As Inspirações na Misturadora
Eu gosto de Balzac. Reputo mesmo um dos seus livros, «As Ilusões Perdidas» como dos melhores romances de sempre, embora já não tanto os «Esplendores e Misérias das Cortesãs», seu seguimento. A figura de Lucien, talhada com o duplo poder, raramente combinado, da observação e da criatividade, deveria ser vacina obrigatória inoculada em todos os rapazes que, na adolescência, esperam mais de e para si do que do conhecimento dos Outros e respectivo investimento neles. A explanação da fraqueza de carácter atolada na imprecisão megalómana das aspirações, dada a leitor sensível, cura muito anseio e prepara para dar à vida e dela agradecer as ofertas.
Mas eis que leio em Cruz Malpique que Balzac não dispensava duas coisas sobre a mesa de trabalho: a cafeteira com o seu cafèzinho quente, onde bebeu boa parte da sua lucidez mental, e o seu gato. Gostava de sentir, combinados, os dois perfumes: o do café e o desprendido pelo seu felino, um perfume almiscarado que lhe fazia dilatar a narina.
São, sabe-o Quem me costuma ler, duas das minhas pequenas mas constantes paixões. O que não me obrigaria a prezá-las em conjunto, pois também muito gosto de quase toda a fruta e desenvolvo alguma má vontade contra a salada das mesmas composta...Mas eis que leio em Cruz Malpique que Balzac não dispensava duas coisas sobre a mesa de trabalho: a cafeteira com o seu cafèzinho quente, onde bebeu boa parte da sua lucidez mental, e o seu gato. Gostava de sentir, combinados, os dois perfumes: o do café e o desprendido pelo seu felino, um perfume almiscarado que lhe fazia dilatar a narina.
Mas, exercício ocioso, porém devoto, ponho-me a especular sobre a correspondência inspiradora desses dois afectos no grande Honoré. À primeira vista diria que o café, mantendo-o desperto, seria a alavanca que permitia activar o afamado realismo, enquanto que o bichano configuraria, pela volúpia subtil e bela dos seus movimentos, como pelo harmonioso ronronar do seu sono, a fantasia e excitação de sensibilidade imprescindíveis à obra prima.
Todavia, surgem-me segundos pensamentos quando leio as variações introduzidas pelo Autor, o que escreveu sobre a negra e aromática beberragem: Eu descobri um método terrível, ou antes, brutal, que recomendo apenas a homens de vigor excessivo(...) usar café finamente pulverizado, café denso, frio e seco, directamente no estômago vazio. (...)A partir desse momento tudo fica agitado. As ideias rapidamente tomam posição como os batalhões do Grande Exército para o seu legendário campo de batalha e a luta desencadeia-se. As memórias carregam, com os seus estandartes brilhantes ao alto. A cavalaria da metáfora desdobra-se num galope magnífico. A artilharia da lógica arremete, com um estrépito de atrelados e munições. Obedecendo às ordens da imaginação os atiradores de elite apontam e disparam. Contornos, formas e caracteres ganham corpo. O papel enche-se de tinta, pois o labor nocturno começa e acaba com torrentes desta negra água, como a batalha começa e se conclui com pólvora negra.
Vendo-me assim desmentido no papel que ao delicioso excitante conferia fico-me interrogando se à contemplação do sono da mascote não caberá porventura o desempenho de indução da serenidade no Artista, a tal sine qua non...
A imagem é O Gato de Balzac, de Jeffrey Wade Brown.
2 comentários:
S. É engraçado o café frio ser tomado e o quente só aspirado.
Sim, não é uma sinestesia, mas soa estranho. Como o facto de a cânfora, ingerida ou inalada, ter efeitos completamente opostos sobre o mecanismo de excitação sexual masculino, conforme provam as práticas ancestrais do Exército Português e dos sátrapas orientais, respectivamente.
Abraço
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