As Formas em Fuga
De Sophia de Mello Breyner Andresen
Estranha noite velada
Sem estrelas e sem lua,
Em cuja bruma recua
Fantasma de si mesma cada imagem.
Jaz em ruínas a paisagem,
A dissolução habita em cada linha,
Enorme, lenta e vaga
A noite ferozmente apaga
Tudo quanto eu era e quanto eu tinha.
E mais silenciosa do que um lago,
Sobre a agonia desse mundo vago,
A morte dança
E em seu redor tudo recua
Sem força e sem esperança.
Tudo o que era certo se dissolve,
O mar e a praia tudo se resolve
Na mesma solidão eterna e nua.
Noite de Willem de Kooning
A angústia perante a invasão da penumbra não é o sinal mais irreversível da infelicidade. Bastará compará-lo com o do alívio pensável na dissipação dos traços e ocultação dos volumes. Aquele que espera o negro manto como um libertador é muito mais digno de compaixão do que se inquieta perante a perda que ele traz: é o eterno fugitivo em face da persistência da agressão das formas, não o proprietário delas, ao menos sob forma de imagens guardadas, que ainda tem algo a perder, por isso mesmo alguma coisa a que se agarrar. É que o que encontra lenitivo e paz na emergência da escuridão está também receptivo à Dama das Mãos Brancas, a qual, no seu caso, é desejada no estado de espírito pelo qual avança, em vez de receada pela efusão que manifestasse na dança, dada como mero espectáculo sem progressão. Signo desmesurado dos pavores que impelem para o fim, em que a insatisfação de si já operou toda a sementeira que não tardará a colhê-lo, enquanto que o lamento de uma confiança abalada transmite a certeza de uma vontade de continuar. E em que já se desespera do sonho como equilíbrio, o tal que ainda poderá desempenhar o seu papel vital na existência de quem se renderá a remissões para a suspensão do processo racional enquanto descansa, por muito impressiva e (im)pressionante que seja a imersão no contexto a tal adequado.Estranha noite velada
Sem estrelas e sem lua,
Em cuja bruma recua
Fantasma de si mesma cada imagem.
Jaz em ruínas a paisagem,
A dissolução habita em cada linha,
Enorme, lenta e vaga
A noite ferozmente apaga
Tudo quanto eu era e quanto eu tinha.
E mais silenciosa do que um lago,
Sobre a agonia desse mundo vago,
A morte dança
E em seu redor tudo recua
Sem força e sem esperança.
Tudo o que era certo se dissolve,
O mar e a praia tudo se resolve
Na mesma solidão eterna e nua.
Noite de Willem de Kooning
6 comentários:
A minha fuga(antecipada)é até ao Reno.
Beijo
Eu gosto tanto da noite. Aquieta-me. Beijinho ao Paulo e à Cristina.
Isso é que é estar fartinha das afinidades, Cristina. Tire o máximo proveito e, apesar da poluição, publico em post um voto/encorajamento.
Beijo
Oh sim, T. Sempre fui um noctívago militante e juramentado, embora numa perspectiva diversa da do poema. E, compreendendo no entanto a calmaria que o anoitecer pode acarretar, nos meus tempos era mais uma acha na busca da excitação. A Noite é um expediente de finalidade aberta, em suma.
Beijinho
Também gosto muito da noite.
«A Noite é um expediente de finalidade aberta, em suma.»
Belíssima descrição, que não consiguiria dar, mas que vem de encontro ao que procuro na Noite.
Tem dado para tudo.
Uma coisa coisa é estar receptivo à "Dama das Mãos Brancas", outra é procurá-la para resolver o que a "insatisfação de si" e a "confiança abalada" provocaram.
Ainda bem que não aconteceu. Ainda bem que houve, tarde e a más horas, o lamento.
Nem imagina o que gosto de si. Este texto, belíssimo, faz-me mais uma vez ter, vontade de o embalar.
beijinho
Querida Marta,
Nem sempre e certamente não em todos os casos, a insuportabilidade da dor conduz à desistência de tudo. Prova acrescida da variabilidade em função do sujeito de que falava(mos).
Muito obrigado por tudo, por mais, muito mais do que a aprovação do texto, como bem sabe.
Beijinho
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