sábado, 16 de fevereiro de 2008

Armistício dos Sexos

Depois da Guerra dos ditos, a nossa época não soube conceber uma paz e entendimento autênticos que não passassem por uma progressiva indiferenciação de ambos. Nada que não estivesse prenunciado, mesmo em tempo de maior separação das águas aparente, como nos versos satíricos deste folheto, os quais, antes de acusados serem de unilateralismos, devem beneficiar do desconto de se inserirem numa época em que os dois géneros tinham um índice alto de separação nos lazeres, bem como de apimentarem uma percepção que, com todas as atenuações, noutras concretizações persiste.
Os versos são bons, dentro do incitamento ao riso que se propõem, muito mais capazes do que os das quadras populares, em que a última rima forçada ou ingenuamente semantizada, costuma espatifar-se.
Leiamos:

Anda agora, por´hi, muito em moda
Uma grave, e renhida questão,
Em que os sabios, que entendem da póda,
Tem entrado em geral discussão.
A questão com que os taes se consomem,
Pouco menos ou mais, vem a ser
Se a mulher é, talvez, mulher-homem,
Ou se o homem é homem-mulher?

Eu por mim, que de sabio sou pouco,
Não me atrevo a em tal caso metter;
Mas se vejo qualquer Mané-Côco,
Digo logo: Isto é homem-mulher.
Pelo contrário, se vejo uma nympha,
Das que nunca ha carinhos que as domem,
Que refila ao marido e lhe afinfa,
É p´ra mim, sem questão, mulher-homem.

O marido que deixa o priminho
Co´a mulher ir a toda a funcção,
E que em casa se fica sósinho,
Será homem-mulher, sem questão!
A matrona, porém toda sabia,
Que faz versos em vez de crochét;
E que ferra caurins com tal labia,
Sempre foi mulher-homem, ólé!

O papalvo, que posto ás esquinas,
P´ras mulher´s s´está todo a babar:
Mil graçolas dizendo ás meninas,
E seguindo uma, ou outra, a chorar...
Já depois d´apanhar grandes calças,
Só co´a porta na cara lhe dão,
E contar vem façanhas; mas falsas,
Será homem-mulher... sim, ou não?

Rapariga, que a quatro dá trella,
Sem que os paes disso lhe tomem,
Ó rapazes fugir devem d´ella,
Que não deixa de ser mulher-homem
Pois mulher que tem buço e perinha,
E cabello na venta demais...
Fujam d´ella qual fogem da tinha,
Que lhes juro que a tal... é das taes!

Valentão, de bigode espetado,
E que diz meio mundo matar:
De navalha, e rowolver armado,
P´ra fazer toda a gente assustar...
A fallar ninguém é mais afoito;
Mas se acaso um barulho tiver,
Vae corrido, o pimpão, ao biscoito,
E só prova... ser homem-mulher.

As senhoras que, á tarde, nas hortas
Com denodo trez litros consomem,
E depois vem p´ra casa já tortas,
O que são? - Já se vê - mulher-homem.
Mulher-homem tambem é aquella,
Que de redeas, e açoite na mão,
Vae par´cendo o cocheiro ser ella,
E o cocheiro par´cendo o patrão!

O marido que nunca de casa
Sai á rua se a esposa não quer,
Que na bolsa consente uma raza,
Ha de sempre ser homem-mulher!
Tambem homem-mulher não é menos
O que em casa se deixa ficar
Entretendo, e guardando os pequenos,
P´r´a mulher ir p´r´o baile dançar.

A mulher que por toiros se pella,
Sem jamais ás toiradas faltar:
Com tal nympha, rapazes cautella,
Não se póde do que é duvidar!...
Como os toiros só traz no sentido...
Eu sei lá?... Póde bem dar-se o caso
De correr - por engano - o marido,
E depois... ahi vae tudo razo!

Afinal, eu não sei que mais diga
D´esta grave, e renhida questão:
O temor, o receio me obriga
A pôr ponto sem mais discussão.
Por caturra receio me tomem
Mas se palmas de vós obtiver...
Outra vez da questão mulher-homem
Fallarei, e do homem-mulher.

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