sexta-feira, 31 de agosto de 2007

As Ilusões das Aparências

Impressionadíssimo com a abertura demonstrada pela Júlia ML às mensagens que acompanham os cosméticos, atrevo-me a redigir umas linhazitas de férias sobre o tema. Todas as comunidades do Extremo Oriente se celebrizaram pelo seu uso consagrado, mas este é um âmbito em que não divergem de outras civilizações, conforme demonstra a reprodução desta maquilhada suméria. Mais, o recurso a tais artefactos e artifícios, para agradar, era, na Antiguidade, extensivo ao género masculino, nos últimos dois séculos restringido ao after shave , pasta de dentes, sabão e fixador. Quando, nos nossos dias, se dá como "adição da personalidade" um perfume está-se a sugerir a fragrância como individualização, dentro de uma roda estrita, porque é difícil pretender que uma marca produza em exclusividade, coisa aliás contraproducente em matéria de reconhecibilidade do estatuto emergente dos odores conceituados. Mas não assim na Judeia Antiga, em que Salomão, David e os seus ministros tinham, cada qual, o seu cheiro único, pelo qual esperavam ser precedidos, notados e identificados.
Na Assíria-Babilónia-Caldeia inventou-se a máscara de beleza nocturna. As más notícas para as minhas Leitoras é que essa garantia da juventude da pele era obtida à custa de untar o rosto com gordura de cabra, durante o descanso. Não farei piadas duvidosas sobre a influência que as conotações caprinas possam ter tido nas condenações puritanas posteriores.
Os Etruscos deram especial atenção às modificações e acentuações das linhas dos olhos, que eram famosos, pela intensidade e forma, em toda a Península Itálica. E Roma viria a fazer com este ramo o que fez com as religiões: incorporar e disponibilizar ao público todas as importações dos países com que contactava.
Há a salientar uma oposição curiosa. Na Grécia Clássica ricos e pobres eram pressionados a não comparecerem nas festas em honra de Niké ou de Minerva sem que tivessem tomado um banho perfumado. Já na Inglaterra Isabelina lavar-se era gesto suspeito, dando-nos as crónicas como uma higienista a Rainha, por insistir em ter uma banhoca de quatro em quatro semanas, quer fosse necessário, quer não. Mas os perfumes desfrutavam de grande voga e um dos votos pios que a Virgem anglicanamente Coroada fez, no leito da morte, foi o de renunciar aos seus.
Nas mesmas Ilhas, aliás, em época tida por pouco constrangedora, o Parlamento votou uma lei, de 1770, que permitia anular todos os casamentos que uma Mulher tivesse conseguido com o auxílio de cremes, perfumes, saltos altos e outras artes do Demónio. Para além de ser uma universalização da liberdade de dissolver o matrimónio muito mais ampla do que o divórcio litigioso de hoje, é de notar que a condenação da publicidade enganosa se direccionava para os produtos de beleza, no seu conjunto, não já para aqueles que prometessem falsamente resultados.
Concepções da Verdade variando pelas realidades em que se quer confiar, hoje o consumismo, ontem a Pessoa, no seu todo...

6 comentários:

T disse...

Esta análise é interessante. Eu unto a cara de mel e o Vicente persegue-me a tentar dar uma lambidela fatal, pois ele é um gato que preza doces.
Sou como a Julia viciada em produtos, mas sobretudo em perfumes. E uso-os conforme me sinto, ou adequado ao tempo, ou sei lá.
Que nos fazem falta para eterminar uma completude intangível qualquer fazem. Mas às vezes somos iguais ao que cheiramos:)
Beijinho

O Réprobo disse...

Um provocador - que não eu - poderia dizer que o bichano gosta de ver a dona sempre de cara lavada.
Curioso, já ouvira falar das virtudes regeneradoras do mel, mas ingerido, não aplicado dessa maneira.
De facto, muitas vezes, a ideia de nós que deixamos repousa no olfato do Outro. Daí a popularidade da imagem ao alcance de todos que é a sinestética, na avaliação duma persoalidade. O Intendente Pina Manique sobre José Bálsamo - "não me cheira bem aquela cara".
Bjinho

T disse...

O bichano é mas é um guloso. Grrrrrrr!
E dizemos sempre que não nos cheira bem alguma situação, não é?
O cheiro é determinante!
Beijo

O Réprobo disse...

É, e aquilo em que mais confiamos diz muito do que somos.
Beijinho

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Quanto a perfumes, eu gosto de usar intencionalmente sempre o mesmo. ;-)
Dos cosméticos, sou o arauto de cada novidade que aparece. :-))

Tenho esse lado futil em mim.
beijo aos dois
Júlia

O Réprobo disse...

Ou seja, a Júlia está quase como Salomão, o que não surpreende, sendo Dois Partícipes da Sabedoria. Um passozinho mais e a identidade de opções estará coincidente ponto por ponto - quando assinar o contratozito com a casa produtora que garanta o fornecimento exclusivo desse odor...
Aliás, eles poderiam sempre publicitar-se, dizendo "use os produtos X, feitos por quem concebeu o aroma usado por Júlia ML".
Beijinho