sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Cheiro a Esturro

Apesar das prevenções em contrário de Paul Valéry, a ambiguidade continua a ser na Arte um traço prestigiante. Talvez porque a aspiração ao pouco rotineiro, entre os fruidores, conjugada com alguma insegurança crítica, predisponha a ver subtileza no que seja deficiência ou jogo fácil. É que o que dispõe bem, porque transmissivo de vivacidade, numa conversa, ou num blogue, já na Literatura ou nas Artes Plásticas assemelha-se, nas mais das vezes, a um truque ligeirinho, que travestindo-se de mistério redunde em pista desviante da profundidade maior do Unívoco na intenção produtora, independentemente da liberdade interpretativa que se tome.
E na publicidade? Pareceria que o que não encerrasse sentido intangível seria mais prejudicial do que benéfico. Procurando entre anúncios a perfumes encontrei este que ostensivamente investe na ambivalência do termo francês para "defendido" e "proibido", como do prestígio que o fruto interdito encerra no hedonismo contemporâneo incapaz de se interrogar. Aquele que não vê outras duplicidades conectadas com o próprio nome da essência propagandeada: Eden é a consubstanciação terreal do Paraíso, sem a dignidade do Celeste - que encerra em si o vencimento da Culpa. E ao propor esse «paraíso possível», horrenda expressão de noticiário televisivo, indutora da desistência ou inconcreção do Mais Alto, a concepção do anúncio cai na sua própria armadilha: a de ter de recorrer a elemento etéreo para seduzir mais do que uma proximidade de corpos apenas libertos do Pecado por lhe serem anteriores. Adão e Eva não precisavam, ao princípio, de disfarçar os respectivos odores. Se tivessem sentido essa necessidade, o trabalho da Serpente teria sido muito mais facilitado e obrigaria a retórica menos grandiloquente.

8 comentários:

T disse...

É que gosto mesmo deste seu texto. Excelente a argumentação sobre os odores, embora eu adore perfumes. E bons cheiros.
E quando não penso nisso, ainda melhor.

Bjo caro amigo

O Réprobo disse...

Obrigado, Querida T. Não confundamos, eu também adoro aspirar perfumes femininos, usados por quem de direito; e de apreciar se ligam com a respectiva personalidade e imagem, na impressão (ia a dizer impressividade mas não quero que o Amigo Bic se insurja) que recebo Delas.
Não chego porém ao extremo de uma Querida Amiga, a Qual se entretém a julgar se os cheiros aspergidos rimam com as peles em que assentaram...
Beijo

T disse...

Mas a sua amiga tem toda a razão. Os perfumes transformam-se em cada pele.
Bjo.

Anónimo disse...

E altera de tal maneira, que o que é bom pode passar a verdadeiramente cheirar mal.

Normalmente não perco muito tempo a fazer compras. Sei o que quero, vejo se serve e já estou a andar.
Com os perfumes, é diferente.
Posso experimentar três ou quatro, em sítios diferentes, como é evidente, e nunca, mas nunca compro antes de terem passado pelo menos três a quatro horas.
Há uma marca famosíssima, a Hermés, da qual não consigo comprar um único perfume.
Fica, passado umas duas horas um cheiro terrível.

Beijinho

O Réprobo disse...

Oh Diacho, Querida T, daí a catástrofe de certos presentes masculinos às Senhoras, com a melhor das intenções empreendidos: fiam-se no que fungam da amostrinha de papel e depois é que são elas! E Elas!
Beijinho

O Réprobo disse...

Credo, Marta, que golpe contra-publicitário! "Se quer deixar de agradar, rapidamente e em força, compre os produtos desta marca!"!!
E daí, talvez vendesse, apesar de na secção de repelentes de indesejáveis...
Beijinho

Anónimo disse...

Não, não estou nada!

Gosto imenso da marca, de quem sou, aliás, cliente.
Mas a minha pele modifica tanto os odores, que por acaso com esta tem sido fatal.

O Réprobo disse...

Esse, Querida Marta é um mistério completo. Terá a ver com as diferenças de texturas ou de secreção?
Ainda faltou dizer o regalo que costuma ser, nas saídas em grupo, cada entrada feminina no carro...
Beijinho