sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O Problema do Xadrez

O Planeta Xadrez de Veronica KasatkinaA discussão que bruscamente emergiu sobre as alegadas origens africanas do Xadrez deixam-me frio: não só me parece abusivo querer fazer remontar a jogos simples de tomadas de peças a complexidade diversificada de movimentos que apelem mais imediatamente a cálculos elaborados, como a eleição do traço primordial do jogo a recair na disputa, em vez de no problema, me é estranha.
A conotação da essencialidade da vitoria foi pintada por um romancista de mérito, A. Perez-Reverte, numa personagem deominada pela psicanálise de fancaria, em «A Tábua de Flandres». Mas, num plano mais longínquo, também a claque que favorece grandes Mestres em função de ideários políticos me parece de abolir. Lembro o anti-semitismo que despertou antipatias contra Alekhine e Fischer, ou a transposição da Guerra Fria para os embates entre o "dissidente" Korchnoi e o "mais alinhado" Karpov. Os génios neste jogo devem unicamente ser julgados pela sua capacidade e, fora dele, então, pela personalidade, que não se resume a convicções.
Mas a dimensão moral do tabuleiro só foi plenamente apreendida numa hostória Zen: um desiludido da abastança dirigiu-se a um velho sábio religioso, dizendo querer consagrar-se ao ascetismo e ao estudo e que na vida unicamente se conseguira interessadamente aplicar no Xadrez. O Guru mandou então vir o monge campeão do jogo e disse-lhe que jogasse com ele, sendo o perdedor, de seguida, decapitado. A pugna foi sendo dura, empenhadíssima e meritória, até que o novato, vendo no adversário tantos anos de aplicação e culto, onde a sua vida fora futilidade e dissipação, voluntariamente erra, para perder.
Disse então o Mestre:
Não há vencedor nem vencido. Não rolará qualquer cabeça.
São necessárias duas coisas: a concentração e a piedade. E hoje aprendeste as duas.
Tudo o que fique aquém deste perfeccionismo ético é impedir o peão de se transformar em peça de mais valia. E continuar com a cabeça a andar à roda, pela embriaguez de si.

4 comentários:

fugidia disse...

:-)
Gosto muito de jogar xadrez. Foi o meu pai que me ensinou. Chegámos a fazer jogos de dias e dias. Há muito tempo que não jogo. Tenho pena. Mas falta-me alguém do outro lado do tabuleiro e não me apetece jogar contra o computador. Perde-se grande parte da graça...
:-)

Anónimo disse...

mais um podcast catita: http://gazetadarestauracao.blogs.../podcast- 2.html

cumprimentos

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
sem dúvida, o computador, se elimina as desvantagens da perversão egotista, consagrando a pureza problemática do cálculo e da estratégia, também retira a esperança que ainda se deposita no concreto humano, reduzindo a abstracções do Outro pela solitude dos movimentos.
Beijinho

O Réprobo disse...

Caro Gazeteiro,
vou já visitá-Lo.
Abraço