Armistício dos Sexos
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Os versos são bons, dentro do incitamento ao riso que se propõem, muito mais capazes do que os das quadras populares, em que a última rima forçada ou ingenuamente semantizada, costuma espatifar-se.
Leiamos:
Anda agora, por´hi, muito em moda
Uma grave, e renhida questão,
Em que os sabios, que entendem da póda,
Tem entrado em geral discussão.
A questão com que os taes se consomem,
Pouco menos ou mais, vem a ser
Se a mulher é, talvez, mulher-homem,
Ou se o homem é homem-mulher?
Eu por mim, que de sabio sou pouco,
Não me atrevo a em tal caso metter;
Mas se vejo qualquer Mané-Côco,
Digo logo: Isto é homem-mulher.
Pelo contrário, se vejo uma nympha,
Das que nunca ha carinhos que as domem,
Que refila ao marido e lhe afinfa,
É p´ra mim, sem questão, mulher-homem.
O marido que deixa o priminho
Co´a mulher ir a toda a funcção,
E que em casa se fica sósinho,
Será homem-mulher, sem questão!
A matrona, porém toda sabia,
Que faz versos em vez de crochét;
E que ferra caurins com tal labia,
Sempre foi mulher-homem, ólé!
O papalvo, que posto ás esquinas,
P´ras mulher´s s´está todo a babar:
Mil graçolas dizendo ás meninas,
E seguindo uma, ou outra, a chorar...
Já depois d´apanhar grandes calças,
Só co´a porta na cara lhe dão,
E contar vem façanhas; mas falsas,
Será homem-mulher... sim, ou não?
Rapariga, que a quatro dá trella,
Sem que os paes disso lhe tomem,
Ó rapazes fugir devem d´ella,
Que não deixa de ser mulher-homem
Pois mulher que tem buço e perinha,
E cabello na venta demais...
Fujam d´ella qual fogem da tinha,
Que lhes juro que a tal... é das taes!
Valentão, de bigode espetado,
E que diz meio mundo matar:
De navalha, e rowolver armado,
P´ra fazer toda a gente assustar...
A fallar ninguém é mais afoito;
Mas se acaso um barulho tiver,
Vae corrido, o pimpão, ao biscoito,
E só prova... ser homem-mulher.
As senhoras que, á tarde, nas hortas
Com denodo trez litros consomem,
E depois vem p´ra casa já tortas,
O que são? - Já se vê - mulher-homem.
Mulher-homem tambem é aquella,
Que de redeas, e açoite na mão,
Vae par´cendo o cocheiro ser ella,
E o cocheiro par´cendo o patrão!
O marido que nunca de casa
Sai á rua se a esposa não quer,
Que na bolsa consente uma raza,
Ha de sempre ser homem-mulher!
Tambem homem-mulher não é menos
O que em casa se deixa ficar
Entretendo, e guardando os pequenos,
P´r´a mulher ir p´r´o baile dançar.
A mulher que por toiros se pella,
Sem jamais ás toiradas faltar:
Com tal nympha, rapazes cautella,
Não se póde do que é duvidar!...
Como os toiros só traz no sentido...
Eu sei lá?... Póde bem dar-se o caso
De correr - por engano - o marido,
E depois... ahi vae tudo razo!
Afinal, eu não sei que mais diga
D´esta grave, e renhida questão:
O temor, o receio me obriga
A pôr ponto sem mais discussão.
Por caturra receio me tomem
Mas se palmas de vós obtiver...
Outra vez da questão mulher-homem
Fallarei, e do homem-mulher.
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