Notas de Rodapé
Pode a paciência dos Nossos Leitores estar prestes a fazer saltar a tampa com tanta parada e resposta sobre uma dúzia de Espíritos de finais de Oitocentos. Mas suponho que enquanto o filão for dando umas bifanas temos o dever de não reformar o facão de magarefe.
Meu Caro Miguel, na resposta ao Dragão diz que esperava tudo menos a chamada da Psicanálise à colação. Pois eu esperava isso e outra coisa mais - que o desafogo económico dos Vencidos & Satélites não fosse brandido como argumento. Voltamos à desqualificada propaganda marxista, que explicava sempre o pensamento de um homem pelas suas ambições de ascensão, se fosse pobre, ou pela sede de manutenção de privilégios, acaso calhasse a ser rico? Acresce que, provindo de extracção sem o problema económico de outras, abona a seu favor: não se remeteram ao egoísmo do gozo de rendimentos ou posição, lançando-se no desgaste da luta pública contra os males evidentes, apenas errando em não se lhes oporem globalmente. Admira-me que convoque Fialho, esse sim, que, confessadamente, fez presidir um interesse pessoal, o do ressabiamento invejoso, às suas tomadas de posição política. E apraz-me constatar que retira dessa pléiade que ele não merecia o Teófilo, o qual toda a vida se queixou da insuficiência patrimonial "que não o deixava ser" aquilo que achava que podia. Mas isso é um triste fado da nossa vida pública, veja-se o ataque de Alfredo Pimenta a António Sardinha, pela penúria relativa de que se queixava.
Não me meto a comparações com os intelectuais de destaque de hoje, não só por suspeitar de que não suportam acareação desse quilate, mas por entender faltar o recuo necessário para esses julgamentos. Andaríamos muito mal se déssemos em confrontar agora a Geração de Setenta com a Geração Que Se Tenta.
Há outro aspecto com o qual não posso deixar de discordar. Fala que os Vencidos - pois era a eles que Se referia - passaram o tempo a fazer lóbi. Isso foi talvez a coisa que menos fizeram. Lobbies significa trabalhar nos bastidores para convencer outros, os detentores do Poder, a uma actuação que satisfaça clientelas que para isso agenciam. Ora a experiência da Vida Nova, a tomada de um sector importante do Partido Progressista estabelecido e a ascensão à pasta da Fazenda de Oliveira Martins foram levadas a cabo inteiramente às claras, perante as galerias embevecidas e precisamente contra o lobismo representado por Luciano de Castro, defendendo os interesses de Burnay, e Mariano de Carvalho por conta da Fábrica Nacional. Era essa orientação que Martins, Lobo d´Ávila e António Cândido defendiam na Câmara dos Deputados e Ficalho na dos Pares. Assim como a constituição da regularidade de encontros célebres que tomou o nome por que se conhece o Vencidismo é posterior à intervenção parlamentar contra esse cancro e o da demagogia, que a imprensa então veiculava, à maneira das televisões de hoje. Muito mais anos haveriam de conservá-la, com Mariano no «Diário Popular» e Emídio Navarro nas «Novidades», vindo este mais tarde a retractar-se.
A decisão de juntar amigos com desencanto comum e vontade de mudança pretensamente radical começou por uma ceia desses quatro Parlamentares, no dia em que o Decano Conde produzira o discurso célebre:
O País, Sr. Presidente - não tem fé no nosso mundo político. Assiste às nossas lutas na Imprensa e nestas casas em que nos encontramos, de braços cruzados com o sorriso de descrença nos lábios. O País não compreende este nosso parlamentarismo exagerado, em que todos os defeitos do regime se agravam, e todas as suas qualidades se amesquinham. O País - Sr. Presidente - não compreende estas nossas sessões estiradas e estéreis: não compreende isso de andarmos a lançar o descrédito uns sobre os outros, nem as lutas de um dia e as reconciliações do dia seguinte, nem a utilidade do argumentarismo exótico que se estabeleceu entre nós.
Estimo que o País não faça rudemente sentir a incompreensão do Governo; se ele se pronunciar, na serenidade e tranquilidade da sua força, então eu direi que esse momento é um momento feliz, poque então, sob essa força, se poderá firmar um partido que seja seriamente e honestamente nacional.
Foi este o erro. "Partido nacional" é contradição nos termos.
Meu Caro Miguel, na resposta ao Dragão diz que esperava tudo menos a chamada da Psicanálise à colação. Pois eu esperava isso e outra coisa mais - que o desafogo económico dos Vencidos & Satélites não fosse brandido como argumento. Voltamos à desqualificada propaganda marxista, que explicava sempre o pensamento de um homem pelas suas ambições de ascensão, se fosse pobre, ou pela sede de manutenção de privilégios, acaso calhasse a ser rico? Acresce que, provindo de extracção sem o problema económico de outras, abona a seu favor: não se remeteram ao egoísmo do gozo de rendimentos ou posição, lançando-se no desgaste da luta pública contra os males evidentes, apenas errando em não se lhes oporem globalmente. Admira-me que convoque Fialho, esse sim, que, confessadamente, fez presidir um interesse pessoal, o do ressabiamento invejoso, às suas tomadas de posição política. E apraz-me constatar que retira dessa pléiade que ele não merecia o Teófilo, o qual toda a vida se queixou da insuficiência patrimonial "que não o deixava ser" aquilo que achava que podia. Mas isso é um triste fado da nossa vida pública, veja-se o ataque de Alfredo Pimenta a António Sardinha, pela penúria relativa de que se queixava.
Não me meto a comparações com os intelectuais de destaque de hoje, não só por suspeitar de que não suportam acareação desse quilate, mas por entender faltar o recuo necessário para esses julgamentos. Andaríamos muito mal se déssemos em confrontar agora a Geração de Setenta com a Geração Que Se Tenta.
Há outro aspecto com o qual não posso deixar de discordar. Fala que os Vencidos - pois era a eles que Se referia - passaram o tempo a fazer lóbi. Isso foi talvez a coisa que menos fizeram. Lobbies significa trabalhar nos bastidores para convencer outros, os detentores do Poder, a uma actuação que satisfaça clientelas que para isso agenciam. Ora a experiência da Vida Nova, a tomada de um sector importante do Partido Progressista estabelecido e a ascensão à pasta da Fazenda de Oliveira Martins foram levadas a cabo inteiramente às claras, perante as galerias embevecidas e precisamente contra o lobismo representado por Luciano de Castro, defendendo os interesses de Burnay, e Mariano de Carvalho por conta da Fábrica Nacional. Era essa orientação que Martins, Lobo d´Ávila e António Cândido defendiam na Câmara dos Deputados e Ficalho na dos Pares. Assim como a constituição da regularidade de encontros célebres que tomou o nome por que se conhece o Vencidismo é posterior à intervenção parlamentar contra esse cancro e o da demagogia, que a imprensa então veiculava, à maneira das televisões de hoje. Muito mais anos haveriam de conservá-la, com Mariano no «Diário Popular» e Emídio Navarro nas «Novidades», vindo este mais tarde a retractar-se.
A decisão de juntar amigos com desencanto comum e vontade de mudança pretensamente radical começou por uma ceia desses quatro Parlamentares, no dia em que o Decano Conde produzira o discurso célebre:
O País, Sr. Presidente - não tem fé no nosso mundo político. Assiste às nossas lutas na Imprensa e nestas casas em que nos encontramos, de braços cruzados com o sorriso de descrença nos lábios. O País não compreende este nosso parlamentarismo exagerado, em que todos os defeitos do regime se agravam, e todas as suas qualidades se amesquinham. O País - Sr. Presidente - não compreende estas nossas sessões estiradas e estéreis: não compreende isso de andarmos a lançar o descrédito uns sobre os outros, nem as lutas de um dia e as reconciliações do dia seguinte, nem a utilidade do argumentarismo exótico que se estabeleceu entre nós.
Estimo que o País não faça rudemente sentir a incompreensão do Governo; se ele se pronunciar, na serenidade e tranquilidade da sua força, então eu direi que esse momento é um momento feliz, poque então, sob essa força, se poderá firmar um partido que seja seriamente e honestamente nacional.
Foi este o erro. "Partido nacional" é contradição nos termos.
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