sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

As Grades do Inferno

Quem queira consolar-se com o pouco digno disso que nos resta, pode ir ver as fotogradias tiradas, por vezes, de S. Pedro de Alcântara pela Arte da Luísa, duma Lisboa diversa da da litografia de 1845 de Sousa e Barreto. Entretanto, no dia em que se noticiou a reabertura do passeio do Aqueduto, veio-me à lembrança falar de outro fecho dele e de uma sua macabra substituição pelo cimo da muralha de S. Pedro que comecei por referir. Tanto infeliz se julgou livrar da infelicidade esmagadora atirando-se de lá, que o altruísta vereador Ayres de Sá desencadeou uma campanha para colocar uma grade que obstaculizasse as tentações. Entre adiamentos de sessões camarárias e dilações se passaram alegres anos - menos para os espatifados e os que deles se apiedavam - de 1852, em que o gradeamento se decidira, até 1864, em que uma proposta contrária a ele unanimemente triunfou(!). Pelo meio, nada de ferros. Só em 1866 o bom senso voltou. Onde é que nós já vimos um país de adiamentos, oh, onde terá sido?
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Grades do Inferno pois lhes chamei, não por oprimirem, mas por tardarem desesperantemente em existir. Quem como grade funcionou, no que a Antero de Quental respeita, foi Oliveira Martins. Lembremos parte da carta a Eça em que à bala fatal se referiu:
Matou-o a sua imaginação exarcebada pelo capacete de ozone da ilha. Era uma tentação antiga: duas vezes o desarmei e uma no instante em que se ia matar. E então havia um motivo: mulher. O nosso pobre Antero não tinha a filosofia bastante para perceber que, a vida nem vale a pena de nos desfazer-mos dela. Era um alucinado da metafísica e provavelmente acabou julgando ir viver num mundo melhor.

O Penúltimo período do texto não se aplicará também a um blogue?

2 comentários:

Luísa A. disse...

Obrigada pela referência, meu caro Réprobo. Essas grades também tranquilizam quem tem vertigens nas alturas. E, não, um blogue vale a pena, como julgo que vale a pena tudo o que exercite a nossa criatividade e imaginação. Por isso, de um blogue podemos desfazer-nos, se for para começarmos outro (projecto) que nos dê mais satisfação. E desde que não abandonemos, em nenhuma circunstância, os nossos fiéis leitores. :-D

O Réprobo disse...

Querida Luísa,
é verdade, tinha acantonado em obscuro local da memória essa ligeira perturbação que confere um conteúdo de arrojo a Quem fotografa Lisboa de tão alto.

Estou, precisamente, na dúvida de manter ou acabar a página, para me dedicar ao livro que tenho em mente. Mas a inclinação do dia é para ficar.
Beijinho