbe Ingres, reproduzido parcialmente na capa, podemos arriscar dois juízos adicionais: este excelente estudo cai precisamente na mesma pecha, ao não considerar os sentimentos do Gianciotto vingador, cortando o pedaço da obra plástica em que aparece. E a cedência de deixar cair o lvro, símbolo da derrocada da separação entre Leitura e Realidade, é, para qualquer bibliófilo, crime mais do que merecedor das chamas infernais...
Este livro parece dar razão a tal entendimento, sob dois pontos de vista distintos: estudando o dantesco episódio do amor dos cunhados Paolo e Francesca, com o sacrifício da (Mala)testa do irmão de um e marido da outra, é-nos mostrado como, à revelia de Dante que os meteu no Inferno, desde Bocaccio aos Românticos, se glorificou a infracção, constituindo a voga temática que lá bebe uma efectiva linhagem de onde brotam Bovarys e Sonatas a Kreutzer, por muito que Flaubert se defendesse, dizendo que era a condenação e denúncia da quebra do compromisso que pretendera.
Mas também numa segunda acepção: quem lembre a história sabe que os dois amantes se lançam no beijo que tenho como parte expressiva do todo, após lerem em conjunto as aventuras de Lancelote e Genebra, assim como que à maneira de "um D. Quixote em que o risco e o desinteresse (a)parecessem mais esbatidos". O uxoricídio final do esposo traído vem contrariar essa expectativa. Convocando o quadro de um imberbe Ingres, reproduzido parcialmente na capa, podemos arriscar dois juízos adicionais: este excelente estudo cai precisamente na mesma pecha, ao não considerar os sentimentos do Gianciotto vingador, cortando o pedaço da obra plástica em que aparece. E a cedência de deixar cair o lvro, símbolo da derrocada da separação entre Leitura e Realidade, é, para qualquer bibliófilo, crime mais do que merecedor das chamas infernais...
2 comentários:
Este post fez-me lembrar um outro que o Paulo escreveu há tempos sobre a leitura compartilhada, tão bem ilustrada por esse episódio, que, romanticamente, faz esquecer qualquer interdito...
Beijo
Querida Cristina,
desde que a Leitura não dê o passo fatal da cumplicidade para a extrapolação para o Real, caso em que a pureza aconselhável se extingue, apunhalada.
Beijo
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