quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Legado ou Masmorra?

Que Sombras Fortes! de Ignacio IturriaO Confrade Jansénico, na sequência da Questão Setentista em que troquei pontos de vista com o Miguel Castelo-Branco, veio pôr a outra questão fundamental, a da herança, pesada ou levíssima, que a Geração de Setenta nos terá deixado. Quero ajuntar duas notas: em primeiro lugar, a semelhança entre o regime abrilino e o Constitucionalismo consolidado, ambos períodos de melhoramentos materiais evidentes e de mal-estar inegável de qualquer espírito exigente perante a classe política, desde que dela não faça parte. Assim como um Fontes honestíssimo não hesitava na corrupção moral da manobra das ambições, também o espectáculo triste dos carreirismos e (as)saltos partidários enoja qualquer atento observador da actualidade. Mas a razão principal é de estrutura ético-social - a indiferença da burguesia militante com acesso ao Poder em face dos que vão sendo depauperados pelo automatismo decisional dele. Hoje, quem é pouco menos que pobre passa a pobre por inteiro e, pior, a desamparado, perante a fria desculpa do Executivo corta-guita, cheio de si, quer dizer de racionalidade económica. No Estado Novo a pobreza do País era assumida mesmo pelas grandes fortunas, nas meias-solas que nunca deixaram de colocar nos sapatos, num rumo traçado de obras e prestações melhoradas ao ritmo lento mas seguro do pequeno País isolado - e por tanto digno - que a todos distribuía o sacrifício, se não nas privações, ao menos no pudor. Nos parlamentarismos de antes e depois é o contrário, com a eterna fatalização da Democracia, "porque é o que fazem lá fora" e dos cortes de direitos tradicionais ou sociais, bem como de aumentos de privilégios na promiscuidade empresarial-política, porque "é o que lá fora fazem".
Perante isto, o que nos fica da Geração de Setenta pode ser ou o fracasso de não ter conseguido romper com o sistema, ou a constância da recusa da bondade do mesmo. E sempre que alguém se aventura a uma crítica que toque na ferida, como, por vezes, Vasco Pulido Valente, logo aparecem outras mentes de responsabilidade, como Vasco Graça Moura, acusando-o de permanecer amarrado à visão que Eça tinha de Portugal. E terá sido assim? Pelo menos nalguns sentidos, certamente. Como setentista terá sido o fracasso assumido da sua intervenção governativa, metido na camisa de forças dos profissionais da política partidária, ou de indescritíveis solidariedades de origem social, como a sua predilecção por Mário Soares.
Mas o problema está todo na imagem do falhanço que se projecte. Por causa do desastre histórico que foi a capitulação perante a partidocracia, "pensar como Eça", sinédoque de todo o movimento geracional, passou a ser espantalho brandido para desqualificar a denúncia do status quo. Por vezes com uma intenção compreensível, a de castrar o bota-abaixismo que diminua realizações concretas. Mas sempre deixando escapar a percepção de que, em momentos de crise moral, não são essas as mais importantes.

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