quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A Porca da Vida

O Meu Amigo Miguel é Pessoa com Quem dá gosto debater. Depois da reserva que exprimi ao Seu criticismo à Geração de Setenta, voltou à carga, acrescentando muitas verdades, mas pecando, quanto a mim, por desculpar os principais culpados e condenar excessivamente os que apenas são responsáveis por não terem sabido vencer.
Teófilo, a bem dizer, só era da geração em critérios etários, pois breve contendeu com o aliado inicial, Antero, bem como com os Vencidos, dos quais só Eça - que tinha bom feitio - permaneceu em termos amistosos consigo. Ele sim, era um caso de estranha mescla de erudição desvirtuada pela deformação, com invenções rácicas para os Moçárabes, colocações das cadeias pirinaicas a meio da Península e símiles fonéticos caricatos como origem da canção nacional. E toda a vida colidiria com os escrupulosos investigadores, essa Carolina Michaëlis que tão soezmente perseguiu, ou Ricardo Jorge, entre outros.
Dou-Lhe inteira razão acerca da baixeza indigna do nome e do intelecto, do Quental da Questão Coimbrã. Não apenas pelos louros fáceis da mobilização da juventude contra um enfermo indefeso, como por, no duelo que seguiu com Ramalho, não ter revelado possuir prática de esgrima e ter aceite as posições de vantagem que o Adversário, generosamente, lhe concedera. Mas lá está, Ramalho era da tal Geração, de pleno direito; e em matéria de lhaneza bastaria este Couceiro para lavar a cara. Entre os dois mastins atiçados havia diferença, no entanto. Recorda a carta de resposta do Familiar Camilo a esse Castilho que lhe pedia ajuda? Cito de memória: No que respeita ao Quental não posso ajudar, porque, com pouca obra publicada, dedicou o livro que editou, com toda a admiração, ao Sr. Camilo Castelo Branco. Agora o Teófilo, não se preocupe, vou demoli-lo já. Antero foi vítima da sua própria nevrose, mas também do pior que se pode criticar a todo o grupo: querer encontrar a solução para o País numa tradução da Estranja. O que era caminho condenado.
Foi também isso que vitimou Oliveira Martins, o fulcro da questão, porque se ofereceu para chefe político. Concordo com o diagnóstico da intervenção da fantasia na História, mas não no «Portugal Contemporâneo», em que a verificabilidade o não consentia e a imprestabilidade para uma tese sobre a Nação continuada invalidava. Na «História de Portugal», sim, em que quis ser o nosso Michelet - cá voltamos ao mesmo. E nos «Filhos de D. João I», fazendo soltar ao amicíssimo Eça o desabafo mas enfim, querido Joaquim Pedro, tu estavas lá? Politicamente falhou por transigir. Depois de se pronunciar pelo Cesarismo e reconhecer que a Autoridade só é legítima vinda de cima, do Rei e do seu engrandecimento em Poder, não havia razão para se meter a conselheiro, esperançado na ração podre que o estragaria - o tumulto de São Bento.

Junqueiro, que pertencia por direito, não só cronológico como convivencial, ao grupo depressa viria a desentender-se com ele, depois de ter feito o mesmo com Carlos Mayer e António Cândido, embarcando na demarcação panfletária contra a Coroa que o indisporia com os membros da tertúlia jantante que mais directamente A serviam.

Eça, não tendo desempenhado cargos de relevo, salvo na representação do País, é muito para aqui chamado pelo que o Miguel também menciona: a tal estranheza da relação entre a acidez da obra e a índole do ficcionista. Mas os seus discípulos e íntimos há muito que explicaram essa clivagem, com a necessidade de zurzir a mediocridade dominante, antes de ascender à aspiração redentora dos romances finais.

É que todos eles se acham retratados na admiração e demarcação face a Fradique Mendes: a aversão à abstenção da tentativa de mudar o estado de coisas por se entender não valer a pena; mas também o fracasso de contemporizar com o que diagnosticadamente tinham como males do país, a concesão ao jogo partidário.

É este que me faz embirrar, como diz e muito bem. mas birra que não se cimge a amuo, antes descamba numa choraminguice que espero que incomode. Eu - que nunca entrei ou entrarei em qualquer partido, mesmo os que clamam contra os partidos - não consigo aceitar facilmente que o Miguel os tolere, quando a tolerância deles tem por limite os respectivos calos, chegando à perseguição pessoal à biblioteca de um Confrade nosso. Assim como não percebo o enaltecimento do desfecho da Geração de 98 Espanhola, atolada no pungentíssimo e orteguiano lamento de fracasso em tudo paralelo: Não é isso, Não é isso!

Não, Miguel, ceder é morrer. E a vida tem de ser levada com uma nutrição diversa da ministrada pela porca do Bordalo. Não podemos encolher os ombros, ou dizer que é um mal menor. Isso é bom para a Inglaterra.

10 comentários:

Anónimo disse...

Olá Paulo!
Fiz já saber ao Miguel o quão delicioso achei que tivesse lançado na blogosfera uma discussão, a que se juntaram mais dois Grandes- O Jansenista e João Gonçalves- que resultou nisto: uma troca muito rica de argumentos, a defender ou atacar essa Geração que, como resulta claramente, terá tido algo de bom e outro algo de mau, as conhecidas duas faces duma moeda.
A blogosfera no seu esplendor...
Beijo

O Réprobo disse...

Ainda bem que gostou, Cristina, só isso bastaria para ter arriscado a minha ignorância em tema tão exigente, para além, é claro, ^do gosto de cavaquear com os Altos Espíritos que citou.
O tema é apaixonante porque da luta entre a imensa preparação e a ingenuidade actuante da nata citada brota algo portuguesíssimo apesar de ser gente tão cosmopolita - o que podia ter sido se...
A condição que faltou, como tento dizer há tantas palavras, foi a integral assunção dos valores intemporais que formaram e fizeram crescer a Nação, sem concessões ao seguidsmo do que viam nos países com que contactavam. Um problema de impermeabilização, portanto.
Beijo

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

também estou a gostar de seguir a discussão.
bjinho

O Réprobo disse...

Obrigado, Querida Júlia, é óptimo saber que gosta destas (que são mais verdadeiras)"conversas em família".
Beijinho

Anónimo disse...

Una curiosidad: en los libros de texto portugueses se estudia la Generación del 98 española, del lusófilo Don Miguel de Unamuno y compañeros....? Ab.

O Réprobo disse...

Meu Caro Filomeno,
infelizmente a informação é escassíssima. No plano edtorial dos últimos anos, muito graças à Editora Grifo, alguns textos unamunianos foram vertidos para o idioma luso. Mas uma gota no oceano. Continuamos muito dependentes dos escritos de Fidelino de Figueiredo.
Abraço

Anónimo disse...

Amigo Réprobo: derribar "el muro" del desconocimiento mutuo entre Portugal y España es más difícil que derribar la Gran Muralla China.........Ab.

O Réprobo disse...

É uma fatalidade, Meu Caro Filomeno. Também neste sentido, a frase de Buñuel - que hoje teria aniversário - de os nossos países "estarem afastados mil anos", tem a sua triste consequência.
Abraço

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

........pois, Paulo, só que eu aqui já não sinto que as conversas sejam em família, posto que lhe falta um membro.

Independente da amizade que continuo a nutrir por si, vai me perdoas, mas já não me sinto com o mesmo à vontade de há tempos atrás.

Esta é a minha verdade e isso é que faz as conversas serem verdadeiras. ou não.

beijinho

PS- continuarei, obviamente a visitá-lo,porque sempre me tratou com cortesia e afecto, que é mutuo. Esta é a isenção que sou capaz de lhe dar.

O Réprobo disse...

Querida Júlia,
devo, em primeiro lugar, dizer que a minha estima pela Júlia é muito maior do que simples sintonia ou urbanidade de circunstância.

Quanto ao panorama envolvente, devemos agradecer por tudo quanto nos puderam dar, respeitando a escolha de novos rumos.
Beijinho